CULTURA!

'A MÚSICA VENCEU'

'A MÚSICA VENCEU'

O maestro Luís Fernando Paina fala sobre sua história, sua família, seu trabalho e, principalmente, sobre uma pergunta: qual é o verdadeiro poder da música?

O maestro Luís Fernando Paina fala sobre sua história, sua família, seu trabalho e, principalmente, sobre uma pergunta: qual é o verdadeiro poder da música?

Publicada há 6 anos

Por O.A. Secatto


Não há ninguém igual ao Luís Fernando Paina. Fernandópolis desconhece alguém que, de súbito, é sempre lembrado quando se diz a palavra “música”.


Repetindo o que disse com relação à querida amiga Helena Gomes (edição de março), desde já antecipo que sou a pessoa mais suspeita do mundo para falar do Fernando: ele foi um ídolo, depois professor, amigo e, não menos, compadre. Além disso, é e sempre será o único maestro maluco o suficiente para aturar-me num palco para “cantar” com a orquestra e maltratar os ouvidos alheios.


Nascido em São José do Rio Preto-SP, em 27 de agosto de 1973, aos 6 anos, o filho de dona Mercedes mudou-se para Fernandópolis. Aqui cresceu e estudou, graduando-se em Educação Física e, não menos, é o marido da Karen e pai do Luís Felipe. Já disse certa vez que seu primeiro instrumento foi um pianinho, aos 4 anos, dado por sua tia Neuza, tendo na escola, aos 10, o primeiro contato com a flauta doce. Nessa época trabalhou meio período como frentista, até que teve a oportunidade de ir à sede da Banda Municipal, que era no Centro Social de Menores. Lá recebeu um saxofone, caminhando toda quinta uns 6 km para chegar às aulas, até que passou a receber caronas do seu Dorival Bortoleto. Logo começou a tocar na Banda de Jales e em bailes nos finais de semana, bem como lecionar música na escola RHM.


Do presidente da banda na época, Hermes Bressan, ganhou a oportunidade de ter aulas no Conservatório Amadeus Mozart com o maestro Jonas Schneck Ferreira, onde aprofundou os estudos de harmonia, regência, teoria musical e prática de instrumentos. O passo seguinte foi o Conservatório de Tatuí, onde estudou regência para bandas com o maestro Dario Sotelo. Desde então, participou de diversos festivais em Campos do Jordão-SP, Tatuí-SP e Ouro Preto-MG — neste, em 2010 e 2011, foi professor no “Festival de Inverno de Ouro Preto”, onde também dirigiu a banda do festival. Em dezembro de 2011, participou da 65ª Midwest Clinic (Conferência Internacional de Bandas e Orquestras) em Chicago, Estados Unidos.

Em 2012, foi produtor musical e responsável pela gravação de novo arranjo do Hino a Fernandópolis, e gravação e produção musical do CD da OSFER – Orquestra de Sopros de Fernandópolis contendo composições originais para banda sinfônica confeccionadas pelos melhores arranjadores da América Latina.


Não bastasse, desde 2000, está à frente da OSFER, principal grupo da Corporação Musical de Fernandópolis, que desenvolve projetos culturais e sociais: a educação musical como instrumento de transformação social.


Enfim, uma edição inteira não seria suficiente para discorrer sobre toda a sua importância no cenário social e cultural de Fernandópolis e região, de sorte que é um privilégio poder, finalmente, registrar nesta entrevista um pouco da vida, da família e da carreira musical de Luís Fernando Paina.


• Já são quantos anos de música?

Nossa, Osvaldo! Já são pelo menos uns 25 anos profissionalmente. Comecei a tocar na Corporação de Jales e de Fernandópolis com 18 anos. Como aprendiz do professor Manoel, entre as idas e vindas, devido à falta de apoio por que a banda passava, foram pelo menos mais uns cinco anos. Lembro-me como se fosse hoje da primeira aula de música com ele na escola Saturnino e as motivadoras lições do Bona (método musical de solfejo). Então é só somar... Acho que nem eu imaginava que já faz tanto tempo.


• Desses, quantos de OSFER?

