HISTÓRIAS DO T

Clube da Memória

Clube da Memória

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 6 anos


Nos tempos da minha infância, as pessoas simples da roça tinham lá a sua linguagem própria, o seu jeito de viver e sua maneira de falar as coisas. Lembro-me que os pais e os avós brincavam com as crianças, quando elas perguntavam como haviam nascido, dizendo que haviam sido trazidas no bico da “Dona Cegonha”. Minha Noninha italiana, sempre amorosa e bem humorada, dizia orgulhosa que seus netinhos eram todos muito bonitos, porque haviam sido encontrados nas “flores das abobreiras”. Meus pais diziam rindo, que eu fui encontrado debaixo de um pé de café!


Sempre achei muita graça dessas histórias, mas pensando bem, eu realmente nasci e cresci no meio das grandes lavouras de café Sumatra, aqui da nossa região. Disso eu lembro vagamente, mas conta minha mãe, que quando eu era bem pequeno, aí pelos dois ou três anos de idade, ela e meu pai me levavam para os cafezais da fazenda onde moravam e trabalhavam como colonos. E conta ela, que eu tinha a mania de pedir para meu pai me carregar nas costas, dizendo: “Paizinho, leva eu na costa, ôôô!”. Impressionante.


Antigamente o povo da roça era muito mais devoto e um tanto supersticioso, tanto que toda imagem de santo que se quebrasse em casa ou em uma capela, era colocada sempre ao pé de um cruzeiro. E no caminho da roça que meus pais “tocavam”, havia um grande cruzeiro de madeira, com muitas imagens quebradas. Eu sempre fazia minha mãe parar ali e enquanto não beijasse um a um aqueles santinhos quebrados, não havia quem me tirasse dali. Eu achava que eles estavam machucados e meus pais reforçavam essa idéia, dizendo que eles ficaram assim porque caíram um tombo, do lugar onde estavam. Caipira quando fala de queda, sempre diz que o caboclo caiu um tombo.


E minha mãe coitada, tinha pressa, porque nessa época, era ela quem levava o almoço para o meu pai, meu avô e meus tios. A “bóia” como eles diziam, precisava chegar bem quentinha e sempre na hora certa. O povo da roça tinha sua sabedoria e seguia ao pé da letra os horários do almoço, da merenda, do jantar, da hora de se deitar e de se levantar.


Na época da colheita de café, a colônia vivia dias de muita movimentação, um verdadeiro clima de festa. O trabalho que era feito em mutirão, reunia homens, mulheres, moços e crianças, sempre ocorria entre os meses de maio e junho, mas em algumas grandes fazendas da região a colheita se estendia até o final de agosto.  

Eu nasci na roça e enquanto morei no campo, desde muito pequeno participei das colheitas e nas primeiras empreitadas eu “ajudava” na derriça do café derrubando os frutos com as mãos, além de limpar os troncos dos cafeeiros, afastando os grãos das folhas e gravetos para que os adultos pudessem rastelar e peneirar o café. Nas horas de folga, a alegria da criançada era encontrar nos montes os “felipes de café”, aqueles frutos com dois ou três grãos grudados.


Outra coisa que era bonito de se ver era famílias inteiras trabalhando em mutirão, cantarolando o dia todo, amontoando os frutos com os rastelos e abanando o café em grandes peneiras. Depois colocavam aqueles vistosos frutos vermelhos e verdes em grandes sacas de lona, com duas linhas horizontais nas cores verde e amarelo e um grande emblema de uma rama de cafeeiro onde estava escrito “Café do Brasil”. Quando as sacas estavam bem cheias de frutos, costuravam a boca das sacas com barbante, usando grandes agulhas. As sacas eram empilhadas nos “carreadores” para o transporte que era feito com o uso carroças ou carros de bois e depois eram levadas para armazenagem na grande tulha da fazenda. Eram dias de muita animação.


Quando terminava a colheita dos “talhões dos cafezais”, o café armazenado na tulha era levado para o “terreirão”, uma enorme área cimentada, onde era espalhado com grandes rodos para secagem. E quando a produção era muito grande e não cabia no terreirão, os colonos improvisavam encerados em terrenos planos ao lado das casas da colônia, onde o café também era espalhado para secagem. Esse serviço era como um ritual, feito com muito cuidado, mantendo a tradição dos antigos. Durante o trabalho os homens se revezavam passando o rodo, revolvendo o café duas ou três vezes por dia, durante sete dias, para que a secagem ocorresse de maneira uniforme. Se São Pedro ameaçasse mandar chuva, era preciso correr contra o tempo e amontoar o café no meio do “terreirão”, cobrindo com encerados de lona bem grossa. Depois da secagem, o café era novamente ensacado e guardado na tulha, onde o pessoal esperava o tempo certo, torcendo pela alta do preço, para vender a safra aos grandes comerciantes das máquinas de benefício da cidade.


Outra coisa boa daqueles tempos era o cheiro do café torrando perfumando a colônia, com o torrador de café girando o tempo todo, sobre um pequeno fogareiro à lenha, improvisado no meio do quintal. Depois de torrado, o café era guardado em latas de 20 litros, onde também se guardava a banha de capados. E aí, todas as manhãs, também na hora da “merenda da tarde”, ou quando chegavam visitas em casa, o café era retirado da lata, colocado num moedor manual e depois de moído e passado, ia para o bule. Tudo era artesanal, feito e servido na hora e talvez por isso mesmo, aquele legítimo café da roça, era o melhor do mundo! O mais saboroso!

E quando a colheita do café era boa, o povo festejava muito. Afinal, era o resultado e a recompensa de um ano de muito trabalho e suor. Assim, as famílias faziam suas novenas e terços como forma de agradecimento pelos bons resultados da safra e nas noites de sábado, havia também os bailes, as famosas gafieiras onde o povo da redondeza se ajuntava e varava a noite dançando ao som de uma boa e bem executada sanfona.  Semana que vem tem mais. Até lá.  




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