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O apreço não tem preço

O apreço não tem preço

Fernandópolis, noroeste paulista, terra da música de raiz? Não só. A antropofagia de Oswald de Andrade se faz em degustação.

Fernandópolis, noroeste paulista, terra da música de raiz? Não só. A antropofagia de Oswald de Andrade se faz em degustação.

Publicada há 7 anos

"Nossas opções culturais eram festas que fazíamos na casa de alguém, ou serenatas. Além de MPB, samba e pop rock eram nossas preferências"



Por João Leonel / João Flávio / Zé Renato / Jacqueline Paggioro


Dia 30 de agosto de 2016. Junto com a noite, aos poucos vão chegando ao Restaurante do Gaúcho, na entrada da Casa de Portugal, os 7 integrantes do grupo de samba fernandopolense “Velhos Amigos”. O time destacado para entrevistá-los tinha que ser de peso: João Leonel, João Flávio, Zé Renato e Jacqueline Paggioro. Assim como as cervejas que tomávamos e os petiscos para salgar a goela, as influências da banda são diversas.

Nós que aqui estamos por vós esperamos! Vivos. In loco, o suplemento Cultura! conversou com essa simbiose oswaldiana, o grupo “Velhos Amigos”. Conversa regada a cerveja e boa comida, como suplicam os deuses Baco e Dionísio, discorremos acerca da memória e história vivas desses representantes da terra e da música.

O grupo teceu suas origens: mescla de samba, carnaval, música popular brasileira (popular, não popularesca) e rock. A partida para vários cantos deste Estado, a fim de continuar os estudos, possibilitou a parte dos integrantes o néctar musical com o qual completaram o buquê dessa poderosa fermentação. O projeto “Seis e Meia” citado pelo Carlinhos “Paspa”, rico momento de produção e construção do imaginário de nosso cancioneiro popular, fundia samba e MPB, melódica e harmoniosamente. Os velhos vinis também são parte essencial desse arcabouço. Desde os primórdios do Carnaval de Rua em Fernandópolis, em 1978, quando a administração municipal subsidiava a festa popular, eles escrevem sua história. Criaram a escola de samba Fermentação, que, além do nome, possuía as cores como referências à cerveja, idolatrado néctar: dourado e branco, o líquido e o colarinho. Rivalizavam e se divertiam ao lado da “UVA - Unidos da Vila Aparecida”, “Sucata” e “Em Cima da Hora”, também históricas escolas de samba fernandopolenses. Ouçam, quero dizer, leiam nossos heróis. Com vocês, “Velhos Amigos”...


PASPA - Nossas opções culturais eram festas que fazíamos na casa de alguém, ou serenatas. Nos reuníamos onde é hoje o Clube da Cesp, à época, em plena construção. Além de MPB, nomes como Gonzaguinha, Chico Buarque e Djavan, samba e pop rock eram nossas preferências. Começamos a estudar fora - não havia faculdade na região -, então fomos para São Paulo, Araçatuba, Araraquara. Alguns saíram daqui para estudar em outras cidades ainda no colégio. Quando nos reencontrávamos em nossas primeiras férias da faculdade, sempre curtíamos o carnaval.


PANTERA - Nessa época montamos a escola de samba “Fermentação”, uma homenagem à cerveja. Nossos ensaios eram no pátio da Fiat. As escolas desfilavam no trajeto entre o antigo “Balão” e o supermercado “J. Pires”, hoje o Sakashita. Nosso esquenta eram sempre nos botecos.


BALA - Mas não eram todos que bebiam assim, não... (risos)


VIDIÃO - A cada ano adotávamos um boteco da cidade. Teve o “7 Copas” (na Avenida José Camargo Arruda, Avenida 14, com a Rua Espírito Santo), o “Bar do Marinho”, “Bar do Jair”. Todos nós gostamos de beber até hoje, por isso é que nos shows a cerveja só é liberada só depois que tocamos 50% do nosso repertório.


PASPA - De 1978 a 1983, nosso desfile de escolas de samba rivalizava com o Carnaval de Rua de Catanduva. Fernandópolis era referência regional.


VIDIÃO - Mas nem sempre dava tudo cer
to. Nesses esquentas antes dos desfiles, descobrimos uma bebida nova, ““abraço do capeta”. Lembram do “breque do pandeiro”?


BATATA - Cadê o Pela?


VIDIÃO - Apagou no bar, era muito forte aquela mistura.


PASPA - Chegou bem na hora do “breque do pandeiro” durante o samba no desfile da “Fermentação”, vem o apito, todo mundo esperando o pandeiro. Cadê o Pela? Só o encontramos lá no bar, depois do desfile.


VIDIÃO - Tomou dois “abraços do capeta”. Ficou por lá mesmo.


PASPA - Nessa época, por estudarmos fora, éramos universitários e tal, o pessoal da “UVA” nos chamava de “aparelho nos dentes”. Eles eram os “fiapo de manga”, nós, “aparelho nos dentes”. Mas nós ganhamos vários carnavais, fazíamos uma apresentação de respeito.


BATATA - Com todo respeito. Nossas fantasias, nossos carros alegóricos eram melhores, nossa escola era melhor, mas o samba da “UVA” era muito bom.


PASPA - Ganhamos os desfiles de carnaval por anos seguidos, porque nosso samba era bom, mas nossos sambas-enredo fizeram história. Em um deles fizemos uma homenagem ao Fefecê, “Fefão do meu coração”. (Até hoje a torcida Sangue Azul exalta esse samba-enredo da “Fermentação” durante os jogos da Águia).


