ARTIGO

PSICOLOGIA JURÍDICA: direito penal e psicopatia

PSICOLOGIA JURÍDICA: direito penal e psicopatia

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Por André Marcelo Lima Pereira, psicólogo

Publicada há 2 anos

Diante do crescente aumento de crimes cometidos por portadores de transtornos de personalidade, torna-se importante debruçar um olhar crítico voltado para esses indivíduos e suas práticas delituosas segundo o direito penal brasileiro.

Psicopatia origina-se do grego e significa psiquicamente doente. Entende-se um psicopata como uma pessoa que apresenta predisposição para assassinar, cometer ilícitos bárbaros ou praticar crimes brutais (OLIVEIRA, 2017). É aquele indivíduo que “apresenta desvios de personalidade ou de caráter como, p. ex., a ausência de sentimentos de compaixão ou de culpa que levam a um comportamento antissocial” (FERREIRA, 2010, p. 62). Seus delitos apresentam, mais e mais, um alto nível de violência e despertam o interesse dos estudiosos do comportamento do ser humano como psicólogos, psiquiatras (especialmente, forenses), psicanalistas.

Coelho, Pereira e Marques (2017, p. 1) entendem a psicopatia como um “transtorno específico da personalidade, decorrente de uma anomalia do desenvolvimento psicológico, sinalizado por extrema insensibilidade aos sentimentos alheios (ausência total de remorso), levando o indivíduo a uma acentuada indiferença afetiva”. Para esses autores, “enquanto os criminosos comuns almejam riqueza, status e poder, os psicopatas apresentam manifesta e gratuita crueldade”.

O psicopata é manipulador e centralizador, age com comportamentos extremamente narcisistas e não responde por qualquer atitude sua: faltam-lhe empatia, não controla a raiva, é impulsivo e egocêntrico. Praticar atos desumanos, de forma fria, cruel e injustificável, muitas vezes, associados à ausência de qualquer remorso ou arrependimento. Pode achar-se completamente inadaptado à vida em sociedade, representa elevado risco se conviver sem a adequada supervisão médica (NUCCI, 2014) e apresenta quadro emocional, interpessoal, subjetivo e comportamental impróprio, oscilando entre a bipolaridade orgânica-psicológica.

O psicopata se vê diante de um cenário social de violência e impunidade cada vez mais preocupante, sem respostas e soluções para prevenção e combate a atitudes delituosas. Têm ciência dos seus atos, sabe que está infringindo regras sociais e o porquê de sua ação. Sua deficiência reside no campo dos afetos e das emoções; para eles,“tanto faz ferir, maltratar ou até matar alguém que atravesse o seu caminho ou os seus interesses” (HARE, 2013, p. 17 apud COELHO, 2017, p. 1).

As consequências são devastadoras. Os psicopatas não apresentam um estereótipo definido, e sua identificação, embora difícil, é medida absolutamente necessária para prevenir e combater qualquer iminência de ataque dessas pessoas.

O direito surge em meio a esse cenário impreciso como instrumento hábil para ordenar o convívio coletivo, embora a psicopatia reste carente de estudos no mundo jurídico. Em vista disso, a psiquiatria ainda apresenta dificuldades consideráveis em definir e classificar os transtornos mentais para determinar, com clareza e segurança, sua etiologia, patogenia e evolução que, como as neuroses e as psicopatias, estão fora do modelo biomédico, ou seja, não é possível reconhecer uma etiologia definida, a patologia é desconhecida e a evolução, imprevisível (COELHO, 2017). 

O sistema jurídico brasileiro oferece duas espécies de sanções penais para os psicopatas: a pena e a medida de segurança, diferenciadas pela finalidade e a duração. Para Nucci (2014, p. 308.), “pena é a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes”. Como o psicopata é compreendido ora como imputável, ora como semi-imputável, a medida cabível para prevenir a prática de novos crimes circula entre a redução de pena e a aplicação de medida de segurança (COELHO; PEREIRA; MARQUES, 2017).

Na pena e na medida de segurança, o Código Penal brasileiroacolhe que:

a) a pena pode ser reduzida de um a dois terços, caso o agente, devido à perturbação de saúde mental ou ao desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era incapaz de entender o caráter ilícito (Art. 26, BRASIL,1940);

b) na hipótese do art. 26 do Código, caso necessite de tratamento curativo especial, “a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º” (Art. 98, BRASIL,1940).

Portanto, a medida de segurança é sanção penal aplicada para prevenir e alcançar possível recuperação dos indivíduos inimputáveis e semi-imputáveis, evitar o cometimento de novos crimes e tratá-los da maneira correta (SILVA, 2020).

O artigo 96 do Código Penal prevê as medidas de segurança: “[...] I – Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;II – sujeição a tratamento ambulatorial” (BRASIL, 1940).

U’a medida de segurança não possui caráter educativo ou punitivo da pena, tem tempo indeterminado, porque não se pode prever quando cessará a periculosidade. Visa oferecer tratamento adequado e proteção social ao delinquente em ambiente isolado. Habitualmente, ela se realiza com a internação do inimputável (equivalente ao regime fechado da pena restritiva de liberdade). Para crime punível com detenção, opta-se pelo tratamento ambulatorial, com as penas restritivas de direito – medida contestada por psiquiatras que defendem o estabelecimento de critérios com base na natureza e gravidade do transtorno mental.

É necessário, pois, buscar respostas demandadas pelos novos tempos, para compreender o agir do psicopata e evoluir nas medidas protetivas e de cuidados com indivíduos com esse tipo de transtorno mental. Não se trata de enclausurá-los ou eliminá-los do convívio social: trata-se, sobretudo, de lançar um olhar humanizado a esses indivíduos, sem deixar de reportar que o direito penal é instrumento garantidor do bom convívio e limitador das condutas humanas, portanto, deve, continuamente, adequar-se às transformações sociais. Embora seja visível a existência do psicopata na sociedade, não se admite que o sistema jurídico brasileiro lhes negue tratamento adequado. Nesse contexto, a psicologia e a psiquiatria forenses contribuem como instrumento essencial ao aprimoramento do direito penal e suas demandas.


Psicólogo André Marcelo Lima Pereira

Email: andremarcelopsicologo@hotmail.com

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 [Código Penal]. Diário Oficial da União, de 31.12.1940. Brasília, DF, Poder Executivo, 31 dez. 1940

COELHO, G. A. A figura do psicopata no direito penal brasileiro. Revista Âmbito Jurídico, ano XX, n. 160, maio 2017. 17 p.

COELHO, A. G.; PEREIRA, T. A.; MARQUES, F. G. A responsabilidade penal do psicopata à luz do ordenamento jurídico penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina,ano 22,n. 5151, 8ago.2017. 4 p.

FERREIRA, A. B. H. Mini-Aurério – o dicionário da língua portuguesa. 8. ed. Curitiba: Positivo, 2010. 960 p. [Verbete: psicopata].

NUCCI, G. S.Manual de Direito Penal. 10. ed. rev., atual. eampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. 965 p.

OLIVEIRA, V. S. O psicopata frente ao Código Penal brasileiro. 2017. 15 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Faculdade do Vale do Itapecuru – FAI, Caxias, MA, 2017.

SILVA, F. W. S. A semi-imputabilidade do psicopata perante o código penal brasileiro. 2020. 24 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Curso de Direito, Universidade Tiradentes (UNIT), Aracajú, 2020.

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