Jacqueline Ruiz

Um Nobel para um 'Bardo'

Um Nobel para um 'Bardo'

Por Jacqueline Ruiz Paggioro - Professora

Por Jacqueline Ruiz Paggioro - Professora

Publicada há 7 anos

A notícia do dia 13 de outubro que anunciava “Mr. Bob Dylan” como o vencedor do Nobel de Literatura a princípio me deixou incrédula.

Apesar da escolha do ano anterior ter premiado a jornalista bielorussa  Svetlana Aleksiévitch, nunca imaginaria escolha tão inusitada. Não que eu considere que ele não  mereça, Like Rolling Stone, If not for you, Jokerman e Huricane, são obrigatórias na trilha sonora da minha vida, além de todas as músicas  do Traveling Wilburys.

Após constatar a veracidade do fato e observar as justificativas de Sara Danius, secretária da Academia Sueca, concordei imediatamente com o que disse: “...por 54 anos, Dylan tem se reinventado, o álbum ‘Blonde on Blonde’ é um extraordinário exemplo da sua forma brilhante de criar rimas e refrões e de seu jeito brilhante de pensar”. Afirmou ainda ter consciência de que a escolha de um músico poderia parecer surpreendente para o público, mas lembrou dos poetas gregos Homero e Safo: “Eles escreveram textos poéticos para ser apresentados em público, e com Dylan é a mesma coisa. Ainda lemos Homero e Safo; e gostamos”.

A polêmica escolha da Academia Sueca reascende a discussão sobre a questão, afinal, o que vem a ser literatura? Será que escritor é somente o sujeito que escreve livros?

O escocês Irvine Welsh acidamente criticou a escolha, dizendo que o prêmio outorgado a Dylan era uma decisão resultante da “nostalgia deslocada, saída das próstatas antiquadas de um grupo de hippies senis”.

O escritor Alain Mabanckou, por sua vez, defendeu a opção dizendo: “Os puristas e outros amargos rasgarão as roupas, denunciarão a degeneração do espírito de Nobel, mas me alegro que se reconheça também a literatura na Palavra – no sentido poético do termo – em tempos em que muitos artistas pensam ser dispensados da exigência de fundo e forma em sua criação”.

Atribuir um prêmio de tal reconhecimento a um “bardo” que brinca com a língua, que traz à palavra a emoção e cria novos sentidos, nos faz refletir. Para isso, deixo a primorosa versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti para “It’s All Over Now, Baby Blue”, composta e lançada por Dylan em 1965, traduzida como “Negro Amor”:

Vá, se mande, junte tudo que você puder levar

ande, tudo que parece seu é bom que agarre já

seu filho feio e louco ficou só

 chorando feito fogo à luz do sol

Pois alquimistas já estão no corredor

e não tem mais nada, negro amor


a estrada é pra você e o jogo é ainda essência

junte tudo que você conseguiu por coincidência

e o pintor de rua que anda só

desenha maluquice em seu lençol

sob os seus pés o céu também rachou

e não tem mais nada, negro amor


seus marinheiros mareados abandonam o mar

seus guerreiros desarmados não vão mais lutar

seu namorado já vai dando o fora

levando os cobertores, e agora?

até o tapete sem você voou

e não tem mais nada, negro amor


as pedras do caminho, deixe para trás

esqueça os mortos, eles não levantam mais

o vagabundo esmola pela rua

vestindo a mesma roupa que foi sua

risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor

e não tem mais nada, negro amor.

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