Carlos Eduardo

O perfil do morador de rua no Brasil

O perfil do morador de rua no Brasil

Por Carlos Eduardo Maia de Oliveira - Professor e Biólogo

Por Carlos Eduardo Maia de Oliveira - Professor e Biólogo

Publicada há 6 anos

“Sou um mendigo, que vivo pela rua, mas não vivo só, como um ermitão, e minha companheira, a saudade sua, que me acompanha na solidão. Não tenho casa, mas já tive um dia muitas coisas, mas tudo se perdeu, nada saiu como tanto pretendia, foi triste a sina, que a vida me deu”(trecho de um poema intitulado “A solidão de um mendigo”, de Gissone Waldemar de Oliveira).


            Ao caminhar pelas ruas, não demora e é possível encontrar na próxima esquina um homem solitário, maltrapilho, próximo a uma passagem de pedestres e com a mão estendida a pedir dinheiro. Algumas pessoas se compadecem, param por um instante e lhe repassam alguns trocados. Outras se incomodam com o gesto e, com ar de reprovação, julgam o pobre homem, não admitindo aquela situação. Há aquelas que recomendam não lhe repassar nenhum vintém,acreditando que, fazendo assim, evitam fomentar a mendicância. De qualquer modo, sem julgamento de valores, deve-se entender as causas que levam uma pessoa a morar nas ruas, cujo estilo de vida é considerado vulnerável do ponto de vista social.


            Uma pesquisa encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento Social, no ano de 2008, revelou o perfil dos moradores de rua brasileiros. Em sua maioria, são homens (82%), autodeclarados pardos (39,1%),por incrível que pareça a maioria é alfabetizada (74% sabem ler e escrever) e são jovens (52% possuem entre 25 e 44 anos); abandonaram suas casas devido a problemas com álcool ou drogas (35,5%), por terem perdido o emprego (29,8%) ou por desavenças familiares (29,1%). A maioria exerce alguma atividade profissional (79,6%), mesmo que informal, sendo a atividade de catador de materiais recicláveis a mais comum (27,5%).Apenas 15,7% pediam dinheiro como principal meio de sobrevivência. Esses dados desmistificam o estigma de que grande parte da população em situação de rua é formada por “pedintes” que não gostam de trabalhar e propensos à mendicância.


            Infelizmente, outra pesquisa aponta um dado negativo relacionado ao tema: o aumento do consumo decrack nos últimos anos vem agravando a situação das pessoas que moram nas ruas. Um exemplo é o que ocorre na cidade de São Paulo, na qual metade das pessoas em situação de rua,entre 18 e 30 anos de idade, consomecrack, de acordo com pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) no ano de 2010.


            De qualquer forma, as condições das pessoas em situação de rua são indignas. O que para a maioria é algo banal, como um prato de comida, cama aconchegante e banho diáriocom água aquecida, para um morador de rua é regalia. O jornalista Tomás Chiaverini constatou esse fato ao vivenciar uma experiência inusitada: simulou ser um mendigo e passou a viver nas ruas da cidade de São Paulo para sentir, na pele, o que é habitar as ruas de uma grande metrópole brasileira. Viveu em meio a usuários de drogas, alcoólatras, misturado a desabrigados embaixo de um viaduto e com medo de ser esfaqueado por um delinquente. Disfarçado, perambulou pela famosa Praça da Sé, embarcou numa perua e foi recolhido a um albergue municipal. Conheceu histórias de vida comoventes, que propiciaram um panorama da vida dessas pessoas, com todos os seus dramas e sonhos. Após vivenciar essa experiência, reuniu as informações e as publicou, em 2007, num livro intitulado “Cama de cimento”.


            Como se não bastasse muitas das agruras pelas quais passam diariamente, os moradores de rua também são vítimas da discriminação e da violência extrema. Em 2012, em Brasília – DF, homens atearam fogo em dois mendigos enquanto dormiam na rua. José Edson Miclos Freitas, de 26 anos, morreu no hospital em decorrência das queimaduras que atingiram mais de 60% do seu corpo – uma monstruosidade e covardia praticada por vândalos sem coração. Infelizmente, esse não foi um caso isolado e situações semelhantes vêm ganhando as manchetes na imprensa nos últimos anos.


            Invisíveis aos “olhos” de uma sociedade injusta, os moradores de rua, como qualquer pessoa, possuem sonhos, medos, sentem felicidade, tristeza, amor, dor e vivenciam, cotidianamente, seus dramas.  Seus cobertores são pedaços de papelão e jornais; a comida é geralmentegarantida por meio de um trabalho duro exercido nas ruas; seus amigos são pessoas que vivem em condições miseráveis como as suas ou no máximo um fiel cão vadio; suas camas resumem-se ao chão duro de cimento ou os bancos das praças que quase sempreficam ao relento.


            As ruas e calçadas existem para facilitar o trânsito de pedestres e automóveis e não para servirem de moradia. Por isso, é imprescindível que o poder público desenvolva projetos sociais com a finalidade de auxiliar pessoas em situação de rua a abandonarem esse estilo degradante de vida, pois, de acordo com o artigo 6° da Constituição Federal, moradia digna não é uma regalia, mas um direito básico de todo cidadão.

           



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