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Fernandopolense conta experiência de 13 meses vivendo na Antártida

Fernandopolense conta experiência de 13 meses vivendo na Antártida

Rodrigo Martins serviu na Estação Antártica Comandante Ferraz em projeto da Marinha

Rodrigo Martins serviu na Estação Antártica Comandante Ferraz em projeto da Marinha

Publicada há 4 anos

Rodrigo Martins esteve na Antártida entre novembro de 2018 e dezembro de 2019, fazendo parte da missão que atuou na reconstrução da base Comandante Ferraz


Gustavo Jesus

A Marinha do Brasil reinaugura, nesta terça-feira, 14, a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF). Com 4,5 mil m² de área e capacidade para 64 pessoas, a nova estação substitui a base destruída por um incêndio em 2012. Dentre os vários militares e profissionais que estiveram no local ao longo dos últimos sete anos, um fernandopolense foi responsável, num período de 13 meses, por tomar conta da saúde dos envolvidos na reconstrução.

Rodrigo Nunes Martins, 29 anos, é nascido em Fernandópolis e concluiu o curso de medicina na antiga Unicastelo, em 2014. O primeiro-tenente falou com exclusividade ao Extra.net sobre sua experiência na base, as dificuldades de servir em um local com clima tão adverso e suas funções.

O Extra.net: Quando despertou o interesse em ser da Marinha?

Rodrigo: Após concluir a formação em medicina fui convocado, em 2015, para o serviço militar obrigatório na cidade de Ladário/MS. Nesse período, conheci melhor a carreira e decidi prestar o concurso para seguir como médico militar. Cursei o Centro de Formação de Oficiais Almirante Wandenkolk, no Rio de Janeiro, durante o ano de 2016. Em 2017 participei da Missão Acre no Navio de Assistência Hospitalar Dr. Montenegro, atendendo a população ribeirinha por dois meses e, em seguida, trabalhei na Base de Fuzileiros Navais do Rio Meriti. 

O Extra.net: Como surgiu a oportunidade de ir para a Antártida?

Rodrigo: Desde que ingressei na Marinha tomei conhecimento a respeito da missão Antártica e suas especificidades e isso me despertou interesse em trabalhar em um local ímpar como o Continente Antártico. No ano de 2017, fui voluntário para a missão e passei pelo processo seletivo que envolvia avaliação física, psicológica e capacidade de trabalho em grupo. Em 2018, após ser selecionado, realizei diversos cursos na área médica preparatórios para a missão.

O Extra.net: E o trabalho por lá, como se desenvolveu? Quanto tempo você ficou e quais eram suas funções?

Rodrigo: Foi um privilégio participar dessa experiência. Partimos para a Ilha Rei George, onde fica a Estação Antártica Comandante Ferraz, no início de novembro de 2018 e retornamos ao Brasil no início de dezembro de 2019. Ao todo foram 13 meses de missão e podemos presenciar a finalização da reconstrução da nova estação antártica brasileira. Como médico eu era o responsável pela enfermaria e por cuidar da saúde de todos da estação. Eu também tinha duas funções secundárias: era o encarregado pela agência de correios da estação e também desempenhava o papel de relações públicas. Na segunda função auxiliava na recepção dos visitantes brasileiros e estrangeiros que vinham até a estação acompanhando-os pelos pontos principais da área externa e interna da estação, bem como explanando sobre a história da base brasileira e, ainda, ajudava na preparação de eventos. Fora essas atividades, eu também contribuía com tarefas de caráter geral como a remoção de neve das saídas de emergência e manutenção da limpeza das instalações da base.

O Extra.net: Como foi conviver em situações tão adversas, especialmente o clima e o isolamento?

