CADERNO CULTURA

Agora é que são elas

Agora é que são elas

Por Jacqueline Paggioro

Por Jacqueline Paggioro

Publicada há 5 anos

Anterior ao que convencionalmente denominamos civilização, as sociedades primitivas se organizavam em comunidades denominadas gens. Estruturadas pelo matriarcado, as comunidades gentílicas desconheciam a propriedade privada — terras, objetos e tudo o que era produzido pertencia ao grupo, eram uma extensão de cada indivíduo, pois seu valor era utilitário e não econômico. Normalmente os dirigentes ou comandantes eram escolhidos pelos adultos — homens e mulheres — para desempenhar seu papel de liderança em função do grupo.

A evolução dos processos produtivos engendra a divisão social do trabalho e, consequentemente, alteram-se as relações sociais. As primitivas comunidades, em determinados tempos e contextos, também se modificam.

As afirmações acima, embora sintéticas, não foram retiradas de postagens em redes sociais ou mesmo da Wikipédia, são embasadas em leitura e estudo, principalmente da obra A origem da família, da propriedade privada e do Estado, de Friedrich Engels, de 1884. Este tratado, por sua vez, baseou-se em notas de Karl Marx sobre estudos do antropólogo americano Lewis H. Morgan. Numa época em temos doutorados formados pelas redes sociais, sou do tempo que para defender — ou refutar — uma ideia precisávamos recorrer às ciências, ao estudo e à leitura dos clássicos.

O longo percurso da história da humanidade demonstra que, em diversas culturas, o poder de participação e de decisão nem sempre foi prerrogativa dos homens. Na civilização ocidental, principalmente pela difusão da cultura greco-romana e pela influência decisiva da religião judaico-cristã, impingiu-se às mulheres um secular papel de submissão.

Este papel secundário, ao que parece, nunca foi consenso. Simone de Beauvoir, em sua aclamada obra O Segundo Sexo (1949), se contrapõe à tradição e esclarece que “nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado, que qualificam de feminino”. Traduzindo: ninguém nasce mulher: torna-se mulher. E, ao que parece, a história (e também os mitos) corrobora sua tese.

No Talmud (livro sagrado hebreu), Lilith — primeira mulher de Adão — rebela-se contra a submissão que lhe era imposta (inclusive no coito) e prefere viver no exílio.

Hipátia de Alexandria (351/370), considerada a primeira matemática da história, foi morta e lançada às chamas pelos cristãos da localidade. Com o passar do tempo, isso se tornou muito comum.

Cristina de Pisan (1363/1430), poetisa e filósofa italiana, era conhecida por criticar a misoginia presente no meio literário e por defender o papel das mulheres na sociedade. Foi a primeira escritora a viver do seu trabalho. Sua última obra, Ditié de Jeanne d’Arc, celebrava o aparecimento de uma líder militar feminina — Joana d’Arc, outra que foi para a fogueira — que, segundo ela, recompensava todos os esforços das mulheres na defesa do seu sexo.

Este espaço é pequeno para elencar tantas que ousaram e se insubordinaram a um sistema de opressão que até hoje insiste em relegar a participação das mulheres: Dandaras, Chiquinhas, Quitérias, Anitas, Fridas, Tarsilas, Nises, Olgas, Rosas, Zildas, Doroths, Marielles, Marias...

Creio que a simbologia do dia 8 de março, em que 129 operárias morreram queimadas numa ação policial numa fábrica têxtil porque reivindicaram a redução da jornada de trabalho e o direito à licença-maternidade, diz muito sobre a luta de todas as mulheres de todos os lugares e tempos. Não é uma “goiabeira” qualquer que vai impor que devemos vestir rosa e sermos princesas. Usaremos todas as paletas de cores do universo e seremos o que quisermos ser!


"O dia 8 de março, em que 129

operárias morreram queimadas

numa fábrica por reivindicar

a redução da jornada de trabalho,

diz muito sobre a luta das mulheres

de todos os lugares e tempos".



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