Eu fui aluno da Corporação Musical na época em que o professor Manoel ia às escolas do município oferecer aulas gratuitas de música e a oportunidade de tocar na banda da cidade. Eu estava na 7ª série (8º ano hoje) e achei interessante a oportunidade. Porém, sempre que estava bem perto de começar a soprar em algum instrumento, a banda passava por algum problema e o professor não podia ir mais tomar as aulas.


• Qual a importância da família durante todo esse tempo?

A família sempre me deu um grande apoio em tudo. Mesmo nos momentos mais conturbados, eles sempre me incentivavam a seguir em frente, que as coisas dariam certo.


• E qual a parte da dona Mercedes nessa história?

Minha saudosa mãe também teve um pezinho no lado artístico quando jovem, e acredito que isso acaba influenciando, não é mesmo? (risos) Ela cantava em rádio e até compunha música na época, mas por ter que ajudar meus avós, teve de abandonar o sonho e cair na realidade da vida que vários e vários artistas passam. Faz parte!


• Você é uma referência na música em Fernandópolis. Como você lida com o peso dessa responsabilidade?

Puxa, Osvaldo, não sei se mereço tanto crédito assim. Obrigado por pensar isso de mim, porém acredito que só fiz o que acreditei ser o correto para incentivar e colaborar com algo que mudou minha vida: a música. Você, melhor do que ninguém, sabe o quanto sou grato, o quanto devo a Deus e à música, pois até nossa amizade e respeito se deu por conta dela. Todas as pessoas maravilhosas de cuja sincera amizade hoje compartilho eu conheci por conta de algum trabalho musical. Lidar com a situação de promover arte no interior do estado de São Paulo não é fácil, porém sempre algo de bom acontece. O importante é acreditar e fazer acontecer, sem esperar demais ou quase nada.


• O que a música significou — e ainda significa — para você?

Essa é uma pergunta muito comum, porém cada um tem um jeito de pensar e sentir do seu modo o que ela significa, pois somos únicos e cada ser sente as coisas de forma diferente, e isso deve ser respeitado. Mas para mim ela significou o começo de uma jornada como filho, homem, amigo, marido, pai, pois meus moldes de caráter, amor, respeito e compromisso foram vinculados ao meu aprendizado musical. Mesmo se hoje eu não fosse trabalhar mais com música, devo a ela toda disciplina, entusiasmo, carinho, percepção para desenvolver uma função seja ela qual for.


• Os projetos da OSFER são direcionados apenas a quem deseja se tornar músico?

Não. Na verdade, os projetos da OSFER são voltados a formar cidadãos de bem, pessoas que desenvolvam, criem e transformem suas próprias vidas e as de outras por meio do respeito, amor, disciplina e tudo que se aprende de valores éticos dentro desta instituição. Claro que pela qualidade do serviço que é oferecido acontece de alguns seguirem a carreira musical. Como é o caso hoje do Murilo Mininel e do Mateus, que estudam no Conservatório de Tatuí, e do Rubens Lopes, que há vários anos reside na Europa, estudando no Conservatório de Paris — e agora está se preparando para novos ares na Alemanha. De outro lado, há aqueles que hoje são empresários, professores, mestres em faculdades, pedagogos, engenheiros, assistentes sociais, advogados, e que tiveram na OSFER este algo a mais e que fez a diferença na vida e na carreira deles.


• A música realmente transforma vidas?

Não só a música, mas as artes em si e também podemos acrescentar os esportes como os melhores remédios para se curar uma sociedade doente e desenganada e devolver a dignidade, esperança e respeito à vida das pessoas.


• O trabalho desenvolvido na OSFER contribui de alguma forma para a população de Fernandópolis e região? Conseguiu transformar a vida de crianças e adolescentes?

