HISTÓRIAS DO T

Lembra do 'Nino sem Braços'?

Lembra do 'Nino sem Braços'?

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 6 anos

O saudoso “Nino Sem Braços” ao lado de seus amigos do tempo da Escola Técnica de Comércio, em pose ao lado da antiga Fonte Luminosa da praça Joaquim Antonio Pereira; Da esquerda para a direita, Oswaldo ( ex-Anderson & Clayton), Nino (em pé), Moisés (ex-Banco do Brasil), Moacir Pontes e Hélio Gazeta. 



Conheci Luiz Antonio dos Santos, lá pela metade dos anos sessenta. Franzino e portador de uma rara deficiência física que impressionava as pessoas, ele chamava a atenção de todos, onde quer que estivesse, por onde quer que passasse. Era um homem elegante e refinado, sempre trajando calças escuras, sustentadas por suspensórios e sempre com uma impecável camisa de linho branco, onde carregava no bolso uma legítima caneta Parker 51. Naquela época, não era todo mundo que tinha uma Parker 51 e justamente isso, por sua deficiência, esse detalhe intrigava e chamava ainda mais a atenção das pessoas.  


Luiz Antonio dos Santos era o lendário “Nino Sem Braços”, uma das figuras mais emblemáticas da história de Fernandópolis. Ele não tinha os braços, mas nem por isso deixou de se alfabetizar, chegando inclusive estudar e se formar em contabilidade na antiga Escola de Comércio. Com todas as limitações impostas pela sua deficiência, Nino era um sujeito bem resolvido, sempre bem humorado, sempre de alto astral e querido por todos. Era um homem culto, bem informado e muito inteligente, dizem até hoje, os amigos mais próximos.


Ele morava com sua mãe numa casa simples, nos fundos da antiga Uselpa (primeira empresa geradora de energia elétrica da cidade) que ficava onde hoje é a sede regional da Sabesp, na Avenida Américo Messias do Santos, defronte o monumento da Munhéca. Dizem que aquele monumento da Munhéca, tem o seu nome, mas no local não há nenhuma placa indicativa.


Todas as manhãs ele saia cedo de casa e o seu primeiro ponto de parada era a Agência Caiçara, do saudoso Osmundo Dias de Oliveira, onde comprava o jornal Gazeta Esportiva, já que era apaixonado por futebol e torcedor fanático da ABE Associação Bancária de Esportes, que depois se tornou Fefecê. Fosse o Mário ou o Agnaldo que estivesse no balcão da Caiçara, ele abria a boca e pedia uma bala “Piper”. Com o jornal preso junto ao suspensório ou colocado enrolado no bolso da calça, seguia para o Bar Cinerama ou o Bar Picollino, que ficavam no mesmo quarteirão. Pedia uma cerveja ou um chopp, que bebia prendendo o copo entre os dentes e lia o jornal inteiro, folheando página à página com a boca. Determinado, aprendeu escrever com o pé, prendendo o lápis ou a caneta entre os dedos, com o pé direito, sobre uma prancheta inclinada, apoiada no chão.


Um belo domingo, no começo de 1969, a cidade de Fernandópolis participou do programa Cidade x Cidade, na  extinta TV Tupi, Canal 4, em São Paulo. O programa animado por Silvio Santos, fazia grande sucesso na época. Com um corpo de jurados famosos e torcidas das duas cidades no auditório, o programa era um tipo de gincana, disputado quadro à quadro, ponto à ponto  entre  as duas cidades participantes. O Brasil parava nas tardes de domingo, para ver o Cidade contra Cidade. Era um acontecimento.


 Fernandópolis disputou contra Brazópolis e no quadro onde cada cidade deveria apresentar o seu “personagem fora de série”, Brazópolis que fica no Sul de Minas, trouxe para o palco um sujeito fortão, acostumado a levantar um saco de arroz, mordendo a saca, mostrando força nos dentes. E o fortão foi lá e fez sua tarefa, erguendo a saca de arroz até à altura do peito. O público aplaudiu, os jurados ficaram impressionados.


