Carlos Eduardo

O preconceito pode matar

O preconceito pode matar

Por Carlos Eduardo Maia de Oliveira - Professor e Biólogo

Por Carlos Eduardo Maia de Oliveira - Professor e Biólogo

Publicada há 6 anos

          O preconceito tem várias faces e todas são injustas por natureza e discriminadoras em sua essência. Na raiz desse problema estão o racismo, a homofobia, a xenofobia, o machismo, o preconceito de classe social, o fanatismo em geral, entre outros.


            Pessoas sofreminjustiças ou são mortas por causa do preconceito. O racismo é um bom exemplo: a cada 23 minutos, um jovem negro morre no país, segundo relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal publicado em junho de 2016. De acordo com o documento, todo ano, cerca de 23.600 jovens negros de 15 a 29 anos de idade são assassinados no Brasil. Dos 30 mil jovens assassinados no ano de 2012, de acordo com o Mapa da Violência publicado em 2015, 77% eram negros (soma de negros e pardos).


            Um dado estatístico do Mapa da Violência de 2015 é a relação de duas formas de violência revestidas “até o pescoço” de preconceito: o feminicídio (assassinato de mulheres) e o racismo. De acordo com o estudo, no Brasil, anualmente, mais mulheres estão morrendo do que na Síria, um país que vem sofrendo, há alguns anos, com uma sangrenta guerra civil. Como parâmetro de comparação desse triste cenário, o Brasil é o quinto país do mundo onde mais se matam mulheres: são 4,8 mortes a cada 100 mil mulheres. Na Síria, essa taxa é de 0,4 mortas por 100 mil, classificando esse país do Oriente Médio na 64ª colocação mundial, ou seja, uma situação bem melhor do que a ocupada pelo nosso país. Nesse contexto, a pesquisa ainda destaca que o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54% em 10 anos (de 2003 a 2013), e o de brancas caiu 10% no mesmo período.


            Para não deixar nenhuma margem de dúvida com relação ao preconceito de gênero envolvido nesse caso, 55,3% desses crimes cometidos contra as mulheres brasileiras ocorreu no ambiente doméstico e 33,2% dos homicidas eram os próprios parceiros ou ex-parceiros das vítimas. De acordo com declaração do sociólogo JulioJacoboWaiselfisz (coordenador da pesquisa), publicada no jornal “El País”, no dia 09 de novembro de 2015: “Esse tipo de violência acontece em casa, é familiar, e tem um componente enorme de gênero, já que costuma envolver uma mulher que não se subordina às vontades de seu companheiro ou ex-companheiro”. Em outras palavras, um crime cometido em nome do machismo.


            Com relação à homofobia, no ano de 2016, foram assassinadas 343 pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) no Brasil, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), uma organização não governamental que compila, anualmente, dados sobre vítimas fatais de crimes homofóbicos. E houve uma escalada desse tipo de crime, pois foram 130 homicídios no ano 2000, 260 em 2010 e 343 (como já mencionado) em 2016. Desses 343 LGBTs assassinados em 2016, 31% desses assassinatos foram por meio de arma de fogo e 27% com armas brancas. “Os crimes são praticados com requintes de crueldade, incluindo pauladas, apedrejamento, tortura, queima do corpo, sufocamento na cama, utilização de fios elétricos e facas. Muitas vezes ocorrem no ambiente doméstico e somente são descobertos pelos vizinhos após a eliminação do odor forte dos corpos em putrefação”.


            O estudo permite concluir que, aproximadamente, a homofobia mata uma pessoa a cada 25 horas no país. O GGB ainda alertou, em matéria publicada no dia 24 de janeiro de 2016, no portal de notícias Globo.com, que as estatísticas desse tipo de crime são subnotificadas, pois não há registros centralizados e oficiais no país. Nesse caso, a realidade pode ser ainda pior.


            São numerosos os exemplos de crenças coletivas preconceituosas, cuja descrição não cabe nessas poucas linhas do presente artigo: desde pessoas que justificam um estupro porque uma mulher usava short curto até quem acredita, ainda, em pleno século 21, na fantasia da superioridade “racial” ou étnica de um povo sobre outro. Há quem ache normal o fato de mulheres perceberem salários menores do que os homens para executar as mesmas tarefas laborais no mercado de trabalho, mesmo possuindo nível de escolaridade e tempo de serviço similares. 


           Há pessoas que alimentam preconceitos e são terminantemente contra a presença de imigrantes em seu país(um exemplo de xenofobia). De vez em quando, cidadãos de países subdesenvolvidos, portando toda documentação legal e preenchendo todas as exigências cabíveis, são injustamente barrados, mal tratados, presos e até deportados em divisões de imigração de aeroportos de países desenvolvidos. Existem pessoas que, assumidamente, não gostam de pobres; outras,adoram explorá-los por meio da oferta de subempregos ou trabalhos mal remunerados. Esse último exemplo se enquadra no preconceito de classe social, tão presente na história do Brasil e que se constitui numa marca característica das persistentes desigualdades sociais do país.


            O campo do fanatismo é fértil em situações marcadas pelo preconceito, que podem, inclusive, levar pessoas à morte, como o religioso e o esportivo, por exemplo. Atualmente, é triste constatar que, em alguns países, membros de minorias religiosas são assassinados por extremistas simplesmente por expressarem sua fé. No esporte, às vezes, nos deparamos com notícias de torcedores que foram assassinados em confrontos com membros de torcidas organizadas em estádios de futebol – um local que deveria servir à diversão e ao lazer é transformado em palco de guerra em nome do preconceito e da intolerância, aliás, dois sentimentos que, frequentemente,“andam de mãos dadas”, pois o preconceito gera intolerância que, por sua vez, é um combustível para a violência.


            É inaceitável que o preconceito, um sentimento tão deletério, raso e excludente, ainda seja disseminado na sociedade, pois ele não apenas fomenta julgamentos pré-concebidos ou atos de injustiça, mas também pode provocar a morte de pessoas inocentes.

           



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