Antônio Carlos Policer
— Mãe, dá o de comer.
— Logo chega, Filho.
Quando à mesa, mastigavam a própria miséria em uma borra disforme e indigna de qualquer apetite.
O Pai e sua cartucheira viviam à procura de algum preá ou tatu que se arribasse por lá. A Mãe teimava na hortinha com a terra que negava o pão. O Filho, agarrado à sua caixinha, era o que mais tinha fome.
— Mãe, dá o de comer.
— Logo, Filho. Vai brincar.
Nas mãos do Filho a caixinha virava caminhão se na horizontal, prédio se na vertical, virava até um peba bem gordo, desses bons de saborear.
Em outros tempos a terra foi mais gentil: preás pegavam-se aos bandos, a horta cedia verduras e legumes frescos, o Pai dispunha de três reses gordas, o Filho festejava os lambaris que pescava no córrego. Porém, a seca assolou tudo.
Naquela imensidão de sol e céu, somente a choupana de barro e a vontade de viver.
— Mãe, dá o de comer.
— Logo, Filho. Vai brincar.
— Por que chora, Mãe?
— Não é choro, não, Filho. É suor.
De vez em quando o Pai trazia um caçado, que a Mãe preparava com satisfação. O Pai era quem menos comia. Finda a refeição, lá ia o Filho com sua caixinha, da qual não largava.
Agora a caixa era um navio, que o levava rumo ao horizonte. Depois dele tem gente boa, pensava o Filho, e um lugar bonito para morar. Lá, todos são felizes e as mães não choram. Os pais descansam e os filhos têm caixinhas para brincar.
— Mãe, dá o de comer.
— Demora, Filho, mas chega.
— Não chora, Mãe. Tem fé.
— Fé a Mãe tem, Filho.
— Cadê o Pai, que não vem?
— Pai está labutando no mato.
Sentado na caixinha, que agora era banco, o Filho rogava alívio. Os dias tornavam-se mais compridos. A fome, mais prolongada. Os choros, mais estridentes.
— Mãe, dá o de comer.
— Se Deus quiser, Filho, logo chegará.
E não chegou mais.
O que restou foram apenas corpos, cansados e famintos. Um Pai e ombros fortes. Uma Mãe e um choro. Um Filho e sonhos.
Na caixa de Pandora, féretro dos dons, o Filho esfaimado dormia tranquilo, na esperança de outros brasis.