CRÔNICA

Caixa de Pandora

Caixa de Pandora

Publicada há 6 anos

Antônio Carlos Policer



— Mãe, dá o de comer.


— Logo chega, Filho.


Quando à mesa, mastigavam a própria miséria em uma borra disforme e indigna de qualquer apetite.


O Pai e sua cartucheira viviam à procura de algum preá ou tatu que se arribasse por lá. A Mãe teimava na hortinha com a terra que negava o pão. O Filho, agarrado à sua caixinha, era o que mais tinha fome.


— Mãe, dá o de comer.


— Logo, Filho. Vai brincar.


Nas mãos do Filho a caixinha virava caminhão se na horizontal, prédio se na vertical, virava até um peba bem gordo, desses bons de saborear.

Em outros tempos a terra foi mais gentil: preás pegavam-se aos bandos, a horta cedia verduras e legumes frescos, o Pai dispunha de três reses gordas, o Filho festejava os lambaris que pescava no córrego. Porém, a seca assolou tudo.

Naquela imensidão de sol e céu, somente a choupana de barro e a vontade de viver.


— Mãe, dá o de comer.


— Logo, Filho. Vai brincar.


— Por que chora, Mãe?


— Não é choro, não, Filho. É suor.


De vez em quando o Pai trazia um caçado, que a Mãe preparava com satisfação. O Pai era quem menos comia. Finda a refeição, lá ia o Filho com sua caixinha, da qual não largava.


Agora a caixa era um navio, que o levava rumo ao horizonte. Depois dele tem gente boa, pensava o Filho, e um lugar bonito para morar. Lá, todos são felizes e as mães não choram. Os pais descansam e os filhos têm caixinhas para brincar.


— Mãe, dá o de comer.


— Demora, Filho, mas chega.


— Não chora, Mãe. Tem fé.


— Fé a Mãe tem, Filho.


— Cadê o Pai, que não vem?


— Pai está labutando no mato.


Sentado na caixinha, que agora era banco, o Filho rogava alívio. Os dias tornavam-se mais compridos. A fome, mais prolongada. Os choros, mais estridentes.


— Mãe, dá o de comer.


— Se Deus quiser, Filho, logo chegará.


E não chegou mais.


O que restou foram apenas corpos, cansados e famintos. Um Pai e ombros fortes. Uma Mãe e um choro. Um Filho e sonhos.


Na caixa de Pandora, féretro dos dons, o Filho esfaimado dormia tranquilo, na esperança de outros brasis.

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