A OSFER é o grupo principal da Corporação Musical de Fernandópolis, entidade fundada em 1970 e que realiza um trabalho social, musical e cultural de excelente qualidade, tanto que seu trabalho é elogiado e consagrado dentro do cenário musical por vários profissionais da área, como os maestros Dario Sotelo, Marcelo Jardim, Pablo Dell’Oca Sala (Argentina) e Carlos Ocampo Chaves (Costa Rica), Alexandre Travassos (compositor oficial da Banda Sinfônica do Estado de São Paulo), Daniel Maudonet (pianista e compositor), por cantores da MPB, como Guilherme Arantes e Flávio Venturini, e renomados instrumentistas, como o trombonista João Paulo Moreira (Teatro Municipal de São Paulo), o saxofonista Leo Gandelman (Rio de Janeiro) e a clarinetista da Banda de San José Rocío Mairena (Costa Rica), que participaram como solistas convidados de uma série de concertos, tendo inclusive gravado, em 2013, um CD com músicas especialmente compostas para o grupo, além da regravação de um novo arranjo para o hino da cidade. Também tem importante atuação social na comunidade, pois usa a música como instrumento de educação e transformação de crianças e jovens, tirando-os das ruas e das situações de risco, para isso, e sendo uma instituição sem fins lucrativos, sempre contando com a ajuda de voluntários, doações, convênios e subvenções públicas, especialmente da Prefeitura de Fernandópolis.


• O que vale a educação musical na vida de uma criança, de um adolescente?

Acredito que ela seja uma atividade indispensável no processo de desenvolvimento da criança, pois ela auxilia no crescimento cognitivo e ajuda a ampliar ou potencializar a imaginação, a linguagem, a atenção, a memória e várias outras habilidades das crianças, além de contribuir de forma eficaz no processo de ensino-aprendizagem. Por intermédio da música, as crianças passam a se conhecer melhor e também aos outros. A música torna capaz o desenvolvimento da imaginação e da criatividade audaz. Em outras palavras, “música faz bem e alimenta a alma”.


• Você toca flauta, clarinete e, principalmente, saxofone. Quais são suas referências como instrumentista?

Dentro de meu aprendizado musical optei pelos instrumentos da família das madeiras, em especial os três citados por você. Tenho grandes nomes nacionais e internacionais que me inspiram, principalmente no saxofone que tomei como instrumento de preferência. Clarinetistas como Severino Araújo, Paulo Moura, Nailor Azevedo (Proveta), Eddie Daniels, Benny Goodman e saxofonistas como Leo Gandelman, David Sanborn, Eric Marienthal, James Carter, John Coltrane, Charlie Parker, entre outros.


• Por falar em Leo Gandelman, você dividiu o palco do Teatro Municipal de Fernandópolis com ele em 2011, no dia de seu aniversário... Dá para descrever o sentimento nessa hora?

Você estava lá e viu! (risos) Posso dizer que foi uma experiência incrível. Estar ao lado de uma pessoa que te inspira a fazer o seu trabalho é algo maravilhoso. Uma sensação única. O ídolo que se transforma em parceiro de profissão e amigo. Como descrever isso? Fantástico.


• Além do Leo Gandelman, outros artistas importantes da música brasileira já se apresentaram com a OSFER.

Sim, tivemos a oportunidade de realizar alguns concertos marcantes para a cidade e região. Grandes nomes da MPB, como Guilherme Arantes e Flávio Venturini, apresentaram-se com a OSFER em concertos que jamais esqueceremos. Assim como os concertos com músicos e solistas instrumentistas convidados, tais quais a clarinetista Rocío Mairena, da Costa Rica, João Paulo Moreira, e os maestros Dario Sotelo e Alexandre Takahama.


• A OSFER, como é mais conhecida a Corporação Musical de Fernandópolis, uma associação sem fins lucrativos, tal qual inúmeras outras entidades do município, sempre passa por dificuldades financeiras. O que pode ser feito para minimizar essa situação?

Acredito que deve ser desenvolvida uma política pública de incentivo cultural efetiva. Não estou falando de Lei Rouanet ou Proac, falo de medidas locais, pontuais e eficientes, pois cada lugar tem suas dificuldades específicas e somente com uma política séria e de responsabilidade é que as entidades culturais deixarão de ser tão desvalorizadas e passarão a ter o devido valor e apoio necessário, a fim de continuar a fazer pela sociedade o que o poder público não faz.


