Zé Renato
Passeata dos Cem Mil.Rio de Janeiro, 1968
O turbulento ano acima merece uma revisão. Verdade, brilhantemente, o jornalista Zuenir Ventura descrevera a História do Brasil naquele período.
Todavia, o fenômeno foi planetário.
O mundo virou de ponta-cabeça.
Evidente, tudo é processo. O movimento começa a ser gestado no pós-guerra. Em meio à guerra fria e a era do pleno emprego — expressão do historiador Eric Hobsbawn, utilizada na obra Era dos Extremos.
A fartura, a ostentação advinda da vitória ianque na Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo que fortaleceu o “sonho americano”, produziu jovens descontentes com a realidade. Sim, passaram a contestar aquele modelo pequeno e mesquinho.
O vazio existencial, calcado no consumo desenfreado, na petrificação do conservadorismo calvinista republicano, gestou um germe, senão da destruição, ao menos da contestação. Assim, uma quieta, depois barulhenta, rebelião está a caminho.
Jovens leitores de London, Thoreau, Whitman, Baudelaire, Rimbaud, Nietzsche e Poe puseram o pé na estrada.
A beatgeneration redige páginas ferozes contra esse sonho, alardeando o porvir.
Uivos, almoços nus, viagens, yage, dharma, zen...
Ouvindo o bebop.
Charlie Parker, Miles Davis, DizzyGillespie, Thelonius Monk urram seus instrumentos.
É o início da grande celebração.
O cinema apresenta The WildOne, com Marlon Brando desfilando rebeldia em sua Triumph. James Dean recrudesce essa indignação pelas talentosas lentes de Nicholas Ray.
“It’s only rock ‘n’ roll, but I like it…”
Bill Haley and his Comets, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins… a trilha Sonora estava pronta.
Aldous Huxley e suas portas para a percepção.
Timothy Leary e o LSD.
O roteiro começa a ser escrito.
O revendo King marcha com os negros e brancos decentes contra Washington. É a pacífica guerra pelos direitos civis dos negros.
Entre Monterey Festival e Woodstock, a guerra do Vietnã.
Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band, Let it Bleed,Hey Joe.
Herbert Marcuse publica Eros e Civilização, uma tentativa de conciliar Marx e Freud. Revolução e sexo. Bem feitos.
As barricadas do desejo, Paris, 1968.
“Flower Power”, “A imaginação no poder”, “Peace and Love”, “Faça amor, não faça a guerra”.
Os tanques stalinistas entram na bela Praga. Václav Havel, aquele que queria coabitar socialismo e democracia, foi deposto.
Ianques morrem aos montes às margens do rio Mekong. Corações e mentes.
Sonhos e utopias entre os cem mil na Avenida Presidente Vargas. Cem mil vozes, cem mil sonhos. Fim da ditadura, democracia.
Panis et circenses: a Tropicália canta e dança na corda do além do homem. “Miserere nobis”.
O arbítrio, a tortura, as prisões, o horror: “Pai, afasta de mim esse Cálice...”
“Olha lá, vem passando a procissão...”
Treze de dezembro: nasce o bebê-diabo. Publicado o AI-5.
“The dreams is over”.