ARTIGO

As pedras do caminho

As pedras do caminho

Por Amaury Cesar

Por Amaury Cesar

Publicada há 4 anos

Abebe Bikila foi um atleta etíope, corredor de maratona, que conquistou duas medalhas de ouro, vencendo as Olimpíadas de 1960 (realizada em Roma) e de 1964 (ocorrida no Japão). Muitos o consideram, até hoje, o maior maratonista que a história conheceu.  Em 2012, foi imortalizado no Hall da Fama do atletismo.

Filho de um humilde pastor, Bikila resolveu entrar para a guarda imperial etíope para ajudar a melhorar as condições de vida de sua família. Nunca demonstrou aptidão para a vida militar. Mas revelou enorme talento para o atletismo. Logo chamou a atenção dos técnicos e passou a integrar a equipe olímpica de seu país.

Em 1960, Abebe Bikila foi incluído apenas no último momento na delegação etíope que iria participar dos Jogos Olímpicos de Roma (no lugar de outro atleta que havia quebrado o tornozelo durante uma partida de futebol). Ele foi um dos destaques da Olimpíada ao vencer a maratona, correndo descalço os 42 quilômetros (mais 195 metros) da prova. Voltou à Etiópia consagrado como herói nacional.

Em 1964, quarenta dias antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio, durante um treino, Bikila começou a sentir fortes dores e teve um colapso ao tentar continuar correndo. Levado ao hospital, foi diagnosticado com apendicite aguda. Operado, ainda no período prescrito para convalescença, começou a fazer pequenas corridas noturnas nos jardins do hospital. Mesmo tendo passado por todos esses problemas, ele voltou a vencer a prova da maratona, tornando-se bicampeão olímpico. Retornou à Etiópia, novamente como herói nacional. Como prêmio por sua conquista, recebeu do governo um fusca.

Em 1969, Bikila sofreu um acidente com o carro que havia recebido como prêmio. Apesar de ter sobrevivido, o acidente deixou-o paraplégico, confinando-o a uma cadeira de rodas pelo resto da vida. Ele morreu em 25 de outubro de 1973 (aos 41 anos de idade), em razão de complicações neurológicas, decorrentes do acidente que sofrera quatro anos antes.

Contei resumidamente a história do célebre maratonista etíope para ilustrar um fato: em nossa trajetória pela vida, encontramos pedras pelo caminho: sofremos revezes, enfrentamos doenças, perdemos pessoas queridas. No caso de Abebe Bikila a pedra foi enorme. Imaginem a sua provação: tendo passado a vida toda correndo, em treinamentos e provas, ele ficou confinado em uma cadeira de rodas pelo resto de seus dias. Imaginem a sua angústia e o seu sofrimento.

Nem sempre o destino coloca em nosso caminho pedras tão grandes. Alguns têm mais sorte, outros menos. Não sei se é sorte, se é destino, o certo é que, em grau maior ou menor, todos nos deparamos com obstáculos e sofrimentos no curso de nossa existência. Entretanto, seja qual for o tamanho da pedra que encontrarmos à nossa frente, o importante é a nossa atitude diante dela.

Alguns, mais fortes, recebem o golpe e seguem em frente. Com o tempo as feridas cicatrizam. Recordo-me do trecho de uma música que diz o seguinte: “Mas se não for a morte, não é o fim do mundo, vem o tempo e cura o que tem de curar”. É a lição do velho ditado: “o tempo é o melhor remédio para todos os males”.

Entretanto, alguns, mais fracos, sucumbem diante das dificuldades, das adversidades, das derrotas, da fatalidade. Não têm força para continuar em frente com o fardo do sofrimento nas costas. Muitos se entregam à bebida e às drogas. Outros chegam ao limite extremo de atentar contra a própria vida.

Não deveria ser assim, mas é. Todos deveriam ter forças para suportar a carga que lhes é colocada nos ombros. Mas nem todos têm o aguerrimento necessário para lutar e vencer as adversidades da vida.

Por isso é tão importante o exemplo daqueles que sofreram duros golpes na vida, conseguiram se reerguer e continuar caminhando; daqueles que tinham tudo para se entregar, mas continuaram de pé. Lembro aqui o caso do cientista britânico Stephen William Hawking. Em 1963, ele foi diagnosticado com uma doença neurodegenerativa (que paralisa progressivamente os músculos do corpo), conhecida como esclerose lateral amiotrófica. Mesmo após a perda de sua capacidade de falar, ele ainda era capaz de se comunicar por meio de um dispositivo gerador de fala. Stephen morreu em 2018, aos 76 anos de idade, depois de lutar contra a doença durante mais de 50 anos. Teve uma vida extremamente produtiva e publicou diversos trabalhos científicos. Sua vida foi retratada no filme “A teoria de tudo”.

Podemos citar ainda o caso de Fernando Fernandes de Pádua (participante da 2ª temporada do programa “Big Brother Brasil”), que perdeu os movimentos das pernas após se envolver em um acidente automobilístico em 2009. Atleta desde a infância (foi jogador de futebol profissional e boxeador amador), após o acidente, Fernando começou a treinar canoagem em Brasília, enquanto fazia reabilitação. A partir daí não parou mais. Tornou-se nome de destaque na canoagem paraolímpica (foi tetracampeão mundial). Apesar das limitações que o acidente lhe impôs, ele continuou vivendo com intensidade, encontrando alegria e beleza em tantas coisas maravilhosas que a vida ainda pode lhe proporcionar. Seu exemplo é realmente inspirador. Interessante: antes do acidente e da sua nova vida, eu tinha uma imagem negativa dele. Achava-o arrogante. Talvez ele tenha mudado. É provável que eu o tenha julgado mal.

Com relação a Abebe Bikila, não sei como ele enfrentou o tremendo golpe que a vida lhe deu. Não sei se sucumbiu a ele ou se o enfrentou com o espírito indômito dos heróis. Pesquisei, mas não encontrei nada a esse respeito. Torço para que tenha ocorrido a segunda hipótese. Afinal, acostumar-se ao sofrimento, para um maratonista, é praticamente um dever de ofício.

Se você sofreu um golpe duro da vida, se tropeçou e se machucou em alguma pedra do caminho, não se entregue. Como diz a velha música de Paulo Vanzolini: “Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima”.

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