Sérgio Piva

Quem vê cara não vê tostão

Quem vê cara não vê tostão

Por Sérgio Piva

Por Sérgio Piva

Publicada há 6 anos

As histórias sobre fatos ocorridos no comércio local, que hoje quase não se ouvem mais, eram como lendas urbanas há algum tempo. Como a de um homem que entrou em certa revendedora de tratores com roupa surrada, alguns rasgos no tecido, suja, provavelmente em razão do trabalho duro, carregando um saco de estopa nas costas e foi ignorado pelos vendedores e demais funcionários. Descobriu-se, depois, que aquele saco estava cheio de dinheiro, pois o tal homem tinha ido até a loja para comprar um trator novo para seu sítio ou fazenda, dependendo da versão da história, à vista, em grana viva, uma nota em cima da outra.


Contam também que o caso só foi descoberto porque o cliente, como não foi atendido em nossa cidade, teria ido à outra filial da revendedora, numa cidade vizinha, que também muda de nome de acordo com o contador da história, onde, é claro, teria sido recebido com atenção e questionado sobre o porquê de não ter comparado a máquina na cidade de origem, tendo contado todo o ocorrido. Se a história realmente aconteceu ou foi criada para protestar contra o atendimento de vendedores no comércio, não sei, só sei que foi assim, como diria o personagem de Ariano Suassuma, no Auto da Compadecida.


Outra história, essa verdadeira, porque ouvi da boca do próprio injustiçado, aconteceu com um amigo, que foi até uma relojoaria para comprar um presente para a namorada, com dinheiro no bolso, já que havia recebido o décimo terceiro e, entre todas as opções de gasto, resolveu investir no que achava ser o mais promissor. Adentrou na loja e começou a examinar as caixinhas de música expostas na vitrine. Ele já havia decidido que esse seria o presente, tinha visto aquelas caixinhas diversas vezes, quando passava pela calçada, no entanto, foi a primeira vez que entrara na loja para ver mais de perto e escolher entre os diversos modelos.


Assim que entrou, e começou a buscar pelo modelo favorito, a vendedora aproximou-se e lançou a pergunta clássica: “o que deseja?”. Eu, normalmente, respondo que quero o produto de graça ou, no mínimo, com cinquenta por cento de desconto. Não pediram para que eu expressasse meu desejo? Meu amigo, porém, apontou para a caixinha de música a qual havia escolhido, aquela que sua amada merecia, e perguntou o preço, para o que a vendedora respondeu com toda calma, com ar de Madre Tereza de Calcutá: “essa aí é muito cara, mas tem as outras, aqui do lado, que estão com um preço muito bom”. Ele não pensou meia vez, olhou direto nos olhos da santa e disse: “Pois fique com ela e todas as outras, que vou comprar em outra loja”.


Deixando os casos passados, vamos ao mais recente, quando outro amigo, após a esposa ter recebido parte de uma herança, resolveu trocar seu carro usado, bem usado, por um veículo zero-quilômetro. Partiu para o test-drive nas revendedoras da cidade. Ele me disse que foi recebido com certa desconfiança nos dois lugares onde foi examinar os veículos. Imaginava que a razão seria a de estacionar seu carro velho, de pouco valor financeiro, na entrada das lojas e já ser observado desde sua chegada. Carro velho, roupa simples, sorriso tímido, bingo! Não tem dinheiro.


Em uma delas chegou a experimentar o carro e deram a esperada atenção. No entanto, ficou nisso, nenhum telefonema posterior, nenhuma tentativa de negociação. Em outra, foi atendido e informado que o veículo pelo qual perguntou não estava disponível para teste, pois não havia nenhum exemplar na loja, porém, assim que chegasse, seria avisado. O vendedor até anotou o número do telefone dele para o contato. O coitado está esperando até hoje. Isso faz três anos, mas o veículo não chegou ainda. Resultado, ele comprou o carro em outra cidade, em uma concessionária da qual, além de ser bem atendido, recebeu vários e insistentes telefonemas, após o teste do veículo, com todo tipo de proposta a facilitar sua aquisição, mesmo tendo estacionado seu carro velho na entrada daquele estabelecimento comercial.


Segundo meu amigo, o maior problema não é não ter dinheiro ou, usando expressamente as palavras dele: “o pior não é ser pobre, é ter cara de pobre”. Não sei se ele vai conseguir mudar aquela cara, enquanto isso, vamos acreditar nos cursos de treinamento de vendas, para que possam orientar os vendedores com suas estratégias de como cativar o cliente e fazer o básico, não julgar ninguém pela aparência ou, se essa for a inevitável primeira impressão, que o segundo passo seja o de atender o cliente, ouvi-lo com atenção, depois realizar seu julgamento com relação a sua capacidade financeira.




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