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Todos podem contar histórias

Todos podem contar histórias

Referência no Brasil e no exterior em literatura infantil, o escritor Ilan Brenman falou ao ‘Cultura!’ sobre educação, leitura e a arte de contar histórias

Referência no Brasil e no exterior em literatura infantil, o escritor Ilan Brenman falou ao ‘Cultura!’ sobre educação, leitura e a arte de contar histórias

Publicada há 7 anos


Referência literária: Ilan Brenman, em sua biblioteca



Por Jacqueline Paggioro


Os leitores do Cultura! que têm filhos pequenos e os incentivam à leitura com certeza conhecem nosso entrevistado deste mês: Ilan Brenman. Autor de mais de sessenta livros dedicados — principalmente — ao público em questão, ele conquista todas as idades com boas e divertidas histórias. Ilan é eclético e criativo, não só pesquisa e escreve, mas também conta e reconta (e encanta) belíssimas histórias do mundo todo.  


Formado em Psicologia, com mestrado e doutorado em Educação, iniciou sua trajetória com as palavras e a leitura, não por acaso, aos dezoito anos através do contato com crianças. Para nossa sorte nunca mais parou. Sua versatilidade é ímpar: contador de histórias, fala e escreve para crianças, jovens e adultos; participa de projetos de formação de professores e de leitores; pesquisa contos das tradições orais mundo afora; escreve para uma revista mensal; tem dois boletins semanais no rádio; sua dissertação de mestrado (Através da vidraça da escola: formando novos leitores) e sua tese de doutorado (A Condenação de Emília: o politicamente correto na literatura infantil) são referências obrigatórias para a Educação. Sua obra tem uma lista imensa de prêmios nacionais e internacionais. Traduzidos em vários países da Europa e da Ásia, seus livros são sucesso e também ganharam o palco. 


Ele literalmente vive da leitura e da literatura. Tivemos o privilégio de nos maravilhar com sua arrebatadora narrativa em 2015, quando esteve por aqui no Projeto Viagens Literárias. Para esta edição, Ilan respondeu uma série de perguntas, gentilmente mandando o arquivo lá da Itália: estava em Bolonha visitando a mais importante feira de livros infantis do mundo — era um dos representantes do Brasil. Nascido em Israel, filho de argentinos, pai de duas lindas e inquietas meninas, Ilan é um cidadão do mundo. E um ser humano admirável que faz da palavra e da escrita suas ferramentas para mudar o mundo: aproximar as pessoas! Apreciem.



Contação de histórias: O escritor entre as crianças



Quais os caminhos que o levaram para a leitura e posteriormente para a literatura? Quando e como você se descobriu escritor? 

A minha infância foi um imenso laboratório de imaginação, fui uma criança que sonhava acordada. Entretanto, a descoberta da profissão de escritor veio bem mais tarde, quando tinha 18 anos e trabalhava num projeto de educação. No primeiro dia de trabalho estava cuidando de crianças pequenas na hora do recreio, três se aproximaram e me pediram para contar uma história, entrei em pânico! Eu respondi que não sabia contar histórias, elas me olharam com um cara como que dizendo “então o que você está fazendo aqui?”. Uma delas então disse uma palavra que mudou a minha vida e me tornou um criador de histórias: “Não sabe, então inventa!”. E foi isso que fiz, comecei a inventar, e as crianças do parque todo começaram a se aproximar para ouvir o que eu estava contando. Comecei lá e nunca mais parei de criar histórias.


O ato criativo exige sensibilidade e rigor — “inspiração e transpiração”. Quais as fontes de inspiração e transpiração para suas histórias? 

Muita leitura, sempre! Leio de tudo: filosofia, romances, poesia, literatura infantil, juvenil etc. A leitura fermenta a mente, preparando-a para capturar o mundo visível e invisível, sou um pescador de cotidiano, adoro as miudezas da vida, as formigas me são mais caras do que os elefantes. Minhas filhas são uma fonte inesgotável de inspiração.


• Seus livros são publicados — e premiados — em diversos países, e você é identificado por suas obras para a literatura infantil. Mas quais as outras atividades que você desenvolve? 

Sou colunista de uma revista mensal para pais: Crescer. Tenho também dois boletins semanais na rádio CBN em que falo sobre educação e literatura. Sou convidado para palestrar em vários cantos do Brasil para falar de assuntos ligados à literatura e educação.


Num país em que a maioria da população adulta não sabe ler, qual a sua contribuição para colaborar, de alguma forma, para que esse quadro mude?

A maior tragédia nacional está na precariedade da educação, sem educação não há futuro! A educação está umbilicalmente ligada à leitura e a leitura está umbilicalmente ligada aos livros. Portanto, formar leitores é sem sombra de dúvida a mais importante das tarefas do Brasil. Tudo isso começa na primeira infância, ou seja, o papel do escritor de livros infantis nesse processo é primordial.


• De todos os seus livros, creio que o mais famoso é “Até as princesas soltam pum”, adorado pelas crianças e publicado em diversos países. Muito se comenta que sua literatura é “politicamente incorreta”. O que você pode dizer sobre isso? 

Toda boa literatura é politicamente incorreta, ou seja, não está lá para agradar e apaziguar os leitores, não está lá para esconder o que mais interessa a alma infantil, além do mais, o politicamente correto é de uma chatice ímpar! As crianças são sábias e não abandonam as boas histórias.


Certa vez uma aluna do 6º ano me perguntou como conseguir um livro que ela gostaria de ler e que não poderia pegar na biblioteca da escola — segundo a responsável “não era recomendado para sua idade”. A obra em questão era “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. Como estabelecer parâmetros para o momento adequado para a leitura de determinadas obras ou autores? 

Uma romancista disse que não há coisa mais estimulante do que uma janela fechada, proibida. Quantas histórias conhecemos de crianças e adolescentes que foram picadas por essa curiosidade: “isso não é para sua idade”. Muitos renomados escritores viveram isso e às vezes relatam que não entendiam nada do que estava escrito, mas havia o prazer da transgressão, de sentir-se adulto. Claro, nós adultos temos ter bom senso e avaliar caso a caso o que uma leitura dessas pode causar na mente infantil e juvenil. Eu acho que os jovens podem ler de tudo, já as crianças é necessário avaliar cada demanda individualmente.


Num mundo cada vez mais voltado para o virtual, como despertar nas crianças — e nas pessoas — a paixão pela leitura? 

- Os números do mundo dos livros mostram que o livro de papel nunca esteve tão bem, a profecia do fim do livro está mais do que nunca muito longe de acontecer. O livro é silencioso, portátil, estimula nosso cérebro a criar nossos próprios cenários, faz com que fiquemos juntos (no caso das crianças que ouvem histórias lidas pelos pais), ele carrega uma materialidade de que cada vez mais os homens precisam. Não podemos viver nas nuvens o tempo inteiro.


No ano passado você participou do Projeto Viagens Literárias e tivemos o enorme prazer de recebê-lo em Fernandópolis. Na ocasião você falou para uma plateia repleta de crianças, que ficaram encantadas com sua apresentação. Mas fica uma dúvida: como os adultos — pais e professores, em particular —, que mesmo sem ter esse “dom”, podem contar histórias para as crianças? 

- Todos podem contar histórias, esse é um ato tão primordial como respirar, a questão é escolher boas histórias, parar a correria do cotidiano e presentear às crianças com narrativas. Não existe, vou repetir, NÃO EXISTE melhor contador de histórias no mundo do que os nossos pais e professores.







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