Eleitos: novos administradores eleitos no último domingo, 06. Foto: Divulgação
Da Redação
Por: Gil Piva
Em Mira Estrela, os ex-candidatos e agora eleitos Gleice Castrequini e seu Vice Marquim do Feiez venceram a atual prefeita Priscila do Macarrão, com 53,31% dos votos. A partir de janeiro, serão eles que comandarão a administração municipal.
A eleição em Mira Estrela foi marcada por uma reviravolta. Frente à atual prefeita, que representa o legado hegemônico de Antonio Carlos Macarrão do Prado - e que tinha a vitória como certa -, a campanha de Gleice e Marquim, inicialmente tímida, superou as expectativas. Uma das possíveis razões se dá à hábil instrumentalização das plataformas digitais: cenário que tem se revelado o “novo mundo da política”, colapsando as antigas certezas da política tradicional. A expressão “efeito Gleice”, que dá título à matéria, nasce desse universo e da maneira vigorosa como ela se comunica, tornando-se, sem dúvida, a candidata de maior destaque nas eleições regionais.
Em entrevista exclusiva, a futura prefeita e o futuro vice-prefeito toparam de bom grado ser sabatinados. Dessa vez, embora mantivessem a mesma seriedade com que sempre discutiam suas propostas e ideias, não se notava a tensão usual que os acompanhou durante todo o período eleitoral.
Vale constar que muitas das perguntas se dedicam ao panorama político que tomou vida na internet, tanto no que diz respeito aos candidatos quanto ao que compreende o eleitor. O tema, a rigor, conduzido por essas perguntas, perpassa questões sobre o plano de governo apresentado e atinge assuntos mais amplos - que nem por isso deixam de ser emblemáticos também para a realidade de Mira Estrela.
Se existe um tom responsável por motivar as provocações pensadas para esta entrevista, ele é marcado, de certo modo, pela inteligência da Gleice e pela sagacidade do Marquim.
· Gleice, Marquim, gostaria de parabenizar vocês pela vitória, e agradecer por me conceder esta entrevista. Minha primeira pergunta é para a Gleice. Gostaria de entrar em um dos temas que me são caros: a democracia. No vídeo em que comenta uma postagem de uma funcionária municipal (apoiadora da atual gestão), você articula acertadamente e com clareza a concepção de democracia. De uns anos para cá, a ideia de democracia tem servido apenas para legitimar interesses pessoais e crenças ideológicas radicais, fazendo da noção de representatividade social um lugar vazio, além de promover, em consequência, uma enorme desconfiança do Estado de Direito. Nesse sentido, o que fazer para que a democracia recupere a sua real e merecida importância?
R: Este foi o nosso maior desafio na campanha, fazer com que uma boa parte das pessoas entendesse que, enquanto eleitores, temos o livre arbítrio de fazermos nossas escolhas. Enfrentamos uma campanha “silenciosa”, onde as pessoas estavam intimidadas, com medo e apreensivas em manifestarem suas opiniões ou escolhas partidárias, devido estarem ligadas a cargos públicos ou na situação de “deverem” favores a políticos. Não foi por acaso que utilizamos o slogan “Coragem pra Mudar” em nossa campanha, justamente no sentido de despertar e incentivar a população a se envolver nos assuntos públicos do município, na conduta das lideranças políticas, para que começassem a refletir sobre questões e comportamentos que até então eram vistos como normais, mas que, ao fundo, trazem enormes prejuízos no desenvolvimento humano e no crescimento do município há anos. Nossa gestão incentivará o diálogo com os munícipes, priorizando os interesses e demandas da população, dando abertura e participação nas tomadas de decisões que envolvam questões da comunidade, incentivando o respeito entre aqueles que pensam ou fazem escolham contrárias um ao outro; com isso, acredito que daremos nossa contribuição para o entendimento de como vivermos a democracia enquanto sociedade.
· Bruno Garschagen, em seu livro “Pare de Acreditar no Governo: por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado” (ed. Record), analisa como os interesses sempre pessoais e individuais distorcem as necessidades básicas coletivas; ou seja, para uma cidade pequena como Mira Estrela, como administrar esses dois aspectos tão contraditórios e culturalmente enraizados?
R: Este foi o ponto central em nossos discursos, para que as pessoas não pensassem nos favores momentâneos ou no individualismo. Chegamos em um momento da história política e administrativa de Mira Estrela em que é extremamente necessário pensarmos na mudança e na transformação para os próximos quatro anos. Passamos a mensagem de que a partir do momento em que colocarmos Mira Estrela como o nosso plano e projeto principal e único, seremos muito mais fortes, e consequentemente colheremos todos os resultados positivos em sociedade. Quando uma cidade está bem alinhada e o gestor cumpre com os anseios da comunidade, naturalmente isso reflete no individual de cada cidadão ou família, gerando possibilidades e perspectivas de crescimento, com liberdade.
· Gleice, pra mim (e inclusive para algumas pessoas com quem conversei), acho inegável que sua entrevista ao podcast “Falando Fácil” foi o ponto culminante de sua campanha, que, até o momento, vinha crescendo de maneira discreta. A internet e as plataformas digitais transformaram os cenários políticos - para o bem e para o mal -, e você soube instrumentalizar a capacidade abrangente desses meios, unindo a eles suas habilidades de articulação e expressão. A pergunta é a seguinte: sem a internet, será que o “efeito Gleice” teria o mesmo resultado?