• Por que você insiste em maltratar os ouvidos do público comigo cantando com a OSFER? (risos)

Alguns anos atrás eu tive o prazer e o privilégio de formar uma parceria com a pianista, professora e solista Adriana Permigiani para ocasionalmente tocarmos em cerimônias de casamento. Deste adorável e harmonioso dueto resolvemos ampliar nossos compromissos e criamos o cerimonial musical Celebrare, que tem como principal objetivo fazer parte dos sonhos de uma data tão especial e contá-los através dos sons emanados pelas vozes e instrumentos que compõem nosso grupo hoje. Graças à qualidade e ao profissionalismo, expandimos nosso empreendimento e realizamos cerimoniais musicais não só em Fernandópolis, como também nas cidades de Jales, São José do Rio Preto, Votuporanga e no estado do Mato Grosso do Sul e Goiás. E você, meu querido amigo, é uma destas maravilhosas pessoas que temos em nosso grupo. Somos — eu e a Adriana — muito gratos por termos pessoas como você em nosso cerimonial e acredite: se tivesse maltratando tanto assim os ouvidos das pessoas, não seríamos, graças a Deus, tão requisitados nas mais célebres e diversas cerimônias matrimoniais da cidade e região. Acredito que isso seja o resultado de muito profissionalismo e bom gosto das pessoas que optam em ter neste momento único músicas de qualidade e, claro, pessoas bonitas e elegantes como eu, você e a Dri. (risos)


• Qual a sua opinião sobre o cenário musical ­— e cultural como um todo — em Fernandópolis?

A música no cenário de nossa cultura é inegável, pois além de sua relevância como manifestação estética de nossas múltiplas expressões culturais, ela se apresenta como uma das mais poderosas formas de preservação da memória coletiva e de uma sociedade. Seu prestígio ultrapassa fronteiras e oceanos e leva a nossa música a consolidar-se em todo o mundo, podendo ser considerada como um dos símbolos de nossa gente, seus hábitos, seus fazeres, haveres e falares. Porém, como tudo se resume à falta de dinheiro e má vontade por parte dos governos, não acredito que mudemos este cenário triste que vivemos. Sinfônica Brasileira sendo praticamente fechada, Banda do Estado de São Paulo fechada, entre tantos outros grupos profissionais que vêm se desfazendo ao longo dos anos em nosso país. Espero que em Fernandópolis, na gestão do prefeito André Pessuto, junto à Câmara Municipal, à Secretaria Municipal da Cultura e ao Conselho Municipal de Cultura, este quadro seja totalmente inverso e que aqui possamos ter uma cidade onde a música e qualquer manifestação artística e cultural tenha seu respectivo valor, apoio e respeito ao trabalho que desenvolvem.


• Quais os projetos para 2017?

Além dos projetos já existentes, como o de musicalização infantil, ensino de flauta doce, Orquestra do Futuro, Orquestra do Amanhã, a Orquestra de Violeiros é nossa mais nova parceira no desenvolvimento cultural da cidade. Também estamos com alguns projetos novos para iniciar em breve, e logo começarão os concertos no nosso Teatro Municipal. Também planejamos realizar alguns concertos nas praças, lançar o CD Encontros e o CD do Hino de Fernandópolis.


• Neste mês de maio, aniversário de Fernandópolis, que recado você deixa para as pessoas que ainda acreditam em você e no potencial transformador da música?

Sou feliz e eternamente grato a todos por estarem ao meu lado nestes momentos tão especiais. Obrigado pela doçura de seus gestos e pela ternura que sempre trazem em suas palavras nos momentos que eu sempre precisei. Serei sempre muito grato a todos. Um grande e forte abraço. E, como diz o maestro João Carlos Martins: “A música venceu”.





Presente. No palco com Leo Gandelman (à esquerda); Com a clarinetista Rocío Mairena (abaixo) 



OSFER. Luís Fernando à frente do grupo principal 



Registro. Com Flávio Venturini 



Encontro. Com o maestro Dario Sotelo, em 2011 



Histórico. Apresentação com Guilherme Arantes 




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