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A herança do Corcunda

A herança do Corcunda

Por Sérgio Piva

Por Sérgio Piva

Publicada há 4 anos

A Catedral de Notre-Dame foi atingida por um incêndio esta semana. Na noite da última segunda-feira, as chamas consumiram parte do prédio, um dos cartões-postais de Paris. 

Construída em uma das ilhas naturais do rio Sena, a catedral é uma das mais antigas em estilo gótico do mundo. O nome Notre-Dame significa Nossa Senhora e a catedral é dedicada à Virgem Maria.

Ainda que não tenha ligação religiosa direta e também não tenha tido a oportunidade de visita-la pessoalmente, e talvez por essa exata razão, senti tristeza ao ver as imagens do desastre pela televisão.

Certamente, não o mesmo grau de tristeza e decepção que sentiram os franceses, especialmente os parisienses, que se aglomeraram nas proximidades da catedral em chamas e se enfileiraram às margens do Sena no dia posterior, formando multidão com inúmeros turistas, testemunhas de uma data tragicamente histórica. 

A comoção coletiva não se restringiu apenas à observação e registro do ocorrido por uma infinidade de celulares suspensos no aglomerado pelos braços estirados de franceses atônitos e visitantes curiosos. Foi muito além disso.

Após o incêndio, além das ações da Federação dos Construtores Especializados no Patrimônio Histórico da França, que analisou as condições da edificação e presumiu  os prazos para sua reconstrução, acompanhadas por opiniões de outros especialistas como a Associação dos Mestres Construtores de Catedral Europeus, seguiu-se também uma enxurrada de doações financeiras destinadas à reconstrução da catedral.

Empresários, famílias e cidadãos franceses anteciparam-se em prometer doações vultuosas em euros. Mesmo que tal generosidade possa ser compensada pelo alto percentual de desconto no imposto de renda, permitido pelas leis francesas, com a possibilidade de parcelar as contribuições em cinco anos, o exemplo espalhou-se pelo mundo.

A americana Apple, por meio de seu CEO, anuncio abundante contribuição, assim como fez o rei da Costa do Marfim. A French Heritage Society em Nova York pediu doações a seus associados e a Unesco também se comprometeu em contribuir com a reconstrução. Até a brasileira Lily safra, da bilionária família Safra, realizou significativa doação.

Até o momento, as doações prometidas para a reconstrução de Notre-Dame totalizam oitocentos milhões de euros, aproximadamente três bilhões e meio de dólares, segundo os meios de comunicação.

Apesar de, atualmente, a catedral ser o monumento mais visitado da Europa, o nome Notre-Dame ficou conhecido, e recebeu ampla divulgação, após a publicação do livro de Victor Hugo, “Notre-Dame de Paris”, em 1831.

A obra, que conta a história de Quasímodo, o corcunda recluso no interior da catedral de Notre-Dame, em razão do preconceito sofrido por sua aparência grotesca, não só motivou a realização de uma campanha para a restauração da catedral, até então destruída, como também a tornou conhecida no mundo inteiro.

A minha tristeza ao ver o incêndio na catedral, igualmente a de muitas pessoas ao redor do mundo, assim como o montante do dinheiro doado para sua reconstrução, talvez tenham sido motivados pela história do Corcunda de Notre-Dame, que povoou o universo infantil de muitas crianças e adolescentes, até adultos, como eu.

Uma pena não haver livro com história ambientada no Museu Nacional no Rio de Janeira, nem qualquer Quasímodo ter habitado o Museu do Ipiranga que, apesar de não ter passado por incêndio, está se deteriorando, acompanhado de parcas ações com intuito de evitar ou minimizar esse desastre silencioso e gradual.

Infelizmente, não temos história, nenhum corcunda, que eu saiba, muito menos teremos herança. O desastre em Notre-Dame deixa uma reflexão, dentre tantas que possam surgir: como o livro é importante para um país. 

Sérgio Piva

s.piva@hotmail.com

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