CINEMA

Milos Forman morre e deixa clássicos

Milos Forman morre e deixa clássicos

Publicada há 6 anos

Gil Piva

Premiado. O cineasta Milos Forman e suas estatuetas



O cineasta tcheco Milos Forman muitas vezes foi vítima de enormes intervalos entre a realização de um e outro filme, como foi o caso de Os Fantasmas de Goya (2006), filmado sete anos após O mundo de Andy, de 1999. E, se seguida essa lógica, claro que de uma forma mais perniciosa, pode-se dizer que de Goya, que na época não foi muito bem recebido pelos críticos, passando por seus últimos trabalhos, até Bem Amadas (2011), Forman havia entrado em decadência criativa.


Mas é evidente que sua morte (14/04), aos 86 anos, não simboliza o esquecimento de um diretor responsável por obras emblemáticas como Um Estranho no Ninho (1976), agraciado com o Oscar de Melhor Filme e Melhor Ator para Jack Nicholson, e Hair (1979), musical que explora os conceitos convencionais da sociedade americana e critica o comportamento aristocrático da época, além dos grandes sucessos de Amadeus (1984) e O Povo contra Larry Flynt (1996).


E, se assim mencionada tal etapa de sua vida como um período de “decadência criativa”, significa que para um diretor com seu talento ainda era compreensível esperar outros grandes filmes, que o tornariam, quem sabe, o gênio que não chegou a ser — afinal, talentoso, era mais que certo que saberia explorar o sarcasmo sutil de Um Estranho no Ninho, misturar a perspicácia do provocativo O Povo contra Larry Flynt sem, contudo, perder o estilo suntuoso e lírico de Amadeus.
Com este último filme, Milos Forman recebeu também o Oscar de Melhor Filme, Melhor Ator para F. Murray Abraham, Melhor Diretor, Roteiro Adaptado, Figurino, Mixagem de Som, Maquiagem e Direção de Arte.


O filme conta a vida conturbada do compositor Wolfgang Amadeus Mozart, como suas habilidades musicais estavam à frente de seu tempo, provocando, inclusive, um ressentimento paranoico noutro compositor, o italiano Antonio Salieri — uma ligação quase pernóstica que dá o tom certo do humor no filme.


Na década de 1970, Flynt era senhor de clubes de striptease, mas causou polêmica ao levar a público a criação da famosa revista pornográfica Hustler. Na verdade, e de início, a Hustler servia para propagandear os próprios clubes de Flynt. Com isso, uma ação judicial que considerava sua revista imoral foi movida contra ele. Este embate repercutiu como um dos episódios mais controversos da história da democracia americana, pela qual a Suprema Corte garante liberdade de expressão. Mais uma vez, por causa desse filme, Milos Forman seria premiado com o Oscar de Melhor Diretor, e Woody Harrelson, com o de Melhor Ator.


É engraçado e ao mesmo tempo enfastioso observar o modo como algumas pessoas no Brasil agem numa espécie de representação nonsense às voltas com suas ideias. Num episódio recente, vários deles atacaram o empresário Oscar Maroni, dono de casas noturnas, por ter se posicionado contra o nu artístico em museus. Por aqui, pouco se entende por democracia, e seria um bom momento para rever O Povo contra Larry Flynt. Talvez aprendam que a Hustler possui uma política de esquerda e por muito tempo foi “púlpito” para questionar o establishment e discutir abertamente temas como liberdade de expressão e questões moralistas. Milos Forman, naquela época, já antevia a necessidade de se discutir essas perspectivas antagônicas.


Premiado. O cineasta Milos Forman e suas estatuetas


Sua mulher informou que “partiu tranquilo e esteve o tempo todo rodeado pela família”. O que muito lembra seu último grande filme: O mundo de Andy, a cinebiografia sobre o comediante Andy Kaufman. O filme é um manifesto artístico sobre uma personificação que ora se entremeia entre os bastidores do real, ora entre o lirismo onírico que só o cinema é capaz de oferecer. Forman sabia bem que a criatividade espontânea beira o excêntrico.


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