ARTIGO

Legislando em causa própria

Legislando em causa própria

Por Amaury César Soares

Por Amaury César Soares

Publicada há 4 anos

Dois temas agitaram o ambiente político no final do ano passado: a tramitação (na Câmara dos Deputados e no Senado Federal) das duas propostas (uma em cada casa) para alterar a legislação e permitir o início do cumprimento da pena privativa de liberdade após a decisão do órgão julgador de segunda instância; a sanção, pelo presidente da República, da Lei nº 13.964/2019, que promoveu diversas alterações na legislação penal e processual penal brasileira, destacando-se entre elas a introdução do juiz das garantias.

Nos últimos anos, as investigações realizadas pela Polícia Federal e o Ministério Público revelaram como a corrupção estava entranhada nos diversos setores do Estado. A classe política foi muito afetada: vários integrantes dos poderes da República foram presos e outros estão sendo investigados ou processados. A possibilidade de prisão após a decisão do órgão julgador de segunda instância contraria o interesse de todos aqueles que estão na mira da Justiça (e de seus aliados). A preocupação se estende àqueles cujos crimes não foram ainda descobertos. Quem sabe o que o futuro lhes reserva?

Diante desta situação, percebe-se que existe uma clara divisão dentro do Congresso Nacional: de um lado, aqueles que realmente desejam alterar a legislação, para diminuir a corrupção e promover o progresso do país; do outro, aqueles que se opõem abertamente, ou fingem apoiar a causa (temendo a opinião pública), mas trabalham contra. Nos próximos meses, saberemos de que lado está a maioria. O eleitor deve ficar atento para saber como irá se posicionar o seu representante.

Em 24 de dezembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei nº 13.964/2019.  A maioria das alterações trazidas pela nova lei fazia parte do pacote anticrime, encaminhado ao Legislativo pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, em fevereiro do ano passado. O projeto sofreu algumas mudanças durante sua tramitação no Congresso Nacional, entre elas a criação de uma nova figura dentro do processo penal brasileiro: o juiz das garantias.

Atualmente, até a entrada em vigor da nova lei, um mesmo juiz é responsável pelo caso, desde a fase de inquérito até o seu julgamento (na primeira instância). Com a alteração promovida no Código de Processo Penal ocorrerá uma divisão de tarefas. Caberá ao juiz das garantias atuar na fase da investigação criminal, enquanto o juiz de instrução e julgamento assumirá o processo após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.

A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da ação penal. A partir daí, as questões pendentes deverão ser decididas pelo juiz do processo. As decisões anteriores, proferidas pelo juiz das garantias, não vinculam o juiz do processo, que, após o oferecimento da denúncia, poderá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso.

O ministro Sérgio Moro sempre se manifestou contrário à medida. Entretanto, mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei aprovada pelo Legislativo. Várias autoridades e especialistas já se manifestaram a favor e contra a inovação. Muitos interpretam a mudança como uma represália contra o Poder Judiciário, especialmente contra os juízes de primeira instância, que tantos constrangimentos têm causado à classe política.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) protocolaram uma ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, questionando a legalidade da criação do juiz das garantias. As duas associações argumentam que o Poder Judiciário brasileiro “não possui estrutura suficiente para a sua implementação e funcionamento regular”. Ponderam também que o prazo de trinta dias para a entrada em vigor da medida é muito curto.

A grande dificuldade para implantação da novidade está nas pequenas comarcas, que possuem apenas um juiz. Como fazer funcionar o sistema, que exige dois juízes para cada caso? O que pode acontecer é a nova medida travar o andamento dos processos, beneficiando, assim, quem tem contas a prestar à Justiça.

Nas duas situações aqui abordadas, não temos muitos motivos para ser otimistas. É difícil esperar bons resultados quando há tantos parlamentares preocupados apenas com o próprio destino. Só nos resta esperar e torcer para que a parte boa do Congresso Nacional consiga vencer as batalhas que estão por vir.

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