HISTÓRIAS DO T

A primeira professora ninguém esquece

A primeira professora ninguém esquece

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 6 anos

Nos anos setenta durante uma festa no antigo Grupo Escolar “Afonso Cáfaro”, para matar saudades, uma rara foto da diretora Leontina Conceição Siqueira junto com as professoras Belkiss Rolim, Eliete Vidoti, Terezinha, Inês e  Iolanda 



Como amanhã vamos comemorar o Dia do Professor, nada melhor que prestar uma solene e singela homenagem aos nossos mestres. E começo perguntando: será que você ainda se lembra do nome da sua primeira professora? E do nome da sua primeira escola? Se você já “dobrou o Cabo da Boa Esperança” e ainda se lembra disso, sorte sua, você tem uma “memória de elefante”. .Sua escola e seus professores, com certeza, foram muito importantes em sua vida. A primeira escola, a primeira professora, ninguém esquece.


Minha primeira escola foi o Grupo Escolar “Afonso Cáfaro”, que no começo dos anos sessenta ficava na rua Paraíba, esquina com a avenida Américo Messias dos Santos, a antiga e famosa Avenida Doze. O prédio era menor e contava com seis salas de aulas, a sala da diretoria e o consultório odontológico do Dr. Alberto Scaloppi. Na parte da frente haviam grandes árvores de Fícus e nos fundos, o pátio e os banheiros. E até o final dos anos setenta uma frondosa paineira, que um dia, no começo dos anos sessenta, plantamos em comemoração ao “Dia da Árvore”.


Antes do início das aulas, os alunos se reuniam no pátio e se perfilavam em filas indianas, por classes, para cantar o Hino Nacional; só depois adentravam a escola, seguindo em ordem, ainda em filas, até as salas de aulas. Nos dias de solenidades ou de datas comemorativas, havia o hasteamento das bandeiras (os pavilhões) e a apresentação do Orfeão, uma espécie de coral da escola, prá lá de bem afinado.


E todas as manhãs, durante essas solenidades, lá estava à postos a diretora, a lendária Leontina Conceição Siqueira, a “dama de ferro da educação”. Alta e forte ela era uma mulher decidida, disposta, autoritária, disciplinadora e de poucas palavras. Com ela, não havia bagunça, nem moleza. Hoje, com essa tal lei “Antipalmadas”, e esse modernoso “buylling”, com certeza, ela teria sérios problemas. Talvez acabasse com uma coleção de processos. Dona Leontina tinha a mão pesada. Calma, que eu chego lá.


Lembro também que minha primeira professora foi a inesquecível Dona Eliete Vidotti(in memorian). Tenho por ela, um profundo respeito e sentimento de gratidão. Essa alma nobre, foi a segunda mãe de todos nós, que aprendemos com sua inesgotável e amorosa paciência, as primeiras letras do beabá folheando as páginas da cartilha “Caminho Suave”. Lembra dessa cartilha? E do livrinho de tabuada que a gente tinha que decorar?


Do segundo ano, não tenho um pingo de saudades. A professora era a Dona Matilde, uma baixinha de cabelos bem curtinhos, penteados para trás. Não sei se estou sendo injusto, mas acho que os nossos “santos” não se bicavam. Acabeireprovado por ela dois anos seguidos. Sair das mãos amorosas de Dona Eliete e cair nas unhas da Dona Matilde, foi um choque.


Como não há mal que sempre dure, quando fui fazer o segundo ano, pela terceira vez, não sei se foi sorte ou piedade de Deus, fui parar na classe da Dona Fátima Palomar, outra alma nobre e generosa, bonita e doce como um anjo. Gostava tanto dela, que sempre me oferecia para levar os cadernos da classe, para ela fazer a correção das tarefas dos alunos em sua residência. Dona Fátima morava na Rua Minas Gerais, bem pertinho da antiga torrefação do Café Maria Flora.


No terceiro ano, a vida seguiu em paz, porque tive sorte de novo e estudei na classe da Dona Cleide Vasconcelos. Foram tempos calmos. Mas, no quarto ano, não havia escapatória; os professores eram a Dona Terezinha e o“seo” Nelson. E lá fui eu parar na classe da Dona Terezinha, outra baixinha (nada contra os baixinhos e baixinhas), que até hoje, quando fecho os olhos,vejo-a caminhando silenciosa pela sala, com as mãos sempre para trás, carregando uma baita régua de madeira. Era uma mestra muito exigente e disciplinadora, principalmente com a higiene. Traduzindo; ela era brava mesmo!


Sempre pedia para os alunos colocarem as mãos sobre as carteiras, para fiscalizar se as unhas estavam limpas e bem aparadas. A turma da nossa classe, já bem escovada, evitava jogar bolinha de gude no intervalo ou fazer qualquer outra atividade que pudesse ter contato com a terra. Era voltar do intervalo e torcer para não dar o azar de passar por suas ferozes e minuciosas “inspeções de unhas”,sempre feitas de surpresa.


Quem tivesse a unha suja ou comprida, levava uma reguada, batida de quina, na junta dos dedos das mãos. Chorar não podia, segurar as lágrimas não tinha jeito. Naqueles dias duros, a gente aprendia as lições do jeito mais difícil. Só que aprendia e nunca mais esquecia.


Como já disse ante, quase no final do ano, os alunos que haviam garantido boas notas, acima da média 75, podiam retirar livros na biblioteca da escola para ler na classe. Muito “esperto”, um dia coloquei um desses gibis do Tio Patinhas, no meio de um livro de Monteiro Lobato. De bico fechado e cara séria, ria por dentro com o desfecho das historinhas e para o meu azar, Dona Terezinha percebeu. Acho que ela tinha olhos de raios-x. Silenciosa e pisando macio, deu a volta pela classe, e acabou me apanhando em flagrante delito. Fui mandado para o corredor. Quando alguém ia parar no corredor, a classe, a escola inteira, já sabia o que ia acontecer com o infeliz.


Não teve jeito. Não demorou muito e a diretora Dona Leontina logo me avistou. Veio em minha direção rápida, pisando firme e me deu um forte tapa, no meio do rosto. Atordoado, vi o corredor fazendo curvas sinuosas na minha frente. Nunca me esqueci desse dia, nem daquele baita tapa.


O tempo passou e há uns vinte e tantos anos, certa noite me encontrei com Dona Leontina, aqui no terminal rodoviário. Casualmente começamos conversar e ela me perguntou o que estava fazendo na vida. Conversa vai, conversa vem, acabei dizendo a ela que tinha sido seu aluno no Grupo Escolar “Afonso Cáfaro”. E para meu espanto, ela lascou: Eu sei! E sei até o seu nome completo”, disse rindo. Então, testei sua memória e me espantei de novo. Ela sabia mesmo.


Naquela época, do alto de seus 80 e tantos anos, aquela mulher lúcida e serena, que sempre dizia que “a alma de toda educação é a educação da alma”, conversava como a doçura de uma velha e querida amiga. E por indelicadeza, lhe disse do tapa que um dia me deu, e que nunca esqueci. E ela, séria, me olhando com aqueles profundos olhos negros de índia (diziam que ela era índia), falou calmamente: “Mas vocês eram meninos terríveis, eram muito levados e a gente tinha que ser firmes com vocês!”


Pensou um pouco, e arrematou: ”Sabe de uma coisa? Eu tenho o maior orgulho dos meus meninos. Hoje todos são homens de bem, trabalhadores, bons chefes de família. Nenhum deles virou bandido!”. Semana que vem tem mais. Até lá.




últimas