José Renato To

Um Argentino que fez Cinema Brasileiro

Um Argentino que fez Cinema Brasileiro

Por José Renato Sessino Toledo Barbosa - Professor

Por José Renato Sessino Toledo Barbosa - Professor

Publicada há 7 anos

Conheci o cinema de Babenco após assistir à bela película “Pixote, a Lei do mais fraco”, cujo roteiro fora escrito por Jorge Duran. O filme é de 1980. Fortemente influenciado pelo neorrealismo italiano, emocionou o mundo, mostrado como uma espécie de documentário, quase um docu-drama, cujo personagem principal, protagonizado por Fernando Ramos da Silva, era o próprio “ator” representando a própria vida. Seu impacto mundial foi tamanho, semelhante a “Cidade de Deus”. Além disso, a obra trazia os auxílios luxuosos de Marília Pera e Jardel Filho, em atuações exuberantes. Com cenas tocantes, como a de Lilica, a beira-mar, no Rio de Janeiro, acariciando Pixote e cantarolando Roberto Carlos.


A obra não faz concessões ao discurso otimista ou final feliz, é realista na medida do cinema italiano, não ficando a dever nem mesmo a um Roberto Rossellini. Para dar mais cargas às pesadas tintas, o protagonista Fernando Ramos veio a morrer nas mãos da polícia, no momento em que vivia um misto de ostracismo, abandono ou busca de recuperar algo que nunca possuiu.


Depois de grande repercussão nacional e internacional, o filme projetou Babenco e seu cinema ao status de autor mundial, permitindo-lhe financiamento para sua primeira produção em Hollywood: “O Beijo da Mulher Aranha”, de 1984, responsável pelo Oscar de melhor ator a Willian Hurt, contanto ainda com Raul Julia e Sonia Braga no elenco.


Três anos depois, Babenco filmou “Ironweed”, superprodução baseado no roteiro de Willian Kennedy, com Jack Nicholson e Maryl Streep.


É verdade que em 1975 filmara “O Rei da Noite” com o grande Paulo José como protagonista. Filme muito bom. Todavia, dois anos depois, seu cinema deu um grande salto de qualidade: “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, com roteiro de José Louzeiro e Jorge Duran, apresenta o marginal carioca, de olhos azuis e colegial completo, cujo enredo – mostrado durante a ditadura militar – deflagra a relação no mínimo calhorda entre os marginais e a polícia. Também com grande elenco, apresenta Paulo Cesar Pereio, como o policial corrupto que diz a seguinte pérola: “- Lúcio, a gente tá tudo no mesmo barco. Polícia e bandido é tudo a mesma coisa”. A película escancara a violência e corrupção policiais. Grande obra.


Em 1990 filmou e apresentou “Brincando nos Campos do Senhor”, com Tom Berenger, John Lithgow, Tom Waits, Daryl Hannah, Aidan Quin, Kathy Bates, Stênio Garcia, Nelson Xavier e José Dumont. Aborda o conflito de terras na região norte do Brasil. Não foi bem recebido pelas críticas nacional e internacional. Ganhou um Globo de ouro pela trilha sonora no ano seguinte.


Com a crise no cinema nacional, Babenco migrou para o teatro. Assisti em 1987 à peça  “Louco de Amor”, cujo texto é de Sam Shepard, trazia no elenco Edson Celulari e Xuxa Lopes – então sua mulher -, reproduzindo a aridez que caracterizam os textos do norte-americano.


Depois de certo ostracismo, Babenco volta à tona com “Carandiru”, filme com roteiro de Fernando Bonassi, com base no livro “Estação Carandiru”, de Dráuzio Varela, médico oncologista, responsável pelo tratamento da leucemia de Hector. O próprio médico e autor da obra sugeriu ao cineasta que vertesse seu texto em película.


O filme veio à luz na mesma época do sucesso de “Cidade de Deus”. Havia pouco tempo, tinha lido a obra de Dráuzio Varela, a qual me provocou enorme comoção. Ver o filme era obrigatório.


Gostei muito, embora entenda que algumas opções que ficaram de fora do roteiro, e mesmo da edição, deveriam constar na finalização da obra. Todavia, são escolhas e as respeito. O filme é um trabalho honesto e sério. Manteve o imaginário construído por Dráuzio e recuperou a “imagerie” da estética do neorrealismo italiano.


No dia mundial do rock, Babenco nos deixou, vitimado pela leucemia que parecia ter sido derrotada com a ajuda do Doutor Dráuzio.

Ficou sua obra. Sincera e honesta. Não chega a ser um Carlos Reichenbach, mas, tem estilo. Muito Obrigado e Parabéns, Hector!



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