Aí entra o personagem de Fernandópolis, o franzino Nino, acompanhado de seu fiel escudeiro, o Ariranha. O fato dele não ter os braços chocou a plateia de Brazópolis e os jurados do programa. Nino se apresentou com naturalidade, bem humorado e fez um discurso, saudando a produção do programa e as

duas torcidas que lotavam o auditório. Ariranha, meio que agachado atrás dele, gesticulava com os braços, sempre com dedo indicador em riste; “ Povo de Fernandópolis, povo de Brazópolis, senhores jurados...” Até aí, para a torcida de fernandopolense, nenhuma novidade, já que a dupla fazia isso sempre.


Mas após o discurso, de repente, Nino se vira para Sílvio Santos e pergunta se pode escrever uma carta. Curioso, o “homem do Baú” perguntou como ele iria fazer aquilo, se não tinha os braços e logo, nem as mãos? Nino riu muito e com a concordância de Silvio Santos, rapidamente Ariranha providencia uma cadeira, coloca a famosa prancheta apoiada no piso do palco, retira o sapato direito de Nino e ali coloca a caneta Parker 51, entre os dedos do pé. Nino escreve a carta endereçada ao apresentador.


Para o espanto de todos da produção do programa, da cidade rival e até dos fernandopolenses ali presentes, a caligrafia com a letra arredondada e perfeita do pequeno texto, causa comoção. O auditório vem abaixo, os jurados, alguns emocionados, aplaudem de pé. O câmera man se aproxima e faz um close da caligrafia de Nino. O Brasil inteiro viu aquilo. Nino ganhou a prova, Fernandópolis venceu a competição e ganhou uma ambulância doada pelo programa. No final do programa, aqui teve muita gente soltando foguetes, comemorando o feito. Para nós, Nino virou herói nacional.


Nesse dia, Luiz Fernando Prates da Fonseca, da Fernandópolis Lotérica, ainda morava em Lins e passava o domingo na casa de seu sogro. Ele conta que seu sogro que era professor, ficou impressionado com a caligrafia da cartinha do Nino e chamou todos da família para que viessem ver aquilo. Mais tarde, Fernando se mudou para Fernandópolis e mal poderia imaginar, que se tornaria amigo pessoal do Nino, que por um bom tempo, trabalhou em sua casa lotérica vendendo bilhetes de loterias. O mundo é mesmo pequeno.


Mas bom mesmo, era ver o Nino nas arquibancadas do Estádio Municipal, então denominado “John Kennedy”, torcendo pela ABE. Gozador como era, mal começava a partida, logo ele ficava de pé e começava  “elogiar” o goleiro adversário, a mãe do juiz ou do bandeirinha do jogo, e quando não tinha o Ariranha para se postar atrás dele e começar gesticular com os braços, sempre com o indicador em riste, logo aparecia o Jacão Arnaldo, que fazia a mesma coisa. Aquilo era a alegria da torcida, sempre um divertido show à parte durante os jogos de futebol. Aqui em Fernandópolis ou onde a ABE fosse jogar.


Devido sua deficiência, desde muito cedo Nino aprendeu se defender bem, principalmente em caso de quedas, quando procurava cair de costas sempre inclinando a cabeça para frente. Um dia, lá pela metade da década de setenta, caminhando diante de uma casa, onde a calçada acabara de ser lavada, escorregou e acabou batendo com a cabeça no chão. Foi levado para o hospital onde ficou em observação. Seu quadro clínico piorou e três dias depois acabou vindo à óbito, não por causa da queda, mas devido à uma infecção hospitalar. Antonio Luiz dos Santos é mais um desses ilustres fernandopolenses, que ficaram conhecidos na cidade apenas pelo seu apelido. Bem  que o  nosso “Nino Sem Braços” poderia ser homenageado como nome de alguma rua, praça ou escola. Fica então, a sugestão para os nobres vereadores. Semana que vem tem mais. Até lá.




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