Lembrando os bons e velhos tempos da Chopperia Picollino, os amigos Funéco, Granada, Pauleta, Pinotti e o saudoso Vitor “Curinthiano” Picolino, em pé
Dia desses, trombei com uma dessas figurinhas carimbadas aqui da terrinha, um velho e bom amigo e daí fomos tomar um cafezinho para colocar a conversa em dia. Meu amigo, um sujeito importante, ilustre, bem informado, antenado com o mundo e com as coisas de Ferpa e da periferia, reclamava dessa onda do politicamente correto, buylling, agora a lei antipalmadas e outras “mumunhas” desses tempos de não me toques e não me reles. “O mundo tá do avesso e você devia escrever sobre isso”, cobrou.
E aí eu expliquei que já havia “falado” sobre o assunto aqui na nossa coluna. “Mas devia escrever de novo”, insistiu. Pois bem. Não vou repetir o texto, mas vou abordar a temática por outro ângulo, que ao final, tirando noves fora, sempre acaba dando na mesma. Então, senta que lá vem história...
Comecei perguntando pra ele; vai dizer que nunca botou um apelidinho em ninguém? Ele riu e botou adoçante no café. Lá pelos anos sessenta e setenta, além do apelido que você botava num amigo, num estranho ou desafeto, havia também os xingamentos. Entre os rapazes, a troca de “elogios” era mais do que natural. Quando era pra ofender mesmo, para os “inimigos” a gente detonava, e daí o sujeito era um morfético, perebento, sacripantas, energúmeno, goiabão, xibungo, lazarento, ordinário, Zé Ruela, morfioso, fio de rapariga com guarda noturno, fiote de cruz credo com cobra dágua, e poraí a coisa seguia. O povo tinha tempo, imaginação e a língua prá lá de bem afiada!
Agora, quando o recado era dirigido para os “amigos do peito”, o jeito “carinhoso” de chamar os lerdos era boi sonso, songamonga, cabeça oca, Pedro Bó, desmiolado, avoado, bocomoco, tonto, miolo mole, besta quadrada, bobo alegre, cérebro de minhoca, cabeça de vento, tantã, Mané, Amigo do Zorro e Mocorongo. E para os ‘espertos”, o apelido de bagre ensaboado era comum e até soava como um elogio.
Quem sofria mesmo eram os baixinhos e gordinhos. Os primeiros eram chamados de pintor de rodapé, chaveirinho, salário mínimo, toco de amarrar jegue, anão de jardim, engenheiro de playmobil, goleiro de pebolim, Tarzan de samambaia, salva-vidas de aquário, brahminha, noivo de bolo e por aí afora. Já com os gordinhos o numero de apelidos era um pouco menor, mas não eram menos impiedosos; Elefantinho da Shell, rolha de poço, Joquei de elefante, Mobi Dick, Hipopótamo, Bolota e Chupetinha de Baleia eram alguns que me lembro. E prá ridicularizar mesmo, Fininho. E acredite, não havia maldade nisso. Baixinhos e gordinhos, altinhos e magricelas, todo mundo era amigo de verdade, amigo do peito mesmo! Não tinha frescura. Eram tempos felizes.
Entre as meninas, as coisas eram bem mais do que complicadas. Venenosas, elas também botavam apelidos terríveis nas amiguinhas. Nas rivais, alguns desses apelidos são impublicáveis. Já os mais amenos, para as magras que por exemplo, era vara de apanhar coco, a cobra defumada, lambisgóia, tíricia ou lagartixa esquálida. Os apelidos dado às gordinhas e as mais levadinhas, como ainda tenho juízo, não publico nem que a vaca tussa! Quero terminar meus dias em paz.
Para os meninos negros, fosse válida naquela época a Lei Afonso Arinos, meio mundo de amigos de verdade dos afrodescendentes iriam parar na cadeia, sem choro e nem vela, inclusive eu. E de novo, me recuso publicar, até porque do jeito que o povo anda afetado hoje em dia, o risco de ser processado e condenado é muito sério. Reparou como as coisas se complicaram por conta dessa coisa do “politicamente correto”? Brincar até com os amigos hoje em dia é um baita perigo!
Eu tenho até hoje amigos de mais de quarenta, cinquenta anos de amizade sadia. Depois da minha família, eles são o meu maior tesouro. Tenho amigos “avoados”, amigos gordinhos, espertos, nipônicos, negões e neguinhos afrodescendentes, branquicelas e magrelos, amigos escalafobéticos, megalomaníacos, doidos varridos e performáticos, filhinhos de papai e pobres de marré-marré; mas são meus amigos desde minha infância e juventude, amigos de verdade até hoje. E isso não tem preço.
Amigos que caprichei na escolha do apelido e que me devolveram a brincadeira na mesma moeda, amigos com quem um dia até troquei insultos e até sopapos. Amigos que fechei a cara e que fiquei de mau prá sempre, mas depois o tempo cuidou para que ficássemos de bem de novo e pelo resto da vida. E com toda essa coisa de apelido prá lá e prá cá, ninguém foi parar num banco de psicólogo ou psiquiatra. Então, fossemos nós levar a lei de hoje ao pé da letra, com certeza não teríamos a infância e juventude que tivemos, nem teríamos sido felizes como fomos, e quem sabe, hoje, seriamos inimigos mortais. Mas não. Amigos que gosto tanto, que qualquer dia, só de sacanagem, vou publicar a lista dos apelidos de cada um. Semana que vem tem mais. Até lá.