UM POUCO DE CAD

Estranho no Ninho

Estranho no Ninho

Publicada há 6 anos

O. A. SECATTO



Foram ao jogo. O Ricardo e o amigo. Ele com a camisa verde do time, short e um tênis com detalhes cor-de-rosa. O amigo, não.

Sentados na geral, o Ricardo sentiu uma mão cutucando forte seu ombro. O amigo arregalou os olhos quando um urso — que chamaremos apenas de Brutus — lhe perguntou:

— Você tá com ele?

— Quem? — desconversou.

— Você.

— Eu o quê?

— Você tá ou não tá com ele? — insistiu.

— Nem conheço.

O grandalhão voltou ao Ricardo.

— Beleza?

— Tudo ótimo — respondeu; ele ainda não tinha associado o tamanho do cara e sua expressão de descontentamento com iminentes hematomas.

— O pessoal da torcida aqui — ele apontou para os outros torcedores mal-encarados na parte de cima da arquibancada — quer um motivo para não te encher de mancha roxa.

— Como é que é?

O amigo já estava uns oito degraus para baixo, misturado entre a torcida. O grandão continuou.

— Tem certeza que você torce para o nosso time?

— Claro.

— Que tenisinho é esse? — quis saber o Brutus.

— Nike.

— Ah, além de tudo, é engraçadinho — observou, levantando a mão aberta.

O Ricardo engoliu em seco e fechou os olhos. Depois do ligeiro tapa na nuca — que o fez descer um degrau —, todos puderam ver um minúsculo estojinho de maquiagem cair de seu bolso.

— Ai, ai, ai — soltou o brutamontes.

— Assim não vale.

— Não vale o quê?

— Você tirou as palavras da minha... — disse o Ricardo, pondo uma das mãos na frente da boca, revelando cutículas tiradas e unhas com base transparente, mas brilhante.

O Brutus deu uma última chance de defesa.

— Vai querer explicar isso?

— É... É da minha esposa.

— Ah, é? E por que tá com você?

— Ela sempre pede pra eu guardar pra ela quando saímos.

— Num jogo de futebol — observou o grandão.

— Ela que deu carona.

— Claro. Cutícula e base?

— Se eu não tiro, inflama tudo. É um horror. E a base é recomendação da dermatologista.

— Tenho certeza — disse ele, preparando os punhos.

Foi nesse momento que o Brutus se desequilibrou e, tropeçando no torcedor ao lado, se estatelou no degrau de baixo. Do seu bolso caiu outro estojinho de maquiagem; igual ao do Ricardo.

A torcida ao redor, boquiaberta, não acreditou na mancha rosa do estojinho.

O Brutus levantou num pulo, se recompôs, guardou o estojinho de volta no bolso do short com pressa e apontou o dedo para o Ricardo.

— A tua sorte é que a minha mulher tem o mesmo costume que a tua. Dessa vez passa.

E subiu uns degraus até sumir no meio da torcida em silêncio.

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