CULTURA

OLHOS DE SANGUE

OLHOS DE SANGUE

Um pouco de Cada arte...

Um pouco de Cada arte...

Publicada há 5 anos

O. A. SECATTO

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— T

odo mundo parado! – gritaram os policiais, ao arrombar a porta do galpão abandonado.

— Vá, mate-a logo! Mate-a agora! — bradou um dos assassinos.

Mas, antes que o punhal alcançasse o peito da criança, uma justa bala estraçalhou o pulso do criminoso, que caiu abraçando o próprio braço macerado. Os outros cinco sectários, aturdidos, lançaram-se ao chão e encostaram-se na parede imunda.

— Protejam as vítimas! Vão ver se as crianças estão bem. Vão, vão, vão! — ordenou o capitão da operação de resgate.

Tudo estava muito escuro e o negrume só era cortado pelas fétidas velas do ritual macabro e pelas lanternas dos policiais.

— Capitão, o que é aquilo? — perguntou um deles, apontando o dedo.

— O quê?... — disse o capitão, sem entender seu assombro.

No improvisado altar de sacrifícios, sobre os dois corpos já sob o frio da morte, vislumbraram uma forma de costas, com uma corcunda que quase lhe escondia a cabeça e o resto do corpo. A pele pútrida e asquerosa, num marrom irregular com tons esverdeados, cobria a criatura nua que, agachada sobre a ara satânica, mexia-se lentamente. Ela se virou para os recém-chegados: um demônio! O couro repulsivo de seu rosto enrugado por pouco não cobria dois olhos de uma escuridão profunda e vazia. Suas orelhas eram pontudas e tinha um nariz atarracado como o de um bisão. De suas sobrancelhas nasciam dois chifres curvos e compridos para trás. Ao fitar os policiais, seus olhos tornaram-se rubros como um sangue vivo e pulsante.

— Atirem! Atirem todos! — bradejou o capitão.

Os policiais, assustados, dispararam. O demônio escudou o rosto com o braço esquerdo, lançou o corpo na direção dos policiais e rosnou num grave abissal. Então relançou a forma corcunda para trás e desapareceu em uma fumaça negra e densa, que se dissipou no ar.

Com seu desaparecimento, os satanistas cortaram as próprias gargantas, à exceção de um deles, que foi detido pelos policiais. Aquele que foi baleado esgotou até a morte, afundando a face no próprio sangue.

Assim foi que a polícia impediu a morte de quatro crianças. Das seis desaparecidas, duas já haviam sido sacrificadas.

Um único sectário sobrevivera. E ele foi levado à delegacia para ser interrogado.

— O que vocês estavam fazendo lá? E o que era aquilo? O que era aquilo em cima das crianças mortas?!

— Não adianta, capitão — interrompeu o policial. — Ele parece estar hipnotizado. Veja como ele olha para o nada e não esboça reação. Daqui a pouco voltamos para falar com ele. Dê um tempo, pois quem deve interrogá-lo é o delegado.

— Ele tem, sim, um sorriso velado... Ele está debochando de nós!

— Espere o delegado.

— Que delegado, que nada!

— Venha, capitão. — insistiu o policial, puxando-o pelo braço.

Fora da sala de interrogatórios, o capitão pareceu se acalmar. Mas, num descuido do policial, ele sacou de uma faca e, num ímpeto, reentrou na sala.

— Vamos ver se ele não acorda do sonho!

Puxou o braço do sectário, estendendo sua mão na mesa, e cravou nela a faca com muita força. O outro urrou de dor.

— Ah! O quê?! Ah! Por que o senhor está fazendo isso?! — exclamou, parecendo livrar-se de um transe.

— Seu animal asqueroso! E você ainda pergunta por quê?!

— Calma, capitão! Calma! — gritou o policial, mas o capitão o lançou para fora da sala e trancou a porta. Voltou-se ao satanista, agarrando-o pela gola da camisa.

— O que você acha que estava fazendo ao matar crianças?! Crianças!

— Eu não tive escolha...

— Como não teve escolha?

— Não tive. O senhor não sabe como é fitar sozinho aqueles olhos vermelhos... O senhor também os viu...

— Diga, então!

— Eu não posso...

Ao ouvir a resposta, o capitão afundou a faca ainda mais em sua mão e, com um golpe do próprio punho, fraturou o pulso da mão que sangrava. O choro agora misturava-se aos gemidos de dor e ranger de dentes. Lá fora, tentavam arrombar a porta para impedir o capitão, mas ele a travou com uma cadeira.

