Gustavo Jesus
Marcos da Costa, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo
Em passagem por Fernandópolis no sábado, 28, o presidente da OAB do Estado de São Paulo, Marcos da Costa, conversou com a reportagem de O Extra.net sobre o momento do Judiciário brasileiro. Na entrevista, realizada na sede da OAB em Fernandópolis, Costa falou sobre como a exposição do Judiciário tem influenciado na vida da sociedade e de quais os caminhos o Direito deve tomar para não se "contaminar por teses abraçadas pela população.
Confira o bate-papo exclusivo de nossa equipe com o advogado:
Exposição do Judiciário
Tem atrapalhado a imagem da Justiça, porque acaba afetando todos nós. Há uma questão positiva importantíssima que é a transparência, é a oportunidade das pessoas conhecerem o funcionamento da Justiça, tanto que nós temos hoje a sociedade pela primeira vez discutindo, por exemplo, a indicação de um ministro para a Suprema Corte. Isso é um amadurecimento democrático. É preciso também ponderar que essa transparência trouxe uma realidade nova, que foi a superexposição de todos que integram a Justiça e isso não é comum, não só no Brasil, mas na maior parte dos países. A Justiça não é um palco de teatro, ela não é feita para criar espetáculos para apreciação pela sociedade. A Justiça é algo que tem uma nobreza necessária e imprescindível, que ao lado da isenção e do livre convencimento do magistrado. Pela natureza dela, não pode ser afetada pela popularidade de uma tese que é defendida. Isso prejudica a capacidade do magistrado julgar com base exclusivamente no processo. Daí porque em alguns países do mundo chega a ser tipificado como crime o uso da mídia para favorecer uma condenação, isso chama-se mídia opressiva. Em outros países, mesmo no Brasil, no que diz respeito a júri, quando se percebe que a população está contaminada a partir de uma tese é possível transferir o júri para outra Comarca, onde os jurados estão isentos e não participam de todo aquele envolvimento que é trazido pela população. Há países, como os EUA, que isso ultrapassa o júri criminal, outros julgamentos que possam ser colocados em risco diante dessa pressão que é feita pela população, em acompanhar e defender uma determinada tese que pode influenciar no julgamento, ele chega a ser anulado. Essa é uma ponderação que tem que ser feita para que a gente chegue num ponto de equilíbrio entre a exposição necessária, a transparência necessária, mas que o retorno disso não signifique uma pressão para os magistrados julgarem de acordo com uma determinada tese que por uma razão qualquer foi abraçada pela população. Não é essa a função do judiciário. Isso se dá no Legislativo e se dá no Executivo, por meio da votação, mas não é o papel do Judiciário.
2ª instância
Precisamos compreender isso em poucas palavras. Primeiro há uma disposição constitucional que é segura que ninguém será considerado culpado antes do transito julgado, antes do final, não ter mais recurso a decisão condenatória. Esse é um principio constitucional que foi conquistado pela sociedade, esse é um direito que é de todos nós, não é o direito de uma parcela da população. Todos nós temos o direito de só sermos considerados culpados, ou seja, sobre nos só ser exigido o pagamento da pena, após o transito julgado da decisão condenatória. Segundo ponto, por que se inicia essa discussão? Porque há uma morosidade muito grande da Justiça, a morosidade leva a impunidade então começasse a antecipar o cumprimento de pena para acabar com a impunidade no Brasil. Ao fazer isso deixasse de enfrentar uma situação que é mais grave, que é porque o Judiciário está moroso. Se o judiciário não fosse moroso, se os processos demorassem pouco tempo para serem julgados, se o transito julgado da decisão, seja absolvitório ou condenatório, se essas decisões acabassem o processo rapidamente, não se discutiria a antecipação da pena. É como se a gente tivesse combatendo o efeito e não a causa. O que é preciso fazer é uma análise técnica, transparente, responsável e não corporativa, das razões do Judiciário demorar tanto para o julgamento. Tem uma série de situações que a lei autoriza a prisão para que haja efetividade da Justiça. O que está em discussão hoje não é isso, o que está em discussão hoje é o sujeito ser preso para começar a cumprir uma pena, ora, se não se tem uma decisão final, se não se sabe se o sujeito é efetivamente culpado, ou amanhã num recurso admitido ele possa inclusive ser declarado inocente, como se vai prender antecipadamente para começar o cumprimento de uma pena que não se sabe qual será? Além do risco de ser declarado inocente, há outro, de a pena fixada ser uma pena menor que o próprio tempo que o recurso demorará para ser conhecido, e aí, mesmo que ele seja culpado, ele pode vir a ficar mais tempo preso do que aquilo que é o tempo que demoraria para conhecer o processo. Então uma serie de fatores precisam ser considerados. O sujeito que tem uma condenação definitiva e vai para uma prisão, tem direito, por exemplo, a progressão do regime. Ele cumpre uma parte da pena em regime fechado e tem direito ao regime semiaberto, ele cumpre uma parte da pena em regime semiaberto e vai pro regime aberto, isso quando tem condenação definitiva. Quando ele tem a antecipação da pena, ele não tem uma condenação definitiva. Quem tem a condenação definitiva tem a progressão do regime, o que é preso antecipadamente não tem direito, pois não se sabe qual a pena, portanto não se sabe o quanto ele vai ter que cumprir para que ele possa passar para um regime menos gravame para ele.
