CRÔNICA

CORPO E ALMA

CORPO E ALMA

Por Eliana Jacob Almeida

Por Eliana Jacob Almeida

Publicada há 4 anos



Por Eliana Jacob Almeida

Quando nosso organismo está funcionando normalmente, sem problemas, mal nos lembramos de cada membro, de cada órgão. Passamos o dia, a semana, às vezes meses sem nos lembrarmos de que temos um corpo. Somente quando uma “peça” dá defeito é que nos vem a ideia de que ela faz parte de uma “máquina”.

Pois bem, tenho me lembrado com muita frequência de que tenho corpo. Por ter iniciado uma atividade física diferente há poucos meses, saio de toda aula com dores nos músculos. E como tenho feito muitas peças de mosaico, meu ombro e meu braço direito doem porque o torquês (alicate) que uso é muito pesado. Nessa atividade ainda castigo meus ouvidos, pois o barulho da quebra das pastilhas de vidro é muito estridente; a aguarrás, a cola e a cera não me deixam esquecer de que tenho nariz.

O poeta barroco Gregório de Matos, em um poema cultista, diz: “O todo sem a parte não é todo / A parte sem o todo não é parte, / Mas se a parte o faz todo, sendo parte, / Não se diga, que é parte, sendo todo”. Acho que é exatamente isso que acontece. Se fico muitas horas em frente ao computador, meus olhos ficam ressecados e embaçados, começam a arder... Pronto! Sou apenas olhos. Se como torresmo ou pururuca, sou somente fígado por um dia inteiro, e se um dente resolve se revoltar, então, é só ele que existe em mim.

O bom mesmo é quando nos lembramos de que temos alma. Sinto isso após um encontro com meus familiares — uma festa ou simplesmente um almoço de domingo. Quando saio da bagunça para descansar, não sinto calor nem frio, nem fome, nem sede, nem sono, nada! Nesse momento, esqueço-me completamente de que tenho um corpo; sou apenas alma. Às vezes, em uma viagem tranquila ou depois de realizar um belo trabalho, ou ainda, depois de ver um bom filme também me vem essa sensação.

Na minha idade, acho que será cada vez mais frequente as partes do meu corpo darem sinal de vida; é inevitável. Mas vou começar a me preocupar mais com tudo que me faça lembrar de que tenho alma porque, além de me fazer abandonar a ideia de que a “máquina” está enferrujando, são essas experiências que realmente enriquecem minha vida.

Nesse instante, começo a me lembrar de que tenho olhos, coluna e pulso. Está na hora de encerrar.


*ELIANA JACOB ALMEIDA, PROFESSORA, ESCRITORA E DIRETORA-PROPRIETÁRIA DA ESCOLA EM BOM PORTUGUÊS, É AUTORA DE “ENQUANTO É TEMPO”, “MANUAL DE REDAÇÃO NOTA 1000 PARA O ENEM” E “A FAMÍLIA-MOSAICO DE CAIO E LUÍSA”. ESCREVE CRÔNICAS PARA JORNAIS E REVISTAS DESDE 2003

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