ARTIGO

Puxadores

Puxadores

Por Sérgio Piva

Por Sérgio Piva

Publicada há 3 anos

Aconteceu há alguns anos, quando eu queria muito comprar uma escrivaninha pensando em ter um lugar mais confortável para estudar e mais espaço para organizar meus papeis. Vinha juntando dinheiro com esse objetivo havia meses. Quando percebi que o montante era razoável, saí em busca de meu objeto de desejo.

Andei pela cidade, de loja em loja, pesquisando preços e modelos, os mais simples, claro, porque não estava ante um monte, somente de um montante, significando a soma de poucas quantidades. Pesquisa serve para economizar ou encontrar o preço que se encaixa no montante e vice-versa.

Finalmente, depois de muita andança, encontrei uma escrivaninha com boa aparência e um preço lindo, junção ideal para o momento financeiro vivido por um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco. 

A loja fez a entrega conforme combinado. Já tinha reservado o espaço onde coloca-la e havia separado os objetos que iriam ser arrumados sobre ela para enfeita-la. Ficaria faltando somente uma luminária, meu próximo desejo de consumo.

Minha escrivaninha era marrom, feita de chapas finas de compensado, com desenhos que imitavam madeira sólida. A estrutura retangular com pernas em tom claro, que se estendia até a tampa do móvel. Aquelas seguravam os revestimentos e as gavetas: três laterais sobrepostas e outra maior, com chave, ladeando a primeira das três e preenchendo o espaço restante do topo da escrivaninha. 

Os puxadores das gavetas eram redondos, de plástico, com desenhos circulares dourados pequenos, e mínimos, para serem manuseados com os dedos polegar, indicador e médio. 

Respeitando o ciclo da vida, ou seja, formação, continuação, declínio e desintegração, depois de alguns anos, aquela escrivaninha encontrava-se no terceiro estágio. O passar do tempo, os cotovelos constantes sobre sua armação, o excesso de papéis e afins nas gavetas fizeram com que ela começasse a sentir esse peso. Sem mencionar o despudorado abre-e-fecha “gavetal”.

Os puxadores quebraram. Sobrou deles apenas um pequeno pedaço roliço de plástico duro com pequenas pontas que pareciam facas a furarem meus dedos. Assim, durante meses, abrir as gavetas, era uma verdadeira autoflagelação. 

As gavetas mais pesadas dificultavam o processo ainda mais. Faze-las vir para fora com todo aquele peso puxado por um pedacinho de plástico era um exercício de força e paciência, cujo objetivo quase nunca era alcançado, especialmente pela falta do último.

Os dedos escorregavam, as pontas do plástico quase sempre os cortavam. Às vezes achava graça da situação, outras, a ira surgia das profundezas do meu ser. Era o décimo terceiro dos trabalhos de Hércules. 

Esses episódios se repetiram durante meses, até que, um belo dia, resolvi exterminar tal sofrimento da minha vida. Reuni todas as forças e coragem necessárias e saí em busca de puxadores novos. 

Na terceira loja de materiais para construção que entrei, achei-os. Lá estavam eles. Não eram de plástico, eram de metal. Bonitos, uma base fixa e outra parte móvel, que se deslocava para cima e para baixo, também dourados, imitavam bronze e, mais, custavam uma bagatela, centavos. 

Comprei, troquei os puxadores e abri as gavetas centenas de vezes. Como agora era fácil fazer aquilo. Sem esforço, fácil, fácil. Convidava os amigos, a namorada e os parentes para me verem abrir e fechar as gavetas com tanta facilidade. Era como se nunca tivesse sofrido. 

A felicidade e alegria custaram poucos centavos e ação diminuta. Restou-me pensar como às vezes é simples e custa tão pouco eliminar certos sofrimentos da vida. Basta reunir força e coragem para reagir e substituir tais puxadores de nossas vidas-escrivaninhas.    



Sérgio Piva

s.piva@hotmail.com


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