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Assim era Tito Monthenegro

Assim era Tito Monthenegro

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 6 anos



Conheci Valter de Almeida Vilela, o nosso Tito Monthenegro, por volta de julho de 1970, durante a realização da tradicional Semana Universitária, que  sempre acontecia nas férias de meio do ano na sede do antigo FEC - Fernandópolis Esporte Clube. Naquela época eu era foca da antiga Gazeta da Região e havia sido escalado para cobrir o evento que reunia os principais artistas plásticos, escritores e poetas da cidade.


Dois anos mais tarde me mudei para São Paulo e perdi o contato com Tito. Só voltamos a nos encontrar em 1976, quando retornei de Sampa. E naquele mesmo ano participei do Moarte – Movimento Artístico que acabou substituindo as Semanas Universitárias. E foi justamente ali no FEC, em 1976, que presenciei uma cena extraordinária com o nosso Tito Monthenegro.


Ele havia colocado em exposição diversas telas, uma mais bonita e emblemática que a outra. Uma senhorinha que visitava o local ficou impressionada com a beleza dos quadros, tanto que chegou a levar a mão à boca tamanho era seu encantamento. Percebendo o fato, Tito perguntou se ela havia gostado das telas e a mulher disse que havia adorado todas elas, mas como era uma simples empregada doméstica, não tinha recursos para comprar nenhuma, nem a menorzinha delas.

Tito não se fez de rogado, perguntou à mulher qual a tela de que ela havia gostado mais. A mulher apontou uma das obras e Tito foi lá, apanhou a tela e a presenteou com a obra. Encabulada, ela disse que morava num distante bairro da periferia e não teria como levar aquele valioso presente.



De novo, Tito surpreendeu a todos: chamando o Merciol Viscardi, o saudoso Lolão, pediu para que ele fosse até a Praça Joaquim Antônio Pereira e chamasse um táxi. Feito isso, colocou aquela mulher com sua tela no táxi, combinou a corrida e pagou o motorista para que a levasse até sua residência. Assim era Tito, uma grande alma desprendida, com um imenso e bondoso coração.


Marchand por um dia. No começo de 1977, certa tarde depois do expediente encontrei com o Tito e juntos fomos tomar uma cerveja e jogar conversa fora. Na ocasião ele me disse que precisava fazer dinheiro e me convidou para ir com ele visitar algumas famílias na noite seguinte. Claro que aceitei o convite.


Tudo certo e combinado, por volta de seis e meia da tarde Tito apareceu no meu local de trabalho carregando um enorme portfólio com dezenas de telas e partimos rumo à residência de Gregório Vicente Sobreira, então gerente do supermercado Dias Pastorinho. Não me lembro se o resultado foi a venda de duas ou três telas. Animados com o resultado da primeira visita, partimos na direção da residência de José Sabino, onde o Tito vendeu duas trilogias para o quarto das filhas do casal e uma grande tela para a sala de estar. E, para terminar nossa via-sacra, fomos até a residência de dona Iracema Cavalin, que acabou comprando duas grandes telas.


Para o Tito o resultado não poderia ter sido melhor. E com um bom dinheiro no bolso e bastante animados, fomos comemorar o feito no antigo Café Pilão, que ficava atrás da Igreja Matriz. Com ele não havia miséria e foi logo pedindo ao garçom duas porções de tira-gosto e uma garrafa de uísque. Até aí tudo bem.



Já passava das dez horas da noite quando apareceram duas moças e tiveram uma conversa ao pé do ouvido combinando alguma coisa com o Tito. De pronto ele se levantou e me avisou que ia dar uma saidinha com as duas e voltaria logo. Pediu que eu tomasse conta do portfólio e que esperasse pela sua volta.


Bem, meus amigos, para encurtar a conversa, deu meia-noite e nada do Tito voltar. Meia-noite e meia o garçon avisou que iam lavar o salão e fechar a casa, e nada de o Tito aparecer. A conta do bar não tinha ficado barata e eu não tinha dinheiro e nem talão de cheques. Chamei o gerente e expliquei a situação e ele me disse que não havia problema porque o Tito tinha conta na casa. Assinei a notinha da despesa, apanhei o portfólio com mais de uma dúzia e meia de telas que haviam sobrado e fui para casa.


Onde ele foi com suas duas misteriosas amigas nunca soube e nunca perguntei. Nem também fiquei sabendo se mais tarde ele passou lá no Café Pilão. Só fui encontrá-lo uns quinze dias depois, quando lhe devolvi o portfólio com as telas e acabei ganhando de presente uma belíssima trilogia. Como já disse antes, Tito era assim, desligado de bens materiais, um autêntico maluco beleza.


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