ARTIGO

Censura: unidade repressora oficial (O real existe)

Censura: unidade repressora oficial (O real existe)

Por Sérgio Piva

Por Sérgio Piva

Publicada há 4 anos

O tempo é implacável. Suscita dúvidas e decifra verdades, adormece fatos e revela obscuros. Anda a passos largos ao mesmo tempo em que se arrasta por momentos infinitos. De fato, é relativo. Às vezes é fortuito, noutras fatalmente rigoroso.

Afirmações que podemos fazer depois de certo tempo de vida, de pertencer a muitos tempos. Bons e ruins, tranquilos e difíceis, de trabalho e colheita, ação e meditação, coração e razão, de perder e de ter tempo. Tempo de conhecimento, de aprendizagem e, se houver tempo, de sabedoria. Porque são as vivências, não o tempo, que a faz presente. 

Sou do tempo das proibições. Quando usamos a expressão “sou do tempo”, dois pensamentos permeiam essas palavras: longo tempo de vida e nostalgia. Contudo, posso afirmar que não sou nostálgico, apenas tenho saudade de poucas coisas, sem desejo de seus renascimentos, a não ser de certos impossíveis. 

Como dizia, sou do tempo que me arbitravam proibições. Algumas ilógicas, como não por a cabeça para fora da janela do trem ou não deixar os chinelos com as solas viradas para cima. A segunda, com grave punição por morte da própria mãe. Até hoje me dá medo quando o chinelo cai de sola virada.

Certas histórias, por mais ilusórias que pareçam, penetram em nossa mente de tal maneira que colam osmoticamente no cérebro, criando raízes tão profundas capazes de interferir no pensamento racional, mesmo com o passar do tempo, como uma planta que cresce, mas produz folhas substancialmente envenenadas. 

Também sou do tempo da censura institucional. Época em que toda palavra e expressão de pensamento era monitorada. Haviam músicas previamente vetadas, parcial ou totalmente. Quando parcialmente, com alterações na letra, e, quando em sua totalidade, proibição da gravação ou, no mínimo, já no final daqueles tempos, da execução pública.

Da mesma forma eram censurados previamente filmes, peças de teatro e qualquer tipo de obra cultural. Até os filmes pornôs passavam pela revisão dos censores, que ora cortavam cenas demasiadamente explícitas, já que revelar além da medida nunca era permitido, ou com expressões achadas chulas, ora, não raramente, vetavam o filme por inteiro. Como diriam naquele tempo, isso era realmente foda.

A censura era prévia ou posterior, por meio da repressão física ou psicológica, conforme o caso e a julgamento exclusivo de seus executores. Os principais órgãos públicos (na acepção de governamental do vocábulo) destinados ao cumprimento dessas ações, autorizadas pelo AI-5, eram a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), o Serviço Nacional de Informações (SNI) e o DOI-CODI (Destacamento de Operações e de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna), “a sucursal do inferno”, nas palavras (ipsis verbis) de um membro oficial. 

Muito se falava, bem baixinho, entre quatro pareces, ou oito, se possível fosse, sobre as verdadeiras atribuições e atividades daqueles departamentos. Nada que hoje não possa ser confirmado por inúmeros livros de História, fundamentados nas incontáveis pesquisas realizadas em acervos documentais governamentais e particulares e nas coletas de depoimentos dos atores que desempenharam papeis opostos nos acontecimentos.  

A censura institucional examinava e julgava as publicações informativas dos periódicos com base em critérios políticos, ou seja, vetavam qualquer tipo de crítica ao governo, e as produções artísticas com base em “critérios morais”, vetando aquelas que “atentavam contra os bons costumes” ou que apresentassem critica opositora ao governo, segundo, claro, o entendimento dos censores estatais.

Por isso, me assusta certos ruídos atuais de censura travestidos com justificativas toscas e contraditórias, como foram em certo tempo. Assombra-me mais que a sola do chinelo virada para cima, já que, nesse caso, não se trata de simples ilusão. 

Mais espantoso ainda, é ver pessoas querendo reviver esse tempo. Umas, quem sabe, pela nostalgia da ignorância, outras pela insciência do que não viveram. Muito mais assombroso ainda, serem os mesmos indivíduos que falam nas redes sociais aquilo que dá na cabeça, além do limite do razoável, como grande parte dos usuários, e, em muitos casos, alcançando a ofensa ao particular.

Porventura, se o desejo dessas pessoas fosse atendido, de tanto clamar (leia-se repassar), não imaginam elas que não poderiam sequer expressar o mínimo de sua boçalidade, nem intimamente, tanto mais publicamente, como tem a liberdade de fazê-lo agora.

Se por acaso, assim, casualmente, da mesma maneira que o tempo é rigoroso, fosse atendida a vontade dessas pessoas em rever o Cavalo de Tróia, não preveem que, se a censura prévia não funcionar, a vedação posterior reaparecerá rapidamente trajada em um sobretudo longo, grosso e esverdeado, encobrindo a vestimenta da repressão.

Algumas dessas pessoas, talvez, não terão tempo de descobrir as respostas para tais indagações ou, eventualmente, o próprio tempo não queira lançar mão de sua rigorosidade.

Melhor ainda, quem sabe a Plebe Rude cante novamente, apenas por nostalgia, que a Censura, unidade repressora oficial, é a única entidade que ninguém censura, tão somente para demonstrar que nunca fomos tão brasileiros.

Caso não concorde com nada disso, apenas Cálice, posso ter errado meu Tiro ao Álvaro. Porém, Pra Não Dizer que Não Falei da Flores, Eu Vou Tirar Você Desse Lugar com Meu Sapato Novo, ao som de um Cruel, Cruel Esquizofrenético Blues. Afinal, Hoje É Dia de El-Rey. E tenho dito! Enquanto posso.


PS – Republico o texto pois os ruídos continuam e o volume aumenta, na rua, na vida, na minha e na sua. Também na tv do Brasil, mas não do brasileiro. O pai da prepotência julgando o filho do valioso. Felizmente, o real existe e, novamente, resiste.

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