CINEMA

Babenco entre a morte e a arte

Babenco entre a morte e a arte

Deixando uma lacuna na cultura cinematográfica, o cineasta Hector Babenco, como quem se dispõe a viver pela arte, reconhecia a importância da história e sua contemporaneidade

Deixando uma lacuna na cultura cinematográfica, o cineasta Hector Babenco, como quem se dispõe a viver pela arte, reconhecia a importância da história e sua contemporaneidade

Publicada há 7 anos

Por Gil Piva


Derrotado pelo linfoma que ressurgira, o cineasta Hector Babenco deixou uma lacuna na cultura cinematográfica que também sempre se arrastrou entre procedimentos debilitados devido à falta de recursos (ou à própria escassez de criatividade) e aparições surpreendentes, porém raríssimas. Talvez, antecedendo a luta de Babenco contra o câncer, seu último trabalho, Meu Amigo Hindu, acerta, de algum modo, na sobrevivência de quem se dispõe a viver (ou morrer) pela arte. Babenco faleceu no dia 13 do mês passado encerrando uma fase de sua vida como poucos; ou seja, aos 70 anos, acertou as contas sem deixar uma obra inacabada – fato que não era de seu feitio. 


Mais conhecido pelos filmes Pixote, A Lei do Mais Fraco, O Beijo da Mulher Aranha, que rendeu indicações e premiou William Hurt em Cannes e com o Oscar, e, em 2003, obteve um sucesso de crítica e bilheteria com a adaptação de Carandiru. Dos seus filmes mais sutis aos mais “escancarados” criticamente, nunca lhe faltou o reconhecimento merecido, muito embora, em contrapartida, uma amostra da dificuldade de se filmar no Brasil esteja nos intervalos de anos entre um e outro projeto. 


Pena que um de seus mais belos trabalhos tenha sido pouco agraciado e até esquecido por críticos e cinéfilos: Brincando nos Campos do Senhor, com Tom Berenger. Na humilde opinião deste colunista, a obra assinala um tratamento límpido e de estética alternativa para tratar questões sociais, provando assim a versatilidade de Babenco.


Reprises do tempo. Em cada filme, Babenco perambulava pelo autorretrato de uma época. Assim foi em Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia, cuja estética experimentava adornos quase naturalistas e dialogava com a indecifrável identidade social da década de 1970. Mesmo com as devidas liberdades de distorções que a ficção oferece sobre a realidade, o filme permanece, para quem quiser conferir, um testemunho intrigante sobre o ato de se fazer justiça com as próprias mãos. O crime à margem do crime. Somado a isso, a leveza na direção e nos passos conscientes da crítica social, velada ou não, iluminaram uma carreira de trabalhos intensos até o final da vida de Babenco. 


Nessa galeria, Babenco reconhecia a importância da história e sua contemporaneidade, senão seus indissociáveis pontos cegos, que só a marcha de uma artista, num certo sentido, é capaz de percorrer e vislumbrar. Pegando de empréstimo o que Jean Cocteau disse sobre Proust, assistir a Meu Amigo Hindu talvez represente uma forma de a obra de Babenco “continuar a viver como os relógios no pulso dos soldados mortos”.



‘Meu Amigo Hindu’. Diego (Willem Dafoe) e Livia (Maria  Fernanda Cândido)



Crítica filme: Trajetória sem medo ** (regular)

O resultado do último trabalho de Hector Babenco, o filme Meu Amigo Hindu, beira a uma corajosa afirmação do que foi sua vida num momento difícil. Diego (Willem Dafoe) é um cineasta que se descobre com um câncer terminal e precisa de um transplante de medula para sobreviver. Daí em diante, problemas pessoais, familiares e profissionais se misturam e contemplam a angústia do personagem. Antes, vale lembrar que cinebiografias no cinema nacional possuem qualidades duvidosas, portanto, neste quesito, Babenco se sai até bem, não se restringe a episódios seriados e irrelevantes para o enredo. Ele associa com tato instantes e passagens que deseja narrar valorizando o que deveria haver de verdadeiro e profundo em cada evento, e retirando, inclusive, de Dafoe uma interessante atuação, da qual se percebe claramente representado o espectro de suas lembranças. Meu Amigo Hindu estreita esses movimentos, mas não os consolida. Tem-se um espetáculo afetuoso, se autoinvestigando, sem gratuidades, o que não significa que deslizes sejam evitados ou passem a valer tal qual facilidades para uma continuidade eficaz da filmagem. Se levada a questão a cabo, percebe-se que até em mão seguras como as de Babenco é comum se perder do clima, se afastar da carga emotiva ou estacionar no lirismo investido. Lamentavelmente, um trabalho ousado e puro como este escapou dos requisitos básicos para se converter num dos menores do diretor



Despedida.

O diretor Hector Babenco



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