Histórias do T

Agosto: o mês do cachorro louco e das ventanias

Agosto: o mês do cachorro louco e das ventanias

Claudinei Cabreira

Claudinei Cabreira

Publicada há 6 anos

Como estamos em Agosto, o chamado mês do “cachorro louco” e no dia 22, comemora-se o Dia Nacional do Folclore, será que você ainda se lembra daquelas estórias brabas e fantasiosas cheias de assombrações e entidades fantasmagóricas que nossos pais e avós nos contavam?  Cá para nós, o povo antigo tinha a imaginação muito fértil. Eram estórias de derrubar macaco do galho, causos arrepiantes, terríveis mesmo. Por conta de algumas dessas estorinhas, muitas vezes tive pesadelos de quase cair da cama. Me recordo de algumas noites ter acordadoaos berros e empapado em suor.


Como naquela época não havia televisão–  a  TV só chegou por aqui por volta de 1968–os antigos tinham a mania de contar estórias para seus filhos e netos, antes da criançada ir para a cama. Lembro que era um causo mais assustador e cabeludo que o outro. Terminada a sessão de estorinhas, a gente ia dormir tremendo de medo, batendo o queixo e de cabelos em pé, cobrindo a cabeça com o cobertor, com medo de ser encontrado e levado pelo bicho-papão, pela bruxa da floresta ou pela madrasta malvada, que pegava criancinhas desobedientes para fazer sabão ou come-las assadas no café da manhã.


Para aguçar ainda mais nossa imaginação, e impressionar os meninos arteiros e desobedientes, nossos pais e avós caprichavam nessas estórias, sempre muito ricas em detalhes.  Sérios, eles empostavam a voz descrevendo com maestria as cenas, criando aquele clima de suspense, fazendo trejeitos e imitando o som das coisas, o barulho dos trovões e os uivos dos bichos.  E a gente, claro, com os dentes bem cerrados e os olhos bem arregalados, se encolhia de medo, grudando nos irmãos que se juntavam formando a plateia.


A estória da “mula-sem-cabeça”, por exemplo, era de gelar o sangue e fazer sentirum calafrio percorrendo a espinha. Antes de pegar no sono, eu sempre via aquele bicho feio e feroz,correndo desembestado pelos pastos e estradões, soltando um canudo de fogo pelo pescoço, no lugar onde lhe faltava a cabeça. Decididamente, nossos pais e avós tinham menos juízo que a gente. Claro que depois, durante o sono, vinham os pesadelos. Era tiro e queda!


E aqueles causos de lugares assombrados por fantasmas e almas penadas que passavam a noite arrastando correntes e gemendo, pelos corredores dos antigos casarões abandonados das fazendas? E as almas de boiadeiros errantes, soprando seus berrantes nas noites escuras e chuvosas pelos estradões do sertão? E os mortos que se levantavam de suas tumbas e saiam correndo atrás do povo?


As noites de sextas-feiras de lua cheia, especialmente as que caiam nas quaresmas ou nos meses de agosto, eles diziam que era um perigo. Quem tinha juízo não saía de casa, nem botava o pé no quintal.  Diziam ainda que era quando filho mais velho, dentre sete irmãos homens, virava lobisomem e saía pelo mundo fazendo estragos e matando criações nas fazendas. E acredite, sempre tinha um velho daqueles bem velhinhos mesmo, que jurava de pés-juntos que certa ocasião, viu de relance um desses bichos. E o bicho era brabo e feio mesmo, afirmava o ancião com todas as letras!



O povo também contava estórias da “Mãe do Ouro”, uma bola prateada, pouco maior que uma lua cheia, que voava pouco acima do chão, vagueando à noite pelos pastos e de repente, sumia para dentro da terra. Diziam que no lugar onde ela desaparecia havia um filão de ouro ou algum tesouro enterrado. Impressionante!

E o Saci Pererê, então? Bastava aparecer um redemoinho para nossas mães saírem correndo pelo quintal ou pelas vizinhanças recolhendo os pequenos.  Diziam elas que no meio do redemoinho sempre estava o Saci Pererê, com uma perna só, um cachimbo na boca, um saco nas costas e um gorro vermelho na cabeça. E pior, lembro que o povo falava que se fosse atirada uma faca no meio do redemoinho, sempre saía cheia sangue, porque ela perfurava o tal Saci, quebrava o encanto e acabava na hora com a ventania. A curiosidade da meninada era um causo sério, mas o problema é que ninguém tinha coragem de atirar uma faca no meio dos tais redemoinhos.


Havia muitas e muitas estórias, como as do Bicho Papão, que cada um dizia que era de um jeito, mas todos concordavam num ponto; o bicho era mesmo muito feio, feroz e malvado. E tinham as estórias engraçadas do esperto Pedro Malazartes, o maior arteiro do mundo, ou as assustadoras, como as do Neguinho D’água, que era peludo, traiçoeiro e puxava para o fundo, todo menino desobediente que fosse nadar no córrego ou no açude da fazenda. Quanta criatividade!


Mas de todas elas, a que mais assombrava as crianças do meu tempo de infância, era a estória do “Homem do Saco”, que as mães contavam para as crianças não ficarem na rua. Elas diziam que era um homem velho e barbudo, sempre mal vestido, que perambulava pelas ruas da cidade carregando um grande saco de lona nas costas onde colocava os meninos e meninas arteiras e as levava para sua casa. Lá, ele colocava as crianças num tacho enormepara fazer sabão!


Está certo que nossos pais não tinham quase nenhuma informação e os costumes de contar esses causos passavam de geração à geração. Os tempos eram outros, os meninos do meu tempo viviam na larga e eram arteiros mesmo. Mas será que era preciso contar essas estórias malucas?.Semana que vem tem mais. Até lá.



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