Claudinei Cabre

Histórias do Tempo do Botinão

Histórias do Tempo do Botinão

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 8 anos

Quem viveu o auge de sua juventude aqui em Fernandópolis, lá por volta dos anos 60 e 70, vai se lembrar direitinho de como eram as coisas naqueles tempos. Apesar das nossas escassas alternativas de lazer, a gente vivia esperando todo final de semana, contando nos dedos os dias e as horas que faltavam, para poder reunir a “patota” e pegar um cinema, depois emendar um passeio pelo footing da Praça da Matriz, com direito a uma esticada numa quermesse e fechar a noitada fazendo uma seresta. 


Outra alternativa era matar o tempo, dando um nó no canudinho de coca-cola, com meia dúzia de amigos, “empatando” uma mesa do Minuano, o ponto de encontro da moçada, esperando dar a hora de rumar para o salão do FEC e curtir mais uma brincadeira dançante, ou aquele baile de gala tão aguardado.


Mas, para quem ainda não havia atingido a maioridade, ou seja, completado dezoito anos , a vida era mais do que complicada. Primeiro porque nossos pais eram prá lá de rigorosos, duros na queda, sempre impondo horário pra gente chegar em casa. As mocinhas, coitadas,eram levadas no “cabresto curto”, ou seja, tinham de estar em casa até no máximo dez horas da noite. Com os rapazes, até que havia uma certa tolerância quando infringiam o horário combinado. Mas o “sabão” era sempre certo.


Havia uma amiga da nossa turma, que sempre chegava em casa, rigorosamente, antes das dez da noite. Conversava com os pais, dava boa noite e ia para o seu quarto. Uma hora depois, quando todos da casa já estavam dormindo, ela jogava alguns travesseiros sobre a cama e um cobertor sobre eles. Abria a janela cuidadosamente, saindo pé ante pé, para voltar ao encontro da turma. Um dia, coitada, seu plano foi descoberto. Um escândalo, uma vergonha, naquela família tão recatada e tradicional. Resultado: além do “Sermão da Montanha”, ficou de castigo um mês inteiro sem poder sair nos finais de semana com os amigos.

     

Mas havia algo pior que isso. E os menores daquela época, sabiam muito bem do risco que corriam, tanto que a gente sempre ficava de olhos bem abertos, em estado de alerta o tempo inteiro. Esse algo pior, era a temida perua Kombi branca, do Juizado de Menores, pilotada pelo Oficial de Justiça e também Comissário de Menores, Antonio dos Santos, o famoso Tonicão, que fazia a ronda noturna pelas ruas da cidade vasculhando bares, quermesses, salões de snooker e outros lugares proibidos e impróprios para menores.


Alto e forte, sempre elegante com o seu chapéu de feltro preto, trajando uma impecável camisa branca de linho e calça azul marinho de legítimo Tropical Inglês, Tonicão, pelo seu tamanho e postura, impunha ordem e o respeito. Ele sempre chegava de surpresa em suas abordagens e olhando para o menor ou menores, mostrava com o dedo da mão direita, o marcador do horário do relógio indicando que já era mais de dez horas, portanto, era hora de ir pra casa. A conversa era bem curtinha. Aliás, Tonicão não era de muita conversa. E nessa hora ninguém discutia, porque não seria um bom negócio desacatar uma autoridade em público e sair do local sendo levado prá casa, no banco do carona daquela perua kombi. Se isso acontecesse, seria o pior dos mundos, porque mais tarde com os nossos pais, a encrenca seria bem maior.  


Como não havia outra saída, a gente sempre concordava com sua “recomendação” e dizia que já estava indo. E ia mesmo. Tonicão seguia adiante, sem se preocupar, porque sabia que sua ordem sempre era cumprida ao pé da letra. Pelo menos comigo e com meu grupo de amigos sempre foi assim. Quantas vezes não fiquei com uma baita raiva dele, por ter que deixar uma animada mesa, cheia de amigos maiores de idade, numa quermesse, num barzinho ou sair de uma mesa de bilhar no melhor momento do jogo...


Se com a gente ele era rigoroso, com seus filhos era mais duro ainda. Numa certa noite de sábado, por volta de 22 horas e uns poucos minutos, numa de suas costumeiras varreduras, passando pelo antigo Copacabana Bar, que ficava na esquina da rua Brasil, com a antiga avenida Cinco, hoje Av. Paulo Saravalli, viu seu filho mais novo, ainda menor de idade, belo e folgado sentado numa mesa do bar, feliz da vida tomando coca-cola, acompanhado da namorada. O rapaz tinha 17 anos e a moça 21 anos.


Tonicão chegou na mesa e apontou o dedo para o mostrador do relógio, perguntando se ele preferia ir prá casa sozinho ou de carona na perua do Juizado. Claro que o mocinho não abriu o bico, e quando já estava se levantando da mesa pra pagar a conta, a namoradinha saiu em defesa do rapaz:

--- Sr. Antonio, não tem problema nenhum, ele pode ficar comigo. Fico como responsável por ele, eu sou maior de idade, já tenho 21 anos completos...

Antes que a mocinha continuasse a heróica defesa de seu amado, Tonicão resumiu toda a questão numa simples frase:


--- Moça, acho bom a senhorita fechar o bico, porque senão prendo você, por aliciamento de menor!


Agora quando juntava o velho Tonicão com sua Kombi do Juizado com o famoso, e não menos severo, delegado o “doutor” Divino Domiciano da Silva e seu fiel escudeiro, Sargento Antonio Campos, com aquele veloz jipe capota de aço preto e branco, apelidado por uns de Corinthiano e por outros como “Dona Justa”, aí não tinha salvação. Esse sim era o famoso ‘Trio Parada Dura’ aqui da terrinha. Com eles não tinha moleza e a conversa era bem curtinha mesmo. 


Aí no começo da década de setenta, prá endurecer ainda mais o jogo, chegou o serviço de Rádio Patrulha com aqueles fuscas vermelhos e pretos, logo apelidados de “Joaninhas”. Aliás, a Rádio Patrulha fez tanto sucesso que a antiga Rádio Educadora Rural lançou um programa policial chamado Patrulha 1490, lembra? Bons tempos aqueles. Semana que vem tem mais. Até lá.






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