— Você ainda tem muitos ossos...

— Não, por favor!... — clamou o sectário, interrompendo a lamúria.

— Desembuche!

— Eu lhe direi tudo, senhor. Só não me bata mais...

— Covarde! Você teve a mesma piedade com aquelas crianças estripadas?! Teve?!

Debruçado sobre a mesa, o criminoso agonizava uma dor incessante.

— Ouça-me, senhor — balbuciou. — Depois o senhor pode fazer o que quiser de mim. Apenas ouça.

— Sou todo ouvidos.

— Existem coisas que estão além da nossa compreensão e poderes muito superiores à ciência do homem.

A agitação da delegacia pareceu cessar e um silêncio tumular dominou a sala.

— Aonde quer chegar com isso, patife?

— Como bibliotecário-chefe da Universidade Nacional, sem querer tive acesso a livros raros, que não circulam por aí. Tais livros estavam perdidos havia séculos em prateleiras empoeiradas e sujas, longe das mãos dos homens. Selado, um deles guardava um conhecimento oculto e ancestral, que inadvertidamente reavivei. Foi nesse momento que percebi que o senhor de minha alma já tinha planos para mim e havia me escolhido. Falou comigo pelas páginas de seu livro: assim aprendi como invocá-lo e estar em sua presença. Contemple, capitão, que o senhor de minha alma é muito poderoso neste mundo! Ele me chamou para si e me revelou a verdade, como poucos na história puderam conhecê-la. Este mundo está condenado desde sua criação, e quem o herdará não serão os homens, mas aqueles que caíram na graça de Deus. Aqueles que lutaram com os anjos e se retiraram para se tornar mais fortes. Com celestiais submissos ao Criador disputarão o mundo e vencerão! Pois tudo o que sobra da vida é a morte. O meu senhor é o Anjo da Morte, que veio preparar o mundo para um senhor maior ainda, o mais majestoso dos anjos. Disse-me, depois de todas as revelações: “Aquele que me for fiel e me prestar os antigos sacrifícios terá meu favor no fim do mundo.” Contou-me do Príncipe...

— Que príncipe?

— O maior anjo, o Anjo da Luz. Aquele que não mais será príncipe, mas rei!

— Seu imbecil, você está delirando?

— Não, capitão, talvez o senhor esteja... Como é que o senhor vai explicar o que viu no altar e que desapareceu diante de todos como fumaça? Desperte do sono da mentira, capitão! Veja que o fim está próximo. E apenas quem estiver do lado certo viverá... Esteja com os mais fortes. Não há mais tempo para erros; não haverá outras gerações depois de nós. Pois seremos nós a testemunhar o julgamento final, em que não haverá juiz, mas será olho por olho, dente por dente. O fim está tão próximo que o meu senhor já pode sentir a presença do Príncipe. Olhe ao seu redor: em tudo o mal prevalece. Não se engane. O mal é a própria essência do homem. É ao mal que recorremos nos momentos de fúria, é o mal que controla nossas reações. No mal encontramos a resposta para o que tanto procura nossa alma, em vão. O mal clama sangue!

— O único sangue que vai haver aqui é o seu, insano!

— Então, o senhor não aceita o meu convite...

— Vá para o inferno com suas loucuras!

— Vamos todos...

O capitão percebeu que já não mais tentavam arrombar a porta. Todas as luzes se apagaram. Já não conseguia entender, o tempo parecia alterado. A única luz acesa era a que estava bem acima da mesa de interrogatório. Abriu a porta e nada viu, nem ninguém. A escuridão dominava tudo.

— O quê? Onde está todo mundo?

— Meu caro capitão... — voltou a falar o sectário, tirando lentamente a faca de sua mão e lambendo o sangue que dela escorria. — O sangue é vida, e é morte, e é poder neste mundo. Há o sangue inocente e o perverso, o novo e o velho, o doce e o amargo. Qualquer sangue humano fortalece e agrada meu senhor. Mas precisamos de mais. Principalmente o sangue forte e o da raiva, como o de um policial violento como você... Veja por si próprio qual é o terror dos olhos vermelhos. Veja como tudo agora se resume a olhos de sangue.

Ao olhar para trás, o capitão viu o vulto do demônio. Das sombras surgiram dois olhos vermelhos e malignos; a luz agora delineava a forma grotesca do demônio, que lhe falou num timbre profundo e escuro:

— Vós, humanos, estais com os dias contados...

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Ilustração de Adam Romuald Kłodecki

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