Rodrigo: O clima é bem singular na região antártica e isso gera diversas peculiaridades como alterações abruptas do estado climático, baixíssimas temperaturas e fortes rajadas de vento são comuns na Ilha do Rei George. Portanto não se pode sair para a área externa sem tomar algumas precauções: deixar um registro de horário de saída e de previsão de retorno, levar um rádio de comunicação, agasalhar-se corretamente (frequentemente três camadas de roupas), proteger bem as extremidades como orelhas, nariz, mãos e pés (essas são as áreas de maior risco de congelamento), usar protetor solar e óculos de Sol (a radiação solar na região antártica é maior) e carregar uma mochila com suprimentos básicos em caso de ir para áreas mais distantes.

Devido às temperaturas negativas, a umidade do ar se torna bem baixa e isso contribui para o aparecimento de diversos problemas dermatológicos e respiratórios, sendo necessário, muitas vezes, o uso de hidratantes e umidificadores nos compartimentos internos.

Outro ponto curioso é que no verão não temos noites, já no inverno ficamos sem luz solar direta, apenas com uma claridade por cerca de 4 horas, tornando as noites bem longas.

Entretanto, o que mais me impressionava e que me levava a esquecer todas as adversidades do lugar eram as paisagens únicas que presenciava diariamente, bem como o contato visual com animais raros de se ver em nossos “quintais” como baleias, leões marinhos, focas, pinguins e outras aves polares.

O Extra.net: Psicologicamente houve algum momento de maior dificuldade? 

Rodrigo: Existiram momentos de saudade e angústia pela distância dos familiares e amigos, mas nesses momentos eu costumava pensar sobre o privilegio único de estar vivenciando aquele lugar e isso me deixava motivado. A boa convivência entre as pessoas que habitavam a estação também contribuiu muito para tornar a missão mais tranquila.

O Extra.net: Qual era a sua rotina da base?

Rodrigo: No geral, as atividades da Estação iniciavam às 7h com o café da manhã e, depois, cada um desempenhava sua função especifica. Também existiam as tarefas que eram compartilhadas como a faxina completa da estação aos sábados, além de uma escala de serviço de limpeza dos banheiros e de ajudante da cozinha, em que todos (inclusive pesquisadores, trabalhadores civis e militares) contribuíam.

Mensalmente eram realizados diversos treinamentos práticos e teóricos envolvendo exercícios de combate a incêndio, primeiros socorros e evacuação da base em caso de sinistro.

No período do verão as atividades eram mais diversas e intensas, havia transferência de carga e de combustível dos navios (o Navio Polar Almirante Maximiano e o Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel) para abastecer a estação e também era a época em que mais recebíamos representantes de diversos países e de outras estações antárticas, além de pesquisadores, jornalistas e representantes políticos, sendo uma fase bem movimentada para a base.

Já no inverno a tripulação se concentrava em tarefas de caráter mais interno. Vale ressaltar que, devido ao congelamento do mar e das dificuldades de acesso por rotas marítimas, era nessa época que aconteciam os lançamentos de carga a cada dois meses. Tais lançamentos eram realizados pelo Avião Hércules da FAB que lançava suprimentos sobre campos de neve sinalizados próximos à Estação. Nesses lançamentos recebíamos gêneros alimentícios, correspondência e diversos materiais.

O Extra.net: De que modo é feito o acompanhamento da missão pela Marinha no Brasil?

Rodrigo: A Marinha do Brasil é a responsável pela logística do PROANTAR (Programa Antártico Brasileiro) e vem, desde de 1982, apoiando as pesquisas na Estação Antártica Comandante Ferraz, nos navios polares e nos acampamentos, fornecendo treinamento, vestimentas especiais, alimentação, segurança, equipamentos de comunicações e de transporte (embarcações e aeronaves). Os encarregados pelo programa antártico, mantém contato constante com a estação por diversos meios de comunicação (internet, telefone), suprindo, dentro das possibilidades, as demandas que possam surgir. 

O Extra.net: Qual a sua próxima meta profissional?

Rodrigo: Nos próximos anos, irei me especializar na parte médica e também gostaria, se possível, de realizar outras missões, pois são momentos de grande desenvolvimento pessoal.


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