PANTERA - Mantemos a amizade desde essa época, quando nos envolvemos muito com o carnaval. E permanecemos sempre juntos. Teve também o “GG” — Grupo Gulosão.


PASPA - O GG surgiu quando já estávamos quase todos casados. Por volta de 1986/87. Era uma grande festa. Comida, bebida e aproveitávamos também para colocar o papo em dia.


VIDIÃO - Nossos encontros aconteciam de 15 em 15 dias.


PANTERA - Sempre um dos amigos recebia todos os outros em sua casa, com nossas famílias, esposas e filhos. E não só nós da banda.


PASPA - E mantemos contato com a maioria desse pessoal até hoje, e sempre recordamos daquelas festas.


BATATA - Nessa época do GG, eu e o TG montamos uma banda de rock, a Mega-Hertz. Tocávamos no “Paquera na Avenida”, na “Chopperia 99”, no “Fora de Hora”. Escolhemos o nome porque a rádio 99 FM, quando inaugurou, tinha a chamada “noventa e nove vírgula nove mega-hertz”. Falamos: “Vamos colocar o nome de ‘Mega-Hertz’ na nossa banda, porque publicidade já teremos, e de gra
ça. Toda hora vai falar o nome da nossa banda no rádio”.


TG - Mas fala aí quanto tempo durou a banda.


BATATA - Seis meses. Foi o tempo que levou para o dono da loja onde compramos os instrumentos vir buscá-los de volta.


BATATA - O cara era de Rio Preto e veio aqui em Fernandópolis buscar os instrumentos. Acabou com a nossa banda. Nós tocávamos em bares, em casamentos, na noite.


TG - Não paga pra você ver!


VIDIÃO - Falando em banda de rock, quando eu tinha 14 anos, toquei na Clínica Geral, precursora das bandas de baile em Fernandópolis. Tocávamos rock’n’roll, e o Saulinho Belúcio cantava em inglês, era uma farra.


PASPA - Quem também tem uma história com o rock é o nosso mais novo “velho” amigo, né, Gutão?


GUTO MARSON - É verdade. Mais recentemente, toquei por alguns anos com a “Velho de War”, com o Serginho Kamiyama, o Ronaldinho Thomé, o Du Pessotta. Mas a primeira banda que toquei foi a “Brahmaskol”, com o Mané Mantovani. Toquei também na “Cabeça de Peixe”, com o Jedsom Kárta. Tocávamos na Praça da Matriz. E tenho minha origem musical que vem do meu pai, Lauro Marson, um dos pioneiros da Banda Sinfônica da cidade.


BATATA - Essa vontade de tocar, de sempre estar com uma banda é que nos motivou a montar a Velhos Amigos. Um dia, conversando com o TG, falei: “Vamos mostrar nosso trabalho em algum lugar”. Ligamos na hora pro Pantera.


PANTERA - Claro que foi motivo para marcarmos uma “reunião”.


TG - A primeira ideia foi montar um bar, um lugar onde nós tocaríamos, mostraríamos nosso trabalho, mas também seria uma diversão.


PASPA - Sempre foi uma diversão tocar, esse envolvimento com o samba, carnaval, reunir os amigos.


BATATA - Pensamos, num primeiro momento, em alugar o Lual, que estava desativado e era um dos bares mais bonitos da cidade. Eu toquei lá na inauguração do Lual.


PANTERA - Aí, o Liminha (Gilmar Gavioli), numa das edições da COPASASP (evento esportivo) nos convidou para tocar. Foi de improviso, nem tínhamos criado a banda “Velhos Amigos” ainda. Não estávamos todos juntos naquele dia.


PASPA - Mas como sempre tinha muita gente na COPASASP e o pessoal gostou do som, o comentário foi se espalhando.


PANTERA - Aí entra na história o Júnior Sequini, da Secol. Isso há uns cinco anos. Foi quando formamos a banda, pra tocar mesmo. Surgia a “Velhos Amigos”.


BATATA - Nosso primeiro show foi no “Plazinha”. Isso mesmo, foi há uns cinco anos. Tinha um bom público, umas 200 pessoas, e o pessoal gostou.


PANTERA - Depois fizemos alguns shows beneficentes. Nos apresentamos com a 


OSFER – Orquestra Sinfônica de Fernandópolis, na Casa de Portugal. E aqui registramos nosso carinho e agradecimento ao pessoal da OSFER, Fernando Paina, Evandro Angeluci, Renato “Pipoquinha”. Um grande abraço pra vocês. Sempre precisamos de um freelancer, no baixo, na bateria. E eles estão sempre conosco. São nossos frilas.


VIDIÃO - Tocamos no Chalé Acústico. Teve até marchinha de carnaval no Chalé. Resgatamos o clima dos melhores momentos dos bailes de carnaval da Casa de Portugal.


PASPA - E temos nosso público cativo já. Vários casais nos acompanham, o pessoal gosta de dançar. Não temos a pretensão de ser uma banda profissional. É como falei, tocamos por diversão, e nossa amizade flui como música. Nossa amizade explica muito bem quem somos. O nome da nossa banda reflete exatamente isso.


VIDIÃO - Fica difícil ensaiar sempre, todos nós temos nossos compromissos, nossa vida profissional. Por isso, fazemos poucos ensaios, que duram de 40 minutos a uma hora, no máximo.


PASPA - Fazemos algumas apresentações beneficentes, já temos alguns shows agendados, mas pra todos nós, a “Velhos Amigos” é uma grande terapia. A mais eficaz que existe.

"De 1978 a 1983, nosso desfile de escolas de samba rivalizava com o Carnaval de Rua de Catanduva. Fernandópolis era referência regional."



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