HISTÓRIAS DO T

Levanta a mão aí quem nunca subiu num pé de mangas

Levanta a mão aí quem nunca subiu num pé de mangas

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 6 anos


Dezembro está logo aí e com ele está chegando a época mais doce do ano, a temporada das mangas. Quem é do tempo do Botinão da Casa Douglas e nunca escalou uma mangueira? Lembro que nas férias escolares de fim de ano, além do futebol nas ruas de terra batida ou nos campinhos da periferia, a meninada se organizava em turmas e se embrenhava pelas quebradas do mundaréu em busca de aventuras e frutos da época. Cada qual com seu estilingue e um embornal com bolinhas de saibro e outro para armazenar mangas, goiabas, jatobás e o que mais a gente encontrasse pela frente.


Os grandes perigos daqueles tempos indômitos, eram os famosos carreirões de vacas bravas, sustos com cobras ou ataques de marimbondos. Quem tem mais de cinqüenta janeiros no lombo, sabe muito bem do que estou falando. E uma coisa que até hoje ainda não entendi é o porquê da preferência das abelhas em construir suas colméias nos pés de mangas. Mangueiras carregadas de mangas maduras eram perigosas. Então, quando a gente encontrava uma mangueira carregada de mangas maduras, a primeira coisa que a gente fazia era uma varredura, procurando localizar onde estava a caixa de marimbondos. Era batata!


O problema era quando a gente não conseguia localizar a colméia. O perigo era trombar com as bem camufladas caixas do temido “marimbondo cavalo”. Essas abelhas sempre faziam pequenas colméias protegidas entre a folhagem e eram comuns nos pés de manga espada ou bourbon. Na primeira picada, de tão dolorida, o sujeito saltava da altura que estivesse ou até caía da árvore. Cada ferroada, o premiado ganhava um belo e dolorido “calombo”. Era complicado.


Havia também o “marimbondo tatu”, que fazia suas caixas no tronco de árvores, especialmente nas mangueiras, e a gente só percebia a formação da caixa abaulada acompanhando o tronco, porque os grandes guardiães da colméia passeavam sobre ela. Nunca alguém da nossa turma foi ferroado por um bicho desses, mas o tamanho avantajado e a cor azul marinho brilhante deles, metia medo em qualquer cristão. Agora, perigoso mesmo é o “Caçununga”, que costuma fazer suas colméias do tamanho de uma bola de futebol, bem rentes ao chão, em pequenos arbustos de “guaxumba”. E como menino é um bicho que não tem juízo, quando a gente encontrava uma caixa de “Caçununga”, nossa diversão era assoviar bem forte, bem de longe, é claro, só prá ver o enxame zunindo, fazendo um barulhão danado, fervilhando em pé-de-guerra, pronto para o ataque em massa. E vai dizer que quando você era menino, só prá ver a confusão, nunca jogou pedra em caixa de marimbondo?


Falando de marimbondos, isso me fez lembrar da minha infância, quando por volta de 1958, meus pais foram morar com meus avós na Fazenda Jagóra, de Orlando Biroli, no final da antiga avenida  Sete, logo depois da linha de ferro da antiga EFA, a Estrada de Ferro Araraquarense. Era bem pequeno, mas me lembro que havia a casa da sede, cercada de grandes flamboyants, depois logo abaixo, um açude formado pela nascente do córrego Jagóra e do lado esquerdo da estrada, uma grande mata nativa preservada até hoje, e do outro lado, começava a grande colônia dos “meeiros” a partir da venda do “seo Mário Italiano”, onde meu pai gostava de tomar  seus goles de “chibóca”, um tipo de caipirinha, bem caipira mesmo.


Meus avós moravam no final da colônia, na última casa, ao lado de uma gigantesca paineira velha, que deve estar lá até hoje, quase centenária, mas  essas histórias eu conto outro dia, porque hoje o nosso assunto são as abelhas. E foi justamente ali na fazenda Jagóra, que eu me lembro de um dos meus primeiros contatos com esses bichos. Um belo dia, meu saudoso pai e meu tio Thermes, descobriram uma enorme colméia de abelhas Europa no meio da mata. E resolveram tirar o mel, só que eles não tinham experiência e nem equipamentos; tinham só a cara e a coragem.


Conseguiram tirar enormes favos e muito mel, duas enormes bacias de alumínio, mas em compensação, meu pai ficou todo inchado, tamanho o número de ferroadas que levou. Naquele tempo, a abelha Europa ainda não havia cruzado com a Africana, eram menos agressivas, inclusive eram de coloração bem mais clara, de um tom amarelado. E meu pai, como todo bom espanhol teimoso, enquanto tirava os favos de mel, andou dando uns tapas prá espantar as abelhas, com certeza matou algumas e daí foi atacado pelo enxame. Teve muita sorte, porque fosse isso hoje em dia, com as abelhas Europa africanizadas, só Deus sabe o que poderia ter acontecido com ele.


Dois anos mais tarde, morando aqui na cidade, na chácara do Compadre Cecílio, que ficava na rua Lavínia, no antigo e famoso “Morro do Piolho”, um belo dia  passou por lá um enorme enxame de abelhas Europa. Lembro até hoje, da correria de minha mãe chamando eu e meus irmãos para ajudar “pegar” o enxame. Era preciso apanhar um caixote de madeira, esfregar bastante erva-cidreira, arranjar também  uma lata grande, daquelas de 20 litros e ficar batendo, fazendo barulho. Dizia ela, que o cheiro da erva-cidreira e o barulho da lata, faziam o enxame parar. E funcionou que foi uma beleza. Capturamos aquele enxame que acabou formando uma enorme colméia no caixote, que depois foi colocado no fundo do quintal onde ficou por muitos anos, e pelo que sei, nunca uma daquelas abelhas picou alguém da família ou da vizinhança. De lá prá cá o mundo mudou muito, até as abelhas mudaram. Semana que vem tem mais. Até lá.

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