Justiça a qualquer preço
O advogado tem o papel de instrumentalizar o direito de defesa das pessoas, que é um papel fundamental na democracia. Quando a sociedade passa a querer não justiça, mas justiçaria, quando a sociedade parte da presunção que alguém é culpado mesmo sem ter o processo, ou tendo o processo mesmo sem ter condenação, quem acaba sofrendo a primeira reação desse ambiente é o advogado. Não é só no crime político, vou citar um exemplo que é fácil, no crime contra a vida. Não raras vezes um júri, quando a sociedade entende que determinada pessoa é um homicida, que envolve um clamor popular, não é raro o advogado no ingresso do júri ser quase agredido fisicamente pela população. Como um advogado pode querer defender um homicida? Esquecendo-se que aquela pessoa, contra quem está sendo atribuído um determinado crime, por mais grave que seja, primeiro, essa pessoa pode ser inocente. Nós temos inúmeros casos na história que pessoas eram inocentes e foram atribuídos a elas crimes gravíssimos. Segundo, mesmo aquele que comete o pior dos crimes tem direito a defesa, até para ter um julgamento justo e para a pena que for definida contra ele, seja aquela prevista em lei. Nós tivemos colegas que foram quase agredidos ao chegar na Polícia Federal para conversar com um cliente que lá estava preso sem ter sequer iniciado o processo contra ele, mas estava preso por uma ação de corrupção. Esses dois colegas quase foram agredidos por populares por conta disso. Como pode esses advogados promoverem a defesa de alguém que é considerado corrupto? Como se esses advogados trouxessem para si a pecha do crime que é atribuído aos clientes deles.
Caso Lula
Eu não devo falar sobre o processo por uma questão ética e por uma questão técnica, já que eu não atuo no processo. É de se respeitar os profissionais quando elaboram as teses de defesa, mesmo que essas teses, para a sociedade, possam parecer como teses incabíveis, ou procrastinatórias. Essas teses podem ter seu fundamento e se tiver fundamento elas serão reconhecidas depois. Tivemos casos de processo por corrupção, conhecidíssimos, que tiveram ampla cobertura da mídia que levaram a condenação e muitos anos depois, as teses defendidas no começo do processo, acabaram reconhecidas como devidas no Supremo e o processo foi anulado. Todo aquele trâmite de 20 anos do processo foi por terra. Quando o advogado, às vezes, acusa uma nulidade processual é preciso ser vista essa nulidade no ponto de vista técnico, não no ponto de vista do clamor da sociedade, porque a ânsia de dar uma satisfação para a sociedade e promover uma agilidade ao processo para levar a uma condenação, e, com isso, dar uma satisfação a essa demanda da sociedade, pode daqui alguns anos, no final do processo, quando esse processo chega no Supremo, levar a anulação, e aí esse processo volta pro começo. Tivemos casos conhecidos que aconteceram isso e aí o sentimento de injustiça multiplica, fica ainda maior.
Não é da tradição do direito brasileiro
A delação é um instituto que não é da tradição do direito brasileiro. Nós estamos incorporando esse instituto de outros países. Ele tem mostrado que tem sua utilidade sim, mas precisa ser tratado com cuidado para que não sirva de instrumento de opressão àquele que está sendo acusado de determinado delito. A possibilidade daquele que está sendo acusado ter uma pressão para confessar um crime e, principalmente, atribuir a terceiros prática de crimes para que ele possa escapar de uma prisão que é colocada a ele por pressão, mesmo sem ter condenação ainda, ou você delata ou você vai ser condenado por inúmeros crimes que as penas somadas vão gerar uma condenação que você vai passar o resto da sua vida preso, pressionando aquela pessoa a dizer eu sou inocente, mas eu prefiro então denunciar os outros e escapar dessa pena que indevidamente está sendo atribuída. Nós precisamos trabalhar com a delação, ela é um instrumento importante, é útil, só não pode servir pra instrumento de pressão para fazer que alguém se sinta pressionado e acabe delatando, não porque haja algum fato que justifique a delação, mas simplesmente para escapar de uma condenação futura.
