HISTÓRIAS DO T

'Tiro Bunda'; a nossa lagoa encantada

'Tiro Bunda'; a nossa lagoa encantada

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 6 anos


Dia desses, numa loja da cidade, encontrei  um velho e bom  amigo, desses do Tempo do Botinão, o Nelson Fernando dos Santos, que acabou se aposentando como funcionário do Banco do Brasil e que foi meu companheiro de classe no Grupo Escolar Afonso Cáfaro. Foi muito  bom encontrar o Nelsinho, até porque recordamos e rimos muito das nossas peripécias e traquinagens daqueles velhos e bons tempos.


 E a conversa fluiu ainda gostosa depois que ele disse a palavra mágica: lembra do “Tiro Bunda?” Foi o bastante para lembrarmos das nossas primeiras incursões pelas lagoas e  brejos da vida, onde aprendemos nadar e fizemos nossas primeiras pescarias de lambaris, trairas e outros bichos. Naquela época, lá pela metade dos anos sessenta, os meninos da minha rua, a antiga e famosa Avenida Doze, sempre se reuniam no campinho de futebol que nós mesmos fizemos, onde hoje é a pracinha do Jardim Santista, mas que pouca gente sabe que se chama  de fato e merecimento “Valtrudes Baraldi”. Dali a gente reunia a turminha e partia em grupo para nossas aventuras à lá Indiana Jones.


Lembro que um dia, um dos meninos chegou meio que afobado, com uma grande notícia, uma novidade e tanto. Sabe lá Deus como, ele acabou descobrindo um açude enorme, raso e fundo, lindo e de águas cristalinas, escondido numa das baixadas  da antiga  fazenda dos Ingleses. A tal represa encantada ficava  do lado de lá da linha do trem, na direção do antigo cafezal da fazenda Mininel, seguindo pela estrada de terra batida que vai para Meridiano. E o curioso é que o lugar, a represa,  tinha até um nome: era o Tiro Bunda!


Tinha esse curioso nome porque diziam que o capataz da fazenda, um sujeito grandão e bravo, vigiava dia e noite aquela lagoa, montado em um cavalo baio, sempre munido de uma espingarda de sal e atirava no trazeiro daqueles que se aventurassem nadar ou pescar no lugar. Lembramos também que até que havia uma placa avisando que era proibido pescar e nadar naquela represa.  E rimos muito, claro. Afinal não seria uma plaquinha de aviso que ia intimidar a molecadinha. Sempre ia um batedor na frente do grupinho pra observar se o tal capataz estava pelas redondezas. Igual macaco-prego quando vai atacar uma roça, o nosso batedor subia em árvores, olhava em todas as direções e depois assoviava, avisando que não havia perigo. Era uma festa, todo mundo correndo em direção à represa. E o mais interessante é que durante todo o tempo que nós frequentamos aquele açude, nunca vimos o tal sujeito, nem de longe.


Foi alí que a maioria dos meninos da nossa turma aprendeu a nadar, ajudados pelos mais velhos, que já dominavam a arte de cortar a água nas braçadas ou nos mergulhos. E aprendemos ao nosso modo os estilos de nado de braçada, cachorrinho e marinheiro. Nadar de costas foi outra coisa que a gente também descobriu por conta própria. Até que um dia, um dos gênios da turminha, teve uma brilhante idéia.


Havia um menino na turma que tinha mania de Tarzan, era o Zé Carlos Fantasia, que sempre andava com uma tanga de couro e com uma pequena e inofensiva faca de cozinha na cinta, igual o personagem dos gibis e do cinema. Vendo a faquinha do Tarzan, nosso amigo pediu ela emprestada, foi na nascente do açude onde havia um imenso taboal e começou cortar as taboas. Juntou um feixe, espalhou por sobre dois pedaços de paus de pouco mais de um metro e foi amarrando os feixes bem trançados, com uma corda improvisada com os próprios talos da taboa.

Enquanto ele ia montando aquela coisa, uns ficaram olhando curiosos e outros, zombeteiros, riam e diziam que ele havia ficado biruta. Aliás, o menino tinha o sugestivo apelido de Professor Pardal. E foi aí que eu mais alguns dos curiosos, logo percebemos o que ele estava aprontando, e fomos ajudá-lo. Pouco tempo depois, estava pronta a primeira de muitas “jangadas” que construimos para brincar no açude. E não é que a coisa flutuava mesmo?


Pensa  que a imaginação da turminha parava por ai? Tempos depois, alguem teve outra grande e luminosa idéia. No aterro do açude haviam algumas árvores de pequeno porte, atingindo aí uns cinco ou seis metros de altura; algumas delas eram pés de banana-de-macaco, bem mais altas e flexiveis que as outras.

No dia seguinte à idéia, levamos uma corda e um dos meninos subiu bem no topo de uma das árvores e amarrou bem firme a corda lá no alto. Aí todo mundo juntou em fila indiana puxando a árvore até ela tombar, quase rente ao chão. O pai da idéia, lógico, foi o primeiro a estrear o nosso “trampolim atômico”. Quando ele deu o sinal, contamos até três, e juntos, soltamos a corda... e ele saiu voando pelos ares até se estatelar numa fenomenal barrigada, no meio da represa! Um salto cinematográfico! Estava inaugurada a era dos grandes saltos e mergulhos!

Tudo correu muito bem, até o dia em que a árvore não aguentando mais tanta pressão, quebrou no meio e os bravos puxadores de corda sairam de fasto, caindo uns sobre outros e todos foram rolando ribanceira abaixo, do outro lado do aterro do açude. Enquanto isso, o coitado do mergulhador da vez, despencou lá do alto da árvore, em pânico, grudado no galho quebrado, até se esborrachar no chão duro do aterro da represa! Depois desse dia, desativamos o nosso perigoso e terrivel  “trampolim atômico”. Qualquer dia desses eu conto porque um dia nós trocamos o “Tiro Bunda” pelo famoso “Tanque da Mina”. Semana que vem tem mais. Até lá.. 

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