Gil Piva
“Revelações”. Nicole Kidman e Anthony Hopkins
Quando se colocam à prova os livros de Philip Roth, não é falsa a ideia de que o enredo dramatizado aponta para os bastidores de uma espécie de “gêneses” — sociais ou individuais. Não há lugar para misericórdia ou compreensão da maior parte dos absurdos que dominam os problemas humanos. Roth é um escritor realista e cruel, pelo intimismo de sua prosa. E, neste quesito, parece que o cinema nunca se deu muito bem nas adaptações de seus livros, uma vez que as “cicatrizes” entrevistas em suas narrativas permanecem incompletas visualmente.
Porém, nos últimos anos, ainda que de forma tímida, o cinema tem obtido um resultado dramático melhor ao trilhar sua obra. Exemplo disso é o filme Revelações, de 2003, com Anthony Hopkins e Nicole Kidman, explorando bem o enfático lado assombroso dos traumas individuais. Pena que, de certo modo, o título do filme entregue um pouco do caráter reflexivo que o original do livro mantém em suspense — no original, o título A Marca Humana propõe um estigma a ser extirpado.
Tem-se aí a história de um professor admirado, Coleman Silk (Hopkins), que perdeu sua posição na universidade em razão de um “suposto” insulto racial. Então, com seu amigo (e o permanente alter ego de Roth) Nathan Zuckerman, resolve contar sua vida e um segredo curioso aparece. Salvo as proporções, Revelações tornou-se até o momento a mais considerável realização cinematográfica de um livro de Roth.
Na sequência, o ator Al Pacino comprou os direitos do livro Humilhação e fez dele, em 2014, uma referência semelhante, mesmo que a partir de linguagens diferentes: afinal, se o filme deixa a desejar, é justo lembrar que Humilhação pertence a uma estirpe menor na carreira de Philip Roth.
Na tradução brasileira, o filme recebeu o nome de O Último Ato; assim sendo, Al Pacino produziu e cedeu a direção a Berry Levinson (de Rain Man) — um bom diretor, mas que, igual a Roth, trouxe para seu currículo um trabalho bem abaixo do que geralmente concretiza.
E foi a vez de a narrativa avançar em torno do ator consagrado Simon Axler (Al Pacino). Após um período internado numa clínica, ele volta para sua vida solitária e passa a pensar em suicídio, só que em meio a tudo isso se envolve com uma garota homossexual que tem idade para ser sua filha.
Um detalhe ainda merece atenção nesse filme. Ao contrário do livro, O Último Ato carrega duas características consigo: a primeira é o evidente objetivo de servir de encomenda para o próprio Al Pacino, onde, inúmeras vezes, ele parece representar a si mesmo; e, em segundo lugar, o humor negro no filme flui bem, e a comicidade atinge uma tensão com o lado esquizofrênico da personagem, talvez mais clara (porque pedagógica) que no livro.
Por último, em 2016, Ewan McGregor assumiu a responsabilidade de traduzir Pastoral Americana para as telas, um dos livros cujas intensa verve histórica e ideologias políticas extremistas se adensam tais quais transgressões inevitáveis.
E McGregor consegue a proeza de desnudar tanto as eficiências do livro homônimo quanto “descaracterizar” as insuficiências inerentes às próprias — mas grandiloquentes — consequências trágicas da narrativa e suas ramificações.
Com a presença marcante de Dakota Fanning e Jennifer Connely, Pastoral Americana narra a história de Seymour Levov (McGregor), o clássico herói americano nos tempos do colégio, idolatrado pelo seu valor atlético e de ilustre camarada. Anos depois, ao se casar com uma antiga rainha de beleza da cidade (Connely), herda os negócios rentáveis — e tradicionais — não só de seu pai e de sua família, como também parte de um símbolo histórico da vida americana. A vida parece perfeita, até que a filha do casal começa a manifestar estranhos comportamentos e atos terroristas.
O papel que o comportamento dela exerce sobre seus pais é apenas um exemplo de enveredamento por um conflito em que o estilo americano de vida, regado à excentricidade de uma perfeição, vai se declinando aos poucos diante dos ideais fantasiosamente consolidados. Eis o principal mote da maioria dos livros de Roth.
A “crise” existente nas transposições dos livros de Roth para o cinema é que até hoje não se buscou a “linha” de sua literatura, no exato lugar em que suas histórias se recheiam de causas à deriva e consequências em suspenso. Pastoral Americana tenta manter o mesmo clima desolador do romance, embora modifique em partes o final do livro — e nem por isso o filme deixa de ser fiel.
Em Pastoral Americana, Nathan Zuckerman, que fora amigo de Levov no colégio, retorna para testemunhar do irmão de Levov todos os pormenores da história desastrosa dessa idealizada família americana. Nesse eterno retorno, Zuckerman é, na verdade, a personagem-autor-narrador.
O problema das adaptações é que elas não representam o objeto necessário (a literatura de Roth, no caso), porque suas forças, utilizando apenas de sugestões imitativas, exercem a função periférica de celebrar o conjunto dos intertextos. Tal tendência acaba por escapar das especificidades fronteiriças que decretam o que é de domínio literário — e, por sua vez (quando compreendido), reveste com atribuições investigativas o cinema.
Nem sempre apostar na valorização de um filme contemplando só o que há de incomodativo no enredo significa que o escopo norteador do romance prevaleça impecável como espectro referencial.
Os livros de Roth não são fáceis de adaptar, as premissas que circundam seus trabalhos compõem um detrimento no seu sistema literário, pois aponta um posicionamento central para analisar as complicações das personagens, além de resultar num espetáculo dos afetos e desafetos típicos das fontes e alvos da cultura e história americanas.
O interesse atual, bem ou mal, de se filmar seus livros passeia por uma preocupação de localizar nas instâncias complexas que englobam as relações internas da formação de seu legado literário. Por isso, sobre as adaptações antigas, o adequado mesmo é nem mencionar.