ARTIGO

O esconderijo do diabo

O esconderijo do diabo

Por Carlos Eduardo

Por Carlos Eduardo

Publicada há 4 anos

O “mas” é o lugar, não raro, que o diabo mais gosta de se esconder (Leonardo Sakamoto, jornalista e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo).

Essa frase me fez lembrar do cidadão que, na tentativa de se esquivar de um julgamento negativo, utiliza como recurso, em seu discurso anacrônico, a conjunção “mas”. Veja alguns exemplos.

Quem nunca ouviu alguém dizer: “não tenho nada contra pobres, MAS têm lugares que somente pessoas de certo nível podem frequentar”. O que seriam “pessoas de certo nível”? Pelo jeito são pessoas ricas. Como se riqueza material determinasse o direito de ir e vir dos cidadãos ou, ainda, garantisse a educação e a postura adequada de alguém. Conheço ricos que são mal educados e arrogantes e pobres que possuem muita classe, educação e gentileza em seus atos e gestos.

Tem aquela máxima também: “é claro que sou contra o estupro, MAS ela provocou, pois estava usando um short muito curto”. Um argumento machista e medieval. Aliás, não existem motivos para um crime tão repugnante.

“Fiquei sabendo que apanhou do marido, MAS alguma coisa ela deve ter feito, pois conheço ele, é uma pessoa de bem”. “Pessoa de bem” não bate em mulher. Outra coisa, não existem justificativas nesse mundo que embasem a violência contra as mulheres. É crime, é covardia e ponto!

“Ele matou a esposa, MAS parece que ela o traía”. Traição não confere a ninguém o direito de cometer assassinato. Assassinato é crime!

“Avancei o sinal vermelho e também trafeguei pelo acostamento somente por alguns metros, MAS estava com pressa, pois tinha um compromisso muito importante”. Seu compromisso não é mais importante do que uma vida que pode ser ceifada em um acidente de trânsito. 

Com base nesse caso, lembrei-me daquele cidadão que entra em uma rua pela contramão por alguns metros só para estacionar o carro na garagem de sua casa. Motivo? Preguiça de contornar o quarteirão. Não seria esse um exemplo do famosíssimo “jeitinho brasileiro”?

“Não sou homofóbico, MAS sou contra o casamento entre homossexuais”. Frase contraditória por si mesma. Lembrando que no dia 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a resolução 175 que garante aos casais homoafetivos o direito de se casarem no civil.

“Não sou racista, MAS não gostaria de ver meus filhos casados com pessoas negras (afrodescendentes)”. Acredite! Já ouvi essa frase de alguns conhecidos. Racismo puro, cristalino, não tem o que contestar. A propósito! Já ouvi também, de colegas, que não existe racismo no Brasil. Sem comentários.

“Não sou xenófobo, MAS sou contra a presença de imigrantes em meu país”. Outra frase bem contraditória. Lembrando que o crescimento do Brasil deve, em grande parte, ao trabalho dos imigrantes. Como forma de homenagem, existe até uma famosa rodovia com esse nome que liga a capital paulista ao litoral sul do estado de São Paulo. Ademais, você provavelmente possui ascendentes que foram imigrantes. Pense nisso!

Enfim, os exemplos são variados, porém, o que não varia é a tentativa de justificar o preconceito entranhado no discurso de muitas pessoas. 

Como já foi dito, a conjunção “mas” é muito utilizada nesse discurso contraditório. E é nela que se esconde o “diabo”, que também pode ser chamado de racismo, preconceito, xenofobia, misoginia, machismo, intolerância, hipocrisia, homofobia, entre outras práticas e sentimentos condenáveis que colaboram com a violência e a injustiça social.

Por isso, as pessoas que possuem esses “diabos” em seus pensamentos e crenças, escondidos na conjunção “mas” de seus discursos, devem “exorcizá-los” e terem mais empatia e respeito pelos seus semelhantes.

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