Carlos Eduardo

Muros e Grades

Muros e Grades

Por Carlos Eduardo Maia de Oliveira - Professor e Biólogo

Por Carlos Eduardo Maia de Oliveira - Professor e Biólogo

Publicada há 6 anos

            “Nas grandes cidades do pequeno dia a dia, o medo nos leva a tudo, sobretudo a fantasia, então erguemos muros que nos dão a garantia de que morreremos cheios de uma vida tão vazia... Nas grandes cidades de um país tão violento, os muros e as grades nos protegem de quase tudo, mas o quase tudo quase sempre é quase nada, e nada nos protege de uma vida sem sentido...” (trechos da canção “Muros e Grades” da banda “Engenheiros do Havaii”).


            Muros altos, grades, cercas elétricas, câmeras de segurança, alarmes monitorados, seguranças de uma empresa terceirizada e condomínios fechados. Toda essa parafernália e recursos, humanos ou não, são para nos livrar da violência urbana, pelo menos em nossas residências. Podemos nos encastelar e fugirmos, eventualmente, de um assalto à mão armada ou talvez de um furto em nossas casas. No entanto, tentamos a qualquer custo evitar a violência em nossos quintais, mas a encontramos nas ruas, forçando-nos, como preconizado na letra da canção, a levar uma vida sem sentido, nos trancafiando no interior de nossos lares, cercados por grandes muros e grades.


            A estatística relacionada à violência no país parece justificar todo esse resguardo da população. De acordo com os dados do Atlas da Violência 2017, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2015 foram cometidos 59.080 homicídios no Brasil em municípios com mais de 100 mil habitantes. Isso significa 28,9 mortes a cada 100 mil pessoas. Em 2005 ocorreram 48.136 homicídios.


            Para se ter uma ideia de como esses números são superlativos, em toda Guerra do Vietnã, que durou quase 20 anos (de 1° de novembro de 1955 a 30 de abril de 1975), morreram 58 mil americanos, ou seja, em um ano a violência fez mais vítimas no Brasil do que soldados de um país em duas décadas de uma guerra sangrenta.


            As maiores vítimas da violência no Brasil são homens jovens, que representam 92% das pessoas assassinadas. Apenas em 2015, foram 31.264 homicídios de pessoas com idade entre 15 e 29 anos. Entre 2005 e 2015, mais de 318 mil jovens foram assassinados no país.


            A cada 100 vítimas de assassinato no Brasil, 71 são negras. Além disso, essas possuem chances 23,5% maiores de sofrerem um homicídio no país, de acordo com informações do Atlas da Violência 2017.


            Mas como amenizar esse grave problema de segurança pública no país? Seja qual for a solução, podem ter certeza, ela não é tão simples como alguns acreditam. Digo isso porque é comum, nesse caso, depararmo-nos com propostas de soluções embasadas em clichês e frases feitas em redes sociais e em rodas de conversa, mas, na verdade, a raiz dessa adversidade e seus possíveis fatores mitigadores são muito mais complexos e abrangentes. É o que revela a publicação “Violência e segurança pública em 2023: cenários exploratórios e planejamento prospectivo”, lançada no fim de novembro de 2016 durante um seminário realizado no Ipea, que mostra “os fatores que alimentam a escalada da violência no país, aponta o quadro de incertezas e projeta cenários e tendências que podem ser revertidos até 2023”.


            Essa pesquisa reúne uma série de estudos, realizados por especialistas, voltados para a pergunta básica: é possível reduzir a criminalidade no país até 2023? A análise é bastante abrangente e apresenta tendências, incertezas e algumas conclusões. Chama a atenção o seguinte dado: o acesso à Educação tem forte impacto na redução da violência. Um aumento de 1% na taxa de frequência escolar de jovens com idades entre 15 e 17 anos reduz a taxa de homicídio em 5,8%. Entre 1992 e 2012, a presença dos jovens entre 15 e 17 anos nos bancos escolares apresentou um acréscimo de 59,7% para 84,2%. “Conseguimos comprovar que a maior frequência escolar tem impacto na redução dos índices de violência. O desenvolvimento social é uma forma de prevenção dos altos índices de criminalidade”, resume Helder Rogério Sant’Anna Ferreira, um dos autores da pesquisa.


            Outra pesquisa interessante ligada ao tema foi realizada pelo sociólogo Marcos Rolim, que em sua tese de Doutorado, publicada em livro intitulado “A Formação de Jovens Violentos – Estudo sobre a Etiologia da Violência Extrema (Editora Appris), concluiu que todos os jovens entrevistados, sem exceção, entre 16 e 20 anos de idade que cumpriam pena por terem cometido crimes caracterizados por violência extrema (aqueles que matam ou ferem mesmo sem provocação ou qualquer reação da vítima e que parece estar em alta no país) abandonou a escola entre 11 e 12 anos de idade por motivos banais, tais como: achavam-se “burros” e não conseguiam aprender, achavam a escola chata, o sapato furado era motivo de chacota. Seus amigos de infância continuaram estudando e não entraram no mundo do crime. "Muitos meninos que se afastam da escola são, de fato, recrutados pelo tráfico de drogas e são socializados de forma perversa e, isso, provavelmente deverá se repetir se a pesquisa for reproduzida em outros locais, pois a diferença estatística foi muito forte", diz Rolim em entrevista ao portal de internet BBC Brasil.


            Marcos Rolim destacou que “a prevenção da criminalidade deve levar em conta a redução das taxas de evasão escolar, aspecto que costuma ser negligenciado no país quando o assunto é Segurança Pública”.


            A pesquisa intitulada “Violência e segurança pública em 2023: cenários exploratórios e planejamento prospectivo”, já referida, conclui que não basta investir em políticas públicas que aumentam o encarceramento, mas também é preciso “coordenar, integrar e focar melhor em medidas de prevenção e repressão”. O estudo ainda aborda o problema das drogas, da desigualdade social, da persistência da violência entre os jovens, da atuação do crime organizado no país, dentre outros fatores que fomentam a violência.


            Portanto, desculpem-me aqueles que acreditam que o grave e complexo problema da escalada da violência no país pode ser solucionado com a adoção de medidas simplistas e radicais, defendidas nas redes sociais por meio de frases feitas e clichês, mas não acredito que seja tão fácil assim. Como se observam, problemas complexos demandam soluções bem elaboradas, estruturantes, cujos efeitos serão percebidos a médio e longo prazos.


            Quem sabe um dia, por meio de medidas efetivas, ocorrerá diminuição significativa nos índices relacionados à violência no Brasil, permitindo-nos construir casas menos parecidas com prisões, reduzindo o tamanho dos muros e das grades, para que não levemos uma vida tão vazia, uma vida sem sentido, como destacado na letra da canção.




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