José Renato To

Fardo Tropical

Fardo Tropical

Por José Renato Sessino Toledo Barbosa

Por José Renato Sessino Toledo Barbosa

Publicada há 7 anos

Vinte e cinco de abril completam-se quarenta e dois anos do fim da execrável ditadura salazarista. Caiu de podre na chamada “Revolução dos Cravos”. Dez anos depois, assumia meu ofício: entrava pela primeira vez numa sala de aula, com a tarefa de ensinar. Confesso que o fiz imbuído de sentimentos semelhantes: mudar o mundo. Embora naquela manhã de vinte e cinco de abril de 1984 acordamos tristes e frustrados, com algo cujo resultado sabíamos de antemão, todavia sonhávamos: a derrota da emenda “Dante de Oliveira”, cujo propósito era restituir o direito ao sufrágio universal e solapar nossa maldita ditadura. Vale lembrar: durante essa mesma maldita ditadura brasileira, Chico Buarque de Holanda compôs “Tanto Mar”, censurada. A razão? Uma alusão à citada ruptura portuguesa. A letra diz: “Foi bonita a festa, pá/ Fiquei contente


Ainda guardo renitente um velho cravo para mim/ Já murcharam tua festa, pá/ Mas certamente esqueceram uma semente n’algum canto de jardim/ Sei que há léguas a nos separar/ Tanto mar, tanto mar/ Sei, também, como é preciso, navegar, navegar/ Canta primavera, pá/ Cá estou carente/ Manda novamente algum cheirinho de alecrim”.


No original, a letra ao final diz: “... Canta primavera, pá/ Cá estou doente/ Manda urgentemente algum cheirinho de alecrim”.


A anistia de 1979 liberou a música com essa modificação, a qual, não altera o teor poético do todo. Por que estou a me referir a tudo isso?


Não recebemos o “cheirinho de alecrim”. Os ventos da renovação portuguesa. Continuamos doentes. Portugal, em poucas décadas, saiu do ostracismo continental. Adentrou ao mercado comum europeu, no meio dos “países bem aventurados”. Deixou de ser visto e tratado com a escória da Europa. Seus cidadãos deixaram de ser mão de obra barata e destinada a tarefas braçais, aquelas cujos europeus ricos se recusavam a executar. Passaram a disputar vagas em igualdade de condições. Ouso dizer que até a arte, em especial a literatura portuguesa, passou a ser vista e revista com o devido respeito. 


A Europa e o mundo conheceram José Saramago, Lobo Antunes e finalmente, Fernando Pessoa ganhou a devida estatura de gênio. Sem o “cheirinho de alecrim”, fomos, sem ter ido. Saímos da ditadura militar, sem ter saído. A frase do último general a ocupar o trono em Brasília, é definitiva. 


Quando perguntado por um repórter acerca do ocorrido, General Figueiredo, virou-se para o palácio do planalto e disse: “- Só eu que saí?”. Irônico. Frase tão sábia, dita por um energúmeno, que afirmara “preferir cheiro de cavalo a cheiro de povo”. A saída dos “milicos” manteve no poder um de seus prebostes mais servis: José Sarney. O principal artífice da derrota das “Diretas Já”, foi guindado à condição de presidente pós-militares, depois de estranhamente Tancredo Neves adoecer e ser internado. Para do hospital ir para o cemitério. 


Assim, assumiu interinamente, até o anúncio oficial da morte do “cadáver adiado”. Quatro anos de Sarney? Não. Cinco anos de poder. Um plus em meio a uma bandalheira de compra de aprovação de aumento de mandato, cujo preço pagamos até hoje. Depois de Sarney, Collor. Sem comentários. Derrubado em meio a bandalheiras praticadas igualmente, antes e depois dele, todavia, com resultados diferentes. Itamar e FHC, doidinho para sentar na cadeira de presidente, como ministro do real. Mais um golpe. 


O proselitista e falacioso plano deu a FHC seu sonho: virou presidente. Privatizações criminosas, desemprego, recessão e mais uma bandalheira: a escandalosa compra de votos para recandidatar-se. Conseguiu. Novamente: custou caro aos bolsos do povo. Durante o processo de implante da política neoliberal, essa de desmonte do Estado, em particular, quanto às reformas da previdência, chegou a bradar: “- Quem se aposenta aos cinquenta anos, é um vagabundo!”. Detalhe: sua primeira aposentadoria – tem mais de cinco – se deu aos trinta e seis anos. Nessa idade o cidadão é o que? Terminado seu reinado, oito anos de Lula. Passados alguns anos, vejo como uma época de prosperidade, alguns avanços nas conquistas sociais. Tímidos. Poucos. 


Porém, nunca havia ocorrido nada semelhante. No entanto, também me recordo que no dia de sua posse, comentávamos, eu e a Jacqueline: “- Lutamos tanto por esse momento, agora não significa nada”. Pois, o preço para a vitória de Lula foi caro. Alianças escusas e concessões aos montes. Bem sucedido, emplacou sua sucessora. Isso foi demais para aqueles que ficaram de fora nesses oito anos. Não me refiro à elite econômica, na medida em que ganhou dinheiro como nunca. Falo da classe dos políticos “excluídos” do poder. 


Os primeiro quatro anos de Dilma foram sob tensão, crise, escândalos e incompetência do PT. A herança corrupta e eleiçoeira de Lula deixaram cicatrizes em sua administração. Graças ao carisma de Lula, foi reeleita. Aí não teve jeito: fazer aquilo que essa “elite” mais sabe: dar golpe. 


Agora, vinte e cinco de abril de dois mil e dezesseis, Portugal respira mudanças. Há problemas. São inerentes ao modelo econômico capitalista e neoliberal e, lógico, fruto desse projeto fracassado, chamado humano. Na educação, apenas respiro. “... Sem ideal, nem esperança...”, para lembrar o gênio português, Fernando Pessoa. E o Brasil? Continua precisando do “cheirinho de alecrim”.




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