Gil Piva

Umberto Eco, entre a realidade e a ficção

Umberto Eco, entre a realidade e a ficção

O semiólogo e escritor italiano, que já foi considerado o maior intelectual vivo e era carinhosamente chamado de ‘Il Professore’, destacou-se também por sua versatilidade e bom humor

O semiólogo e escritor italiano, que já foi considerado o maior intelectual vivo e era carinhosamente chamado de ‘Il Professore’, destacou-se também por sua versatilidade e bom humor

Publicada há 8 anos

Considerado tempos atrás o maior intelectual vivo, Umberto Eco, filósofo, semiólogo e romancista italiano, produziu não só um obra vasta, pela quantidade, mas principalmente por sua ampla e relevante versatilidade.

A própria simpatia de Eco fazia o resto: amava tanto os livros que adotou para si o papel de mecenas, sempre ávido por desvendar lugares e saberes da linguagem e da História, atento ao tempo certo de cada reflexão — de onde decidia se a percepção das novas ideias deveria ser direcionada a acadêmicos ou a leigos, pois “nossa cultura e a educação em nossa cultura são fundadas na capacidade de se fazer distinções” (Folha de S. Paulo, caderno Mais, 1995), disse certa vez em entrevista a Contardo Calligaris.

Como ensaísta, legou estudos como Apocalípticos e Integrados, A Estrutura Ausente e Obra Aberta. Este último, por exemplo, tornou-se referencial teórico para aqueles que trabalham com a literatura e sua multiplicidade interpretativa, correlacionada, também, a outros estilos artísticos.

Não havia de ser diferente com seus romances: expostos a experimentações narrativas, pelas quais Eco espreitava tanto o enredo quanto a linguagem como expressões inacabadas.

Nos romances, o cunho histórico prepondera propenso a questionar — pelo paradoxo existente — o contemporâneo, suspeitando e acusando os elementos sociais da cultura ocidental de compartilharem teorias conspiratórias. As tramas de seus livros viriam da justa necessidade de mostrar que a noção de História — seja presente ou passada — em algum momento se perdeu.

O Nome da Rosa permanece sendo seu romance mais conhecido, e um exemplo dos caminhos narrativos de Eco. Sob o pano de fundo da Idade Média, a desintegração do poder, alianças políticas e religiosas, somadas a um suspense investigativo, são aspectos exibidos no livro para abordar de modo indireto as mesmas transformações que o autor exploraria durante toda sua vida.

O monge franciscano (Guilherme de Baskerville) funciona como o típico renascentista perseguindo os sucessivos crimes de um mosteiro. A personagem representa a transição do pensamento moderno, guiando (e guiado por) digressões a respeito das dúvidas de ordem histórica e filosófica que reportam às virtudes humanas.

E foram essas duas estruturas que renderam ao romance uma elogiada adaptação para o cinema. Este ano o filme O Nome da Rosa, dirigido por Jean-Jacques Annaud, completa trinta anos. Eco, que faleceu mês passado (sexta, dia 19), escapou de insistentes futuras perguntas equiparando os entreatos do filme com os do livro.

Retomando brevemente o início deste texto para lembrar que Umberto Eco fora eleito entre os maiores, além do fato de ter sido indicado inúmeras vezes ao prêmio Nobel e nunca ter ganhado, remonta, bem ao estilo de seus romances, às contradições de nosso tempo, em que a nostalgia (do pensamento narrativo) é derrotada pela envelhecida e aborrecida História (do tempo).

Muitos acreditam que Eco não tenha sido um romancista tão prodigioso quanto fora em seus ensaios. Difícil saber o que é falso ou verdadeiro. Mas uma coisa é certa, a sua morte se anunciou sem conspiração — ou talvez a única conspiração à vista seja a da própria morte, com vontade de contrariar sua irredutível inclinação a compartir sentimento caloroso e espontaneidade.

A realidade é mais estranha que a ficção, e, sabendo disso, Eco fez de tudo para que a (sua) realidade e sua ficção jamais se estranhassem.

Por Gil Piva





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