RECOMEÇO
“Futebol me tornou a pessoa que sou hoje”, diz Jessica após anunciar aposentadoria
“Futebol me tornou a pessoa que sou hoje”, diz Jessica após anunciar aposentadoria
Preparadora física da equipe feminina da Ponte Preta, ex-jogadora acredita que esse ano será um recomeço para o time
Preparadora física da equipe feminina da Ponte Preta, ex-jogadora acredita que esse ano será um recomeço para o time
Por Brenda Cardoso
Jessica de Lima, 37, é natural de Iacanga (SP), começou a jogar futebol desde pequena, perdeu seu pai aos 10 anos de idade, viu a mãe ter que trabalhar dobrado e não tinha condições de sair da cidade para realizar seu sonho. A volante relata que começou a jogar por iniciativa própria e não teve ninguém especifico que a incentivasse, mas que seu avô adorava vê-la jogando.
A atleta morava em uma cidade pequena, tranquila, e estava sempre jogando bola com os meninos. Aos 11 anos a cidade montou um time feminino, e a garota teve a oportunidade de disputar campeonatos e jogar fora da cidade.
O início da carreira da garota foi no Iacanga, depois teve uma passagem pelo Marília, jogou a Paulistana de 1999 pelo Rio Preto, defendeu o São Paulo, mas o departamento feminino se encerrou e a atleta voltou para o Rio Preto onde fez faculdade de Educação Física. Em 2004 a administração do clube teve um problema com a Secretaria de Esportes e não disputou o Paulista, foi quando Jessica se transferiu para São Bernardo/Palmeiras e logo teve uma breve passagem pelo Marsalla Calcio Femminile na Itália onde atuou durante três meses. Em 2007 voltou para Rio Preto na equipe até 2018.
Mais de 20 vezes campeã dos Jogos Regionais de Rio Preto, campeã brasileira 2015, vice-campeã 2016 e 2017, campeã paulista 2016 e 2017 e vice-campeã brasileira 2018, a atleta pretende fazer um jogo de despedida dos gramados esse ano.
Atualmente Jessica é preparadora física da equipe feminina da Ponte Preta e acredita que esse ano será um recomeço para a equipe que perdeu quase todas meninas por conta da transição do Rio Preto para a Ponte Preta.
O Extra: Qual foi o motivo da sua aposentadoria?
Jessica de Lima: Eu parei no final do ano passado, o fato é que com a minha idade eu fazia muitas funções e jogava em alto nível, e isso estava sendo desgastante psicologicamente, graças a Deus fisicamente eu sou privilegiada, o que pegou mesmo foi o fato de ter a responsabilidade da preparação física, de jogar, tenho a escolinha, minha casa, minha vida e eu fui adiando esse momento porque eu ia ganhando títulos, e fui empurrando com a barriga uns três anos. Mas o ano passado eu extrapolei meu limite que causou problemas de saúde, agora é viver uma nova etapa na minha vida e conquistar mais coisas no futebol.
O Extra: Teve alguma passagem da sua carreira que te marcou muito?
Jessica de Lima: Tive muitas alegrias no futebol, eu lembro da primeira vez que eu entrei no Morumbi, só via por televisão e fiquei indignada com a imensidade. Outro momento marcante foi quando em 2016 que eu ganhei o prêmio de gol mais bonito do Campeonato Brasileiro e eu fui para Manaus receber a homenagem, e o Brasileirão que eu conquistei jamais vou esquecer ainda mais da maneira que foi, com as nossas dificuldades, foi muito importante para mim.
O Extra: Nós sabemos que o futebol feminino sempre foi desvalorizado, em algum momento da sua carreira você pensou em desistir do futebol?
Jessica de Lima: Não é nem questão de desistir, mas quando eu comecei não tinha muitos clubes para jogar, e as vezes tinhas situações que era complicado, por exemplo quando eu comecei fui fazer teste no Marília se eu não tivesse passado lá eu não iria jogar porque eu não tinha conhecimento de outras equipes, mas em 2015 eu desanimei muito, onde o Rio Preto teve uns problemas financeiros e iriam reduzir meu salário em 30% , eu já era formada e pensei em para e ir em busca de um emprego, foi quando a coordenadora Doroteia me deu a oportunidade de ser Preparadora Física e manter meu salário.
O Extra: Por que um time tão consagrado como o Rio Preto, que virou vitrine para o futebol feminino, fechou as portas?
Jessica de Lima: Nós podemos pegar o exemplo também do Sport de Recife que aconteceu o mesmo. Eu lamento muito, porque nós deixamos o Rio Preto em segundo no ranking nacional, uma das melhores equipes do Brasil, e isso não ficou legal para o clube.
O Extra: Nós sabemos que a condição financeira das jogadoras de futebol feminino não é vantajosa. Você conseguiu juntar dinheiro para se manter e investir na vida pós-futebol?
Jessica de Lima: O futebol feminino não tem recurso, eu não ganhei nada jogando futebol, eu tenho minha casa que é financiada, minha moto, o que eu ganhei foi minha bolsa da faculdade, talvez se tivesse que pagar não conseguiria na época. São poucas meninas da minha geração que conseguiu ter algo. A partir desse ano com a entrada dos times grandes o salário das meninas deu uma melhorada. Mas as meninas que jogam para fora e na seleção, conseguem compra uma casa, um carro, guardar um dinheiro, mas tirando a Marta acredito que nenhuma menina agora na hora que parar vai ser que nem o masculino elite que pode viver só da renda que obteve jogando.
O Extra: Como é a sua relação com a CBF?
Jessica de Lima: Minha relação com a CBF é a melhor possível, conheço a maioria dos profissionais que trabalham lá. A Emili Lima jogou comigo no São Paulo e eu a admiro muito, conversamos sempre que dá. Eu nunca cheguei a ser convocada para seleção, mas ano passado eu fui a única atleta a ser convidada a participar do curso de futebol feminino, fiquei muito feliz, um curso FIFA, internacional, e tenho muitos contatos lá dentro e sempre dá eu estou presente nos cursos.
O Extra: O que você pensa sobre a CBF impor que todos os times da Série A deve ter um time feminino? Como você vê isso?
Jessica de Lima: A verdade é a seguinte isso é uma imposição da FIFA, porque o Gianni Infantino entrou, e ele quis dar uma valorizada, quis passar uma outra imagem que veio daquela fase de corrupção e toda aquela bagunça, então ele veio querendo mudar a imagem da FIFA e começou a buscar o que estava de errado, o que estava certo. Eu vi uma pesquisa sobre o futebol masculino que não tem mais para onde expandir, enquanto o feminino tinha mais de 50% de expansão. Por isso que esse ano vai ser uma das maiores Copa do Mundo de futebol feminino, e as fases decisivas os ingressos estão esgotados, a mais de 100 dias da copa. Então isso não é uma imposição da CBF isso é lá de cima acho benéfico e acredito que não teria que ser por obrigação, mas no Brasil a gente tem uma dificuldade em conscientizar a nossa sociedade que é machista, eu posso falar por experiência própria, a cabeça dos dirigentes dos clubes a maioria é machista e quando tem que corta algo corta do feminino e espero que isso melhore.