Nova Constituição
Nós precisamos defender a constituição. Parece-me que o que estamos sofrendo são ataques a essa Constituição. Nós vemos direitos constitucionais serem afastados ou mitigados e isso aqui está levando a esse estado de coisas. A Constituição de 88 completa nesse ano 30 anos, é o maior período democrático da história do país. Por incrível que pareça, isso significa dizer o seguinte, nenhum brasileiro nasceu, viveu um tempo razoável de vida e viveu plenamente num regime democrático. Isso é impressionante. O que nós precisamos é o contrário, é fortalecer essa Constituição, defendê-la e fazer com que o Estado, que não consegue enfrentar as suas mazelas e por conta disso passa a atribuir sobre os nossos ombros uma responsabilidade que não nos cabe, mitigando direitos que foram adquiridos com muito esforço a partir da Constituição de 88, para dar uma satisfação a sociedade. É mais fácil diminuir direito do que assumir a responsabilidade para que esses direitos sejam cumpridos e preservados.
Demandas da advocacia
Nós temos, por incrível que pareça com 30 anos de democracia, problemas gravíssimos no que diz respeito em prerrogativas profissionais, muito graves. Nós tivemos o caso de uma advogada, que trabalha sozinha, que teve dois juízes diferentes que marcaram audiências de processos diferente na mesma hora e nenhum dos dois se sensibilizou a postergar a realização de nenhuma das audiências. A Ordem teve que impetrar um mandato de segurança para que uma das audiências fosse remarcada, para que ela pudesse atuar. É incrível, mas essas coisas acontecem ainda. São situações que mostram bem como nós temos que evoluir para que o direito de defesa, que é instrumentalizado pelo advogado, não pode sucumbir diante de autoridade que ainda imaginam estar em período de exceção, não compreendem o que é ser autoridade numa democracia. Nós temos um segundo problema que é a concepção do que é a estrutura de justiça por parte daquele que devem zelar por ela, os próprios magistrados. Nós temos uma Lei Federal que trata de crimes de organizações criminosas que para assegurar a segurança do fórum é permitido colocar porta com detector de metal na entrada e a lei diz de forma clara que nessa situação, todos, independente de cargo ou função, todos devem se submeter a essa porta, exceto, os policiais. Veio o CNJ e todos os tribunais e acrescentam uma exceção que a lei não prevê permitindo que o juiz e servidores possam entrar sem passar pelo detector. Além da questão pouco republicana e da ilegalidade, existe a questão da discriminação, da autoproteção, de se dispensar da obrigação que é estabelecida para todos. Essa é uma ponderação que há ainda dentro da justiça esse conceito, não por parte de todos, mas alguns que vem na Justiça algo que diz respeito aos juízes e servidores. Na verdade a Justiça diz respeito a sociedade. Essa é um ponto que precisamos evoluir. O terceiro ponto entra dentro desse contexto, a Justiça procura criar uma alternativa ao excesso de processo que temos, criando espaços para pretensamente, solucionar conflitos e o faz sem a presença de advogados, quando isso acontece, as partes que vão para a conciliação sem orientação técnica e quando isso acontece acabam aceitando conciliações que prejudicam seus próprios direitos. Mas isso gera números que pretensamente justificam dizer que com isso estamos desentupindo a justiça e isso não é verdade. Precisamos analisar porque existe essa quantidade de processos, mas jamais dispensar o direito do cidadão de quando for resolver um conflito perante um órgão da justiça, que ele sempre tenha orientação técnica por parte de um advogado.
OAB Fernandópolis
Esse papel importante que a Ordem exerce aqui em Fernandópolis ele significa não só a defesa da classe, com os cursos e aperfeiçoamentos, mas fundamentalmente a defesa da cidadania, que é um papel que a advocacia e sua entidade de classe, que é a Ordem, exercem, que é de servir de porta voz de seu advogado e da sociedade no que diz respeito às grandes demandas sociais e isso a Ordem de Fernandópolis obedece com muito zelo.