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“Pandemia da dor”: crianças e adolescentes enfrentam dramas familiares

“Pandemia da dor”: crianças e adolescentes enfrentam dramas familiares

Histórias repletas de sofrimento e tragédias particulares: novos adultos assumem o papel dos pais

Histórias repletas de sofrimento e tragédias particulares: novos adultos assumem o papel dos pais

Publicada há 2 anos

Mayra Pires Lima, de 38 anos, ao lado da sobrinha Evelyn, de 15: com fotos, roupas e brinquedos do casal de bebês Gabriel e Sophia, órfãs após a morte da mãe, Mayra ficou com a guarda de todos os sobrinhos - Foto: Bruno Kelly

João Leonel

Elida Oliveira assina matéria no site El País Brasil na qual conta algumas histórias emocionantes que surgiram durante a pandemia. 

“Ainda que os números demonstrem com clareza o tamanho da tragédia sobre crianças e adolescentes pela morte dos pais na pandemia, eles não poderiam traduzir os dramas particulares de cada família”, ressalta a jornalista.

Pedro Hartung, advogado e coordenador do Programa Prioridade Absoluta do Instituto Alana, lembra que a perda de um ente familiar impacta também na renda e coloca em risco a segurança alimentar. 

“Há ainda o impacto na saúde mental, especialmente em relação ao luto, que nem sempre é vivido plenamente por causa dos protocolos que foram estabelecidos por causa da pandemia”, afirma. 

A psicóloga Mayra Aiello, cofundadora do Instituto Doulas de Adoção Brasil, reforça o dano psicológico. 

“A morte destes pais é perder a referência da vida. O que essas crianças e adolescentes conheciam como estrutura, para suas vidas e desenvolvimento, se esvai. A partir disso, um novo adulto assume a função. E isso precisa de um tempo de readaptação”, explica.

VIDA NOVA COM AMOR DE FAMÍLIA

Mariza Lima, de 36 anos, dava aulas para crianças da educação infantil de Careiro Castanho, cidade de cerca de 38.000 pessoas na região metropolitana de Manaus, quando a Covid-19 chegou ao Brasil. Mãe de uma adolescente de 15 anos e de uma menina de 9, ela estava no início de uma gestação de gêmeos naquele fevereiro de 2020. 

Enquanto a vida crescia na barriga de Mariza, com Gabriel e Sophia disputando espaço, a cadeia de transmissão do coronavírus seguia ocorrendo pelo país, sem ser interrompida.

Pela idade e sobrepeso, e diante da alta de infecções por uma doença ainda pouco conhecida, Mariza foi chamada pela irmã, enfermeira, para passar os quatro últimos meses da gestação na capital, onde seria socorrida mais facilmente caso necessário. Mas a pandemia, que havia sinalizado ligeira melhora na época, voltou a ficar desenfreada como resultado das aglomerações no fim do ano. 

Em 12 de janeiro, quando seus bebês estavam com dois meses devida, a educadora apresentou sintomas – uma semana depois de sua irmã, Mayra Pires Lima, de 38 anos, ter sido diagnosticada com o coronavírus. O Brasil via aterrorizado o colapso no sistema de saúde do Amazonas: faltavam vagas nas UTIs e oxigênio para suprimir a falta de ar que a Covid-19 causava. 

Após três dias em uma poltrona e 10 em uma enfermaria, Mariza foi transferida para a UTI quando abriu vaga, em 22 de janeiro. Morreu em 10 de fevereiro, deixando quatro filhos, inúmeros alunos e uma família devastada.

O drama dos órfãos na pandemia causou emoção quando familiares de vítimas de Covid-19 foram à CPI da Covid, no Senado, contar suas histórias. A enfermeira Mayra estava entre eles.

“Tive que levar minha irmã para o pronto-socorro onde um amigo médico trabalhava porque era o único lugar que ainda aceitava pacientes”, contou. A falta de cuidado intensivo foi, para Mayra, o motivo de a irmã não ter recebido o atendimento necessário para superar a doença. 

“Não foi falta de oxigênio que matou minha irmã. Isso colaborou. Mas o que a matou foi a demora no acesso ao leito de UTI. Ela precisava imediatamente, mas ficou 10 dias na enfermaria agonizando”, relembra. 

Com a morte da irmã, ela assumiu a guarda dos sobrinhos. Mayra, que só tinha um filho de 12 anos, passou a ser a responsável por mais quatro crianças de uma hora para outra. 

Conta com doações para ajudar a cobrir os gastos das 10 latas de leite por mês, que custam mais de R$ 500,00 mensais, fora as cerca de 40 fraldas por semana, outros 200 reais por mês, segundo Mayra. 

Para gastar menos e ficar mais próxima à família, a responsabilidade sobre as crianças também a fez decidir mudar de endereço: vai sair de Manaus para Careiro Castanho, onde os bebês já estão, aguardando a mudança de Mayra.

A guarda já foi oficializada, mas Mayra planeja entrar com processo para incluir o próprio nome na certidão das crianças, mantendo o dos pais biológicos “porque isso faz parte da história”.


Confira aqui a matéria completa do El País

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