ARTIGO

A impaciência do paciente

A impaciência do paciente

Por Sérgio Piva

Por Sérgio Piva

Publicada há 4 anos

Nas muitas vezes em que passei por hospitais como visitante ou acompanhante de internados, ouvi por diversas vezes uma expressão dita por outros acompanhantes e visitantes e, na maioria das ocasiões, repetida pelos profissionais de enfermagem, aos “hóspedes” da casa, que estavam ansiosos em sair correndo daquele lugar ou que demonstravam certa angustia por permanecerem sobre uma cama, que era mais ou menos assim: O nome é paciente porque precisa ter paciência.

Para quem fala, parece fácil, mas, para o ouvinte, não é nada fácil ficar em atitude passiva, aguardando as rodadas de remédios, picadas de agulhas, interrogatórios dos curiosos, visitantes e acompanhantes alheios, talvez explicável no caso dos últimos, que precisam fazer passar o tempo, pois, mesmo parecendo somente companhia, são na verdade um tipo de co-paciente do paciente-mor.

A paciência também é um desafio em outras áreas mundanas e até celestiais, segundo fizeram aparentar o Deus do Velho Testamento, ou ele mesmo o tenha feito, conforme a interpretação de cada um sobre a inspiração das Sagradas Escrituras.  

Dizem também que é uma questão de faixa etária, querendo atestar que quanto menos idade mais impaciência ou apontando os adolescentes como no topo da pirâmide da irritação. Chamada imerecidamente de “aborrescência” a fase, sem levar em conta as várias mudanças a nível biológico, cognitivo, social e emocional porque passam aqueles durante esse período, sem levar em conta os ranzinzas por natureza.

Na minha opinião são verdades infundadas. Há muitas crianças tranquilas, calmas e pacientes. E quanto a idade avançada, não acredito que                                                                                                                                                         proporcione a paciência por si. Certamente concordariam comigo quem tivesse conhecido meu avô materno. Idoso, descendência italiana, engenhoso, pacífico com o cachimbo na boca e calmo como um rinoceronte quando contrariado, até por si mesmo.

A impaciência, assim como seu oposto, parece ser contagiosa. Tive essa experiência tanto no mundo virtual quanto no real. Exemplos do virtual quase todo mundo tem, no real existe sempre um marcante, inesquecível, inacalmável.

Lembro-me nitidamente do dia em que meu avô, em estado emocional de cachimbo na boca, mesmo sem o bem-aventurado pito entre os dentes, estava tentava reparar alguma coisa em seu opala, ano 1971, cor de abóbora, e me chamou para auxiliá-lo.

A coisa a ser reparada, que não faço ideia o que era, precisava da minha mão-de-obra para, como um chave de boca, segurar a cabeça de um parafuso a fim de que ele fosse apertado e fixado abaixo do motor, que ficava na dianteira do veículo, quase sob a lataria do automóvel.

Meu avô, embaixo do carro, permanecia deitado sobre um pedaço pequeno de papelão estirado no chão da ampla garagem, que separava a casa de sua oficina. Importante registrar que era uma oficina de motos, agora conduzida por meio tio, já que meu avô estava aposentado há algum tempo.

O ajudante arregimentado, no caso, eu, estava pelo lado de cima, sob o capô do “abóbrão”, como foi apelidado satiricamente o carro pelas minhas tias, como o braço esticado entre o calor do motor e carroceria do veículo, tentando segurar o bendito parafuso com toda a força que eu não tinha naquele momento.  

Não demorou muito, depois de algumas tentativas fracassadas em apertar a tarraxa, acertando a mão na lataria do “abóbrão” para que meu querido “avôcerento” começasse a resmungar, levantasse do chão furioso, jogasse a chave que segurava com toda a força que ele tinha (e como tinha) no piso da garagem e soltasse um “porca miséria” com voz de alto falante.

Se não bastasse, virou-se, olhou para mim e disse a frase que ficaria gravada no diário mental da minha existência: “Ô caraio! Tô no mato sem cachorro e com uma onça na minha frente”. A onça, nesse caso, também era eu. Então, espelhadamente, virei rinoceronte. Do mesmo modo, joguei com toda força (que agora apareceu) ao chão a ferramenta que estava em minha mão e bradei: “Puta que pariu, também não ajudo nunca mais”.

Ajudei mais uma dúzia de vezes. Ele xingou outras centenas e eu perdi a paciência com ele, comigo, com as ferramentas, mais algumas outras dezenas de ocasiões, em que fui contagiado pelo vírus da raiva.

Por outro lado, acho que com o passar do tempo, com o aumento cronológico da idade, eu fui ficando mais paciente com relação a algumas questões. Aprendi, penosamente, a esperar. Esperar a hora, o momento, a ocasião, as decisões e algumas pessoas.

Mas, contraditoriamente, me tornei impaciente. Aprendi, tardiamente, a não mais esperar. Não esperar as horas incertas, os momentos que seriam perdidos, as ocasiões que não fariam vez, as indecisões e certas pessoas.

Se o tempo e a idade trazem paciência e sabedoria, tenho todas as dúvidas, algumas incertezas e várias amostras. No entanto, que as vivências e as próprias decisões são capazes de buscá-las, não tenho qualquer dúvida, todas as certezas e inúmeras experiências

últimas