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CURA GAY: patologia ou normalidade?

CURA GAY: patologia ou normalidade?

Por André Marcelo Lima Pereira - Psicólogo

Por André Marcelo Lima Pereira - Psicólogo

Publicada há 7 anos

No final do ano passado (2017), o tema novamente ganhou maior visibilidade e trouxe, em seu bojo, a possibilidade de profissionais Psicólogos atuarem no tratamento da reversão sexual (a partir da psicoterapia), conhecido popularmente como cura gay. Dessa vez, a discussão ocorreu no campo jurídico através da autorização dada pelo juiz da 14ª Vara Federal do Distrito Federal, Waldemar Claudio de Carvalho, após recurso ter sido impetrado por um grupo de psicólogos (bancada evangélica), contrariando o entendimento da Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) 001/99, que considera, sobretudo, que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio, nem perversão, portanto não sendo passiva de cura ou de nenhuma espécie terapêutica.


Em 1973,parte dos membros efetivos e a sociedade internacional cientifica e ativistas impulsionaram a Associação Americana de Psiquiatria (APA) a retirar do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) o termo homossexualidade como um transtorno mental. A revisão da APA, que coordena o DSM com o apoio de 1.500 especialistas de 39 países,vem na esteira de recentes mudanças legais sobre os direitos dos homossexuais.Acompanhando, a Organização Mundial de Saúde (OMS) demorou mas, em 1991, na décima publicação, excluiu a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados com a Saúde (CID 10).


Em 1886, o sexólogo Richard von Krafft-Ebing[i]listoua homossexualidade e mais200 estudos sobre práticas sexuais em sua obra PsychopathiaSexualis epropôs que a homossexualidade era causada por uma "inversão congênita" que ocorria durante o nascimento ou era adquirida pelo indivíduo.

 

Para Krafft-Ebing, a procriação era o propósito do desejo sexual e qualquer tipo de sexo para satisfazer a libido sexual se constituía uma perversão desse desejo, portanto, a satisfação natural do instinto sexual que não correspondesse ao propósito da propagação da espécie devia ser considerada como perversa. Em consequência, os homossexuais “sofriam de perversão sexual” porque as práticas homossexuais não poderiam resultar em procriação.

 

Para o psiquiatra, a sexualidade, nesses casos,seria biologicamente anômala e provinha dos estágios embrionário e fetal da gestação, que provocaria uma "inversão sexual" do cérebro. Em 1901, o psiquiatra alterou o termo biológico da anomalia para a diferenciação.

 

É importante compreender que a sexualidade humana carrega marcas da subjetividade, bem como da cultura, do tempo em que se vive e, nesse sentido, rompe a experiência de reprodução dos demais animais; naturalmente, ela é nomeada, classificada, avaliada moralmente de acordo o tempohistórico. O que não se deve, contudo, é patologizar a homossexualidade, isto é, considerá-la um aviltamento ou desvio de caráter, ou – talvez mais grave ainda – uma doença.

 

A decisão do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, ao conceder liminar,no processo conhecido como “cura gay”,autorizando que psicólogos ofereçam terapia de “reversão sexual”, constitui-se um retrocesso. O próprio Conselho Federal de Psicologia (CFP) não considera “comportamentos e práticas homoeróticas” como patologia (doença, anomalia), desvio ou distúrbio.

 

O mundo todo caminha para compreender a opção sexual apenas como uma opção individual e não um problema de saúde. O desafio continua nas culturas de rejeição ao direito de opção sexual, com o preconceito chegando, inclusive, à condenação penal.

 

Na compreensão de Rios[ii], a discriminação por orientação sexual, no direito brasileiro, tem tratamento jurídico nas consequências do princípio constitucional da igualdade. “Tanto do ponto de vista formal, quanto do ponto de vista material, o princípio da igualdade proíbe a discriminação fundada na homossexualidade, calcada numa realidade preconceituosa”.

 

É necessária, portanto, uma compreensão geral do princípio da igualdade nessas duas dimensões, para que não ocorram liminares como a do juiz Carvalho que tendem a produzir repercussões negativas na vida do indivíduo devido à sua orientação sexual homossexual, causando danos graves e perenes(materiais, mentais, sociais etc.) aos discriminados.

 
   

 

[i]Richard von Krafft-Ebing (1840 - 1902) foi um psiquiatra alemãoe professor de psiquiatria na Universidade de Estrasburgo. Em seus estudos sobre comportamento sexual, introduziuos conceitos de sadismo, masoquismo, pedofilia e fetichismo. Sua PsychopathiaSexualis (1886) se tornou uma das mais importantes e influentes obras sexológicas do século XIX.



[ii] RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade e a discriminação por orientação sexual no direito brasileiro. Direito e democracia, v. 2, n. 2, p. 383-408, 2001.

 


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