ARTIGO

Os valores do Natal

Os valores do Natal

Por Sérgio Piva

Por Sérgio Piva

Publicada há 4 anos

Hoje em dia, considero o Natal uma festa popular, de origem recente cristã, mais remotamente derivada de festas pagãs, nesse tudo junto e misturado das datas comemorativas “religiosas” atuais, com inúmeros símbolos, como o velhinho de barba branca e roupa vermelha.

Quase toda empresa tem um logotipo ou logomarca, como alguns costumam chamar, para que aquela imagem possa ficar gravada na mente dos clientes, fazendo-os lembrar de seus serviços e produtos. Da mesma forma se comportam os brasões dos times de futebol e as mascotes em todas as áreas do universo comercial e do entretenimento.

Os símbolos são criados para fazer lembrar, ou melhor, para criar um vínculo entre o físico e o mental, mais ainda, tentar produzir uma conexão afetivo-emocional entre o ser e a coisa, numa contínua criação de ideias imageticamente fabricadas, senão impostas.

Como descrito no prólogo do texto, o Natal, apesar de considerado uma festa de origem cristã, na verdade, tem sua origem bem antes da existência do que é chamado cristianismo, quando povos pagãos comemoravam o solstício de inverno, celebrando a fertilidade do solo e reverenciando a natureza, fundamentado no calendário agrícola, gênese da maioria das festas pagãs, dizem os pesquisadores, e, por herança, osmose ideológica ou conveniência, essas, por sua vez, contribuíram para a origem da maioria das comemorações religiosas que duram até hoje, cada qual influenciada pelas culturas por onde tem passado.

Por esse motivo, acredito que, se já não ocorre em grande parte das mentes das pessoas, o Natal um dia tornar-se-á uma festa popular simplesmente, não mais um símbolo do cristianismo. Se não acredita, vejamos o próximo símbolo.

Dizem que o “bom” velhinho foi inspirado no bispo turco chamado Nicolau, transformado, posteriormente, em São Nicolau, cujo personagem é cercado de histórias de extrema generosidade, sempre ajudando as pessoas necessitadas.  

Mesmo aqueles que acreditam nessa origem, também afirmam que o personagem surgiu da mistura de São Nicolau com a lenda do “Velho Inverno”, que existia entre os povos bárbaros da Europa, um senhor que batia na casa das pessoas pedindo por comida e bebida. Segundo o mito, quem o atendesse com generosidade desfrutaria de um inverno mais ameno.

Outros afirmam que a figura de Noel tem origem em tradições germânicas e nórdicas e o protestantismo, que buscava um simbolismo diferente da comemoração católica - que enfatizava a figura do presépio - utilizou o personagem.

Porém, em um quesito, todos os pesquisadores são unânimes, a figura atual do velhinho, especialmente sua roupa vermelha, foi uma invenção da empresa Coca-Cola, em alusão à cor oficial da marca, e difundida em todo o mundo pelos meios de comunicação.

Se o Natal fosse hoje uma comemoração estritamente cristã, a despeito do esforço da igreja católica e de muitas protestantes em relacioná-la exclusivamente ao nascimento de Cristo, veríamos Jesus vendendo produtos e serviços na televisão, não o garoto propaganda chamado Papai Noel ou, ás vezes, apenas uma sinédoque da sua imagem, com gorros vermelhos nas cabeças de inúmeros garotos e garotas propaganda. Tampouco o Japão, país cuja maioria da população pratica o budismo, se encheria de luzes “natalinas” nessa época do ano.

Talvez, por essa razão o grupo punk “Garotos Podres” tenha tido entre seus hits, nos anos 80, a música “Papai Noel velho batuta” (assim, sem vírgula, como no original), cujo título pode ser substituído por palavras parônimas ou por melhor rima, de acordo com o nível de aversão de cada um ao velhinho.

Apesar da agressividade da cultura punk, o movimento, especialmente na área musical, sempre foi caracterizado pela crítica ácida e escancarada a certos costumes sociais, com letras nuas e cruas, como essa que diz que o “Papai Noel velho batuta, rejeita os miseráveis, aquele porco capitalista”, que “presenteia os ricos e cospe nos pobres”.

Ainda que essas palavras tragam certa agressividade inerente, o fato é que ele é um estrangeiro de múltiplas nacionalidades, também naturalizado brasileiro, já que vive no Polo Norte e passa por aqui só em dezembro, descendo pelas chaminés para deixar presentes. Talvez seja por esse motivo que milhares de nossas crianças não recebam brinquedos, visto que, no Brasil, com exceção da Região Sul e outras excentricidades país afora, as casas não têm chaminé.

No entanto, o Poder do Papai Noel é patente. Nunca vi qualquer entidade protetora de animais protestar contra o velhinho por ele fazer as renas puxarem seu trenó com aquele peso todo, não somente o dele, mas também do saco de presentes. Será que, por voarem, fazem menos força?

Por que será que a cultura fitness nunca criticou a forma física do Papai Noel, com aquela barriga protuberante, antipropaganda do condicionamento físico? Nem mesmo a Glória Kalil falou da roupa dele, extremamente quente para o clima do nosso país. Não sei se o cara põe respeito ou medo nos adultos.  

Sejam quais forem os símbolos que representem o Natal para cada um, presentes, luzes piscando, ceia, coros, neve, pinheiros enfeitados, Papai Noel ou Jesus, espero que eles venham acompanhados da benignidade, compaixão, compreensão, amor, esperança, perdão, união e todos os demais valores positivos atribuídos ao “espírito de Natal”, ainda que venham somente esses últimos, já que para muitos ao redor do mundo não haverá presentes, nem ceia, nem coro, muito menos Papai Noel e, talvez, nem saibam ainda quem é Jesus. Seria bom que tudo isso não acontecesse somente no tempo do Natal, ou então, se possível, que o Natal fosse o tempo todo.

Apesar das mazelas do mundo, a maioria provocada pela insensatez e ambição humanas, ainda há esperança. Se o ser humano é capaz de demonstrar tais valores positivos no tempo do Natal, com certeza, é capaz de torna-los concretos o tempo todo.

Feliz Natal, hoje, amanhã e todo tempo.

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