Claudinei Cabre

Quando nossas ruas eram de terra batida

Quando nossas ruas eram de terra batida

Histórias do tempo do Botinão - Por Claudinei Cabreira

Histórias do tempo do Botinão - Por Claudinei Cabreira

Publicada há 7 anos

Esta semana nossa coluna está comemorando o seu sexto aniversário. Parece que foi ontem, mas vale lembrar que tudo começou com um artigo acidental, na edição especial de aniversário da cidade de 2010 com o título: ”Lembra do Botinão da Casa Douglas?” Foi apenas um artigo, mas atendendo à sugestão de inúmeros amigos e leitores, decidimos então criar a coluna e contar as Histórias do Tempo do Botinão. 


O desafio era enorme, mas foi a forma que encontramos para homenagear a memória da cidade e daqueles que ajudaram escrever as páginas de sua história. E ao nosso modo, ao longo desses anos sempre procuramos registrar passagens curiosas dessa enorme legião de personagens notáveis ou anônimas. Cada um ao seu modo, estilo e ofício, todos tiveram peso e importância na construção e nas conquistas da cidade. Escrever esta coluna todas as semanas, mais que um desafio, é também um enorme prazer. 


Até porque sou filho da terra, nasci aqui neste chão abençoado por nossa padroeira Santa Rita de Cássia. Minha família se mudou para Cedral quando tinha menos de um ano e retornou quando eu tinha seis. Portanto, há mais de cinquenta e sete anos, desde minha tenra infância caminhei pelas ruas de terra batida do centro da cidade. Acompanhei de perto o calçamento das praças Joaquim Antônio Pereira e da Matriz, vi o asfalto chegar. Sou do tempo que a energia elétrica era fornecida pela antiga Uselpa e o gerador era desligado às 10 horas da noite, deixando a cidade às escuras. Vi o povo erguer o grande Cruzeiro azul e branco, mais tarde substituído pela famosa Munheca, ali na antiga Avenida da Estação ( hoje Afonso Cáfaro) na esquina com a rua Pernambuco, defronte à Casa Nossa Senhora de Fátima, do saudoso Antonio Rolim. 


A Uselpa ficava onde hoje funciona a Regional da Sabesp e nos fundos do prédio, havia uma casa modesta onde morava o elegante e incrível “Nino sem Braços”, um dos mais emblemáticos e queridos filhos desta terra. Aprendi o beabá pelas mãos generosas da paciente e bondosa Dona Eliete Vidotti, minha primeira professora no Grupo Escolar Afonso Cáfaro, que era dirigido por mãos-de-ferro pela lendária Leontina Conceição Siqueira. 


A escola ficava onde funcionou por muitos anos a unidade do Sesi. Lembro-me que o prédio era menor e na sua frente havia frondosas árvores. O dentista da escola era o Dr. Alberto Scaloppi, a inspetora de alunos era Dona Cacilda de Oliveira e a servente, dona Jorgina Rodrigues. Naquele tempo, aluno que não estudava, levava “bomba” e não tinha conversa. Jeitinho, nem pensar. Junto com meus amigos, empinei pipas na Praça da Matriz, no tempo que era de terra batida, com algumas partes de gramado. Engraxei sapatos na praça Joaquim Antonio Pereira e tomei alguns “carreirões” do velho guarda Joaquim Manco. 


Nessa época, eu invejava o Mário Pereira (Mário da Caiçara) e o Devanir de Oliveira, que eram os engraxates “oficiais’ da banca da Agência Caiçara comandada pelo saudoso Osmundo Dias de Oliveira, onde eu comprava meus gibis, álbuns e figurinhas. No começo dos anos sessenta, vi de perto os grandes comícios de Jânio Quadros e de Adhemar de Barros na antiga Praça Coutinho Cavalcanti (hoje Praça Fernando Jacob). Também conheci de perto o calor

das acirradas e animadas campanhas eleitorais da Fernandópolis dos tempos de Edison Rolim, Adhemar Pacheco, Fernando Jacob, Percy Semeghini, Leonildo Alvizi, Antenor Ferrari e tantas outras memoráveis figuras do alto clero e dos bastidores da política local. 


Naquela época vereador não tinha salário, mas eram tempos apaixonantes movidos pelos inteligentes e inflamados discursos de grandes tribunos. Ainda menino, comecei trabalhando como aprendiz em uma fábrica de sabão em barras chamada “Vencelar”, que ficava nos fundos da Máquina Farina, na Avenida da Estação, esquina com a Rua Minas Gerais, bem ao lado da fábrica de Colchões Pelmex, do Áscolo Antonio Martins que ficava defronte a torrefação de Café Maria Flora, da família Martinelli. Também fui um dos primeiros funcionários da Auto Escola São José, dos irmãos Romildo e Paschoal Sandrin e dali, fui trabalhar no Despachante União, de Dante Esmerini, no tempo em que o Maurilio Brassalotti, formado pela famosa Escola Técnica de Comércio, assumia o posto de gerente. Um belo dia, fui parar na antiga Gazeta da Região, de José de Freitas, meu amigo e bom mestre. Comecei escrevendo as páginas de esportes e a policial. Nessa época, apesar das imensas dificuldades, a imprensa de Fernandópolis era vibrante. 


A Gazeta, ainda no tempo do “chumbão e das lynotipes”, quando as manchetes, títulos e propagandas eram montadas “na unha”, circulava todos os dias com oito páginas em formato standart. Lembro que o saudoso professor Armando Farinazzo escrevia sua coluna “Fumaça de Cachimbo”, onde publicava poemas e crônicas. Era um bom jornal. E havia ainda “O Impacial”, de Franco Garcia Pelayo e o pioneiro Fernandópolis Jornal, comandado por Jayme Baptista Leone e seus filhos João, Flávio e a minha amiga Mariá, que escrevia a página social. Bons e memoráveis tempos aqueles. No rádio, a disputa pela audiência entre a pioneira Rádio Cultura e a Educadora era acirrada. 


Nessa época a Educadora, gerenciada por Emerson Sumariva, tinha um senhor “cast’, uma legião de artistas do rádio. Tempo do Chiquito Machado que personificava o “professor” da Escolinha do Papai Dodô, onde o eclético Marcos Alberto, o Marcão, “se virava nuns trinta”, dando vida à uma multidão de criaturas divertidas como os alunos Fifi, Genaro, Takanuca, Benedito, Motorzinho e tantos outros. Como o nosso espaço está acabando, prometo, que ainda conto aqui, alguns capítulos da rica e maravilhosa história da imprensa escrita e falada da nossa Fernandópolis, que amanhã comemora 77 anos de fundação.  Parabéns, Terra Querida!. Semana que vem tem mais. Até lá.

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