R: Acredito que não. A internet foi uma das peças fundamentais durante a campanha para que eu conseguisse expressar minhas opiniões, compartilhar informações, além de alcançar pessoas que ainda não me conheciam ou aquelas que conheciam, mas que ainda não tinham tido a oportunidade de conversar comigo. Através das redes sociais, conseguimos entregar o nosso plano de governo às pessoas, mostrarmos as nossas propostas através de vídeos e definirmos votos. Foi surpreendente.
· Ainda neste tópico da internet e das redes sociais, o jornalista Maurício Dias lançou em 2004 um livro (“A Mentira das Urnas: crônicas sobre dinheiro & fraudes nas eleições”, ed. Record) muito interessante sobre como o dinheiro investido em campanhas ditavam os resultados das eleições. Naquela época, ele mal podia imaginar o que ocorreria hoje: vocês vencendo uma oposição materializada pela forte aplicação de dinheiro. Queria que vocês comentassem isso e se a internet, em razão das ofensas e das fake news, não acabaria gerando uma “imprevisibilidade política”? Parafraseando o livro de Dias, e a partir dessa imprevisibilidade, campanhas tidas como decisivas para suas vitórias não seriam “a nova mentira das urnas”?
R: Em Mira Estrela o dinheiro perdeu. A vitória de Gleice e Marquim demonstrou a consciência da população e o anseio pela mudança. O resultado nas urnas, neste caso, representou o grito de liberdade e de um basta em muitas amarras políticas que o histórico da cidade vivia há anos. Discursos ilusórios e promessas não passaram adiante. A vitória foi do POVO!
· Complementando a pergunta anterior: nesta eleição muitos comentavam que o tom ofensivo de ambos os lados - tanto dos candidatos quanto de seus apoiadores - ultrapassou os limites éticos, resultando em manifestações desnecessariamente belicosas. Neste contexto, a política em Mira Estrela, daqui pra frente, mesmo sob uma excelente e inquestionável gestão, não correria o risco de se tornar refém não só do mundo digital, mas também de atitudes que desmoralizam as relações próximas de uma cidade tão pequena?
R: Acredito que essa euforia gerada de ambos os lados, em determinadas situações, foi pelo combate, de um lado aqueles que defendiam um cenário de que tudo está caminhando bem na administração pública, insistindo na camuflagem da realidade, carregando entre si favores e motivos individuais que o fizeram permanecer nesta defesa. Enquanto do outro lado, vozes que defenderam a alternância de poder, a necessidade da oportunidade da mudança, da transparência e acesso à informação, da demonstração da realidade que se vê nas ruas e pela liberdade enquanto cidadãos e servidores públicos municipais. Dizer que vamos conseguir acabar com os extremos, estaria mentindo; mas, pelo menos, daremos a nossa contribuição para que amenize.
· ...Entendo, mas me deixe refazer a pergunta de outra forma: os passos da sociedade política, como os conhecíamos, não se encaminham para um possível desordenamento da máquina pública, no seu sentido mais pragmático do termo? Isto é, a influência das redes não interfere nas motivações dos representantes a ponto de “contaminar” o trabalho sério e efetivo?
R: Entendo que as redes são só mais um meio para ouvir e refletir sobre as questões públicas e sociais. É preciso buscar, todos os dias, o equilíbrio nas motivações. Acredito muito que o sucesso de um gestor ou liderança está justamente em saber o que aceitar e controlar as referências que atingem positivamente ou negativamente os trabalhos e decisões.
· Admiro a coragem de se exporem decididamente na internet. Sabemos o peso catastrófico que muitas vezes ela impõe às pessoas. O modo como vocês se expuseram já afetou suas vidas de alguma maneira? Fariam tudo igual ou mudariam algo?
R: Faria tudo exatamente igual. Fomos verdadeiros em tudo, e essa foi a diferença. Ficamos chateados quando envolveram nossos familiares ou pessoas do nosso círculo de convívio em notícias ou histórias falsas. O respeito deve prevalecer em qualquer circunstância.
· Mudando de assunto, dois polos complexos dizem respeito à Saúde e à Educação. Sabemos que, com todos os defeitos, Mira Estrela é referência na Saúde e na Educação - que mantém uma boa nota no IDEB. Para alguns profissionais de ambos os setores, investimentos na infraestrutura, na capacitação e valorização seriam o passo inicial para avanços e melhorias. Me permitam pegar emprestada uma sábia provocação do Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação: e se tudo isso for conquistado e quase nada (ou muito pouco) melhorar? De quem será a culpa depois?
R: Na Saúde e na Educação, ainda temos muito o que conquistar. Ninguém pode garantir chegar nos 100% em tudo, sempre dependeremos de questões humanas e físicas para tal acontecimento. Mas há a diferença entre aquele que quer fazer acontecer e aquele que não deixa acontecer. Eu me comprometo em trabalhar para fazer acontecer e conquistar as melhorias necessárias.
· No plano de governo de vocês são apresentadas muitas propostas. A princípio, por essa grande quantidade de propostas, o plano parece não se concentrar em algumas medidas com mais especificidades. Vocês acham que é realmente possível executá-lo, e executá-lo bem - se não tudo, pelo menos os pontos mais urgentes (comentarei sobre isso na próxima pergunta) -, em apenas quatro anos?... Com isso não estou dizendo que não são sérias as propostas, ou que esses problemas de fato não existam.
R: Temos consciência que alguns projetos são a curto, médio e a longo prazo, e que também depende do orçamento financeiro. Entraremos na gestão comprometidos em cumprir cada proposta. Focados em realizar as principais urgências de cada setor. Todo o nosso plano foi estruturado baseado no que ouvimos da população durante esse mandato e também sobre ideias e projetos que entendemos que contribuirão para melhorar a infraestrutura do município.
· ...A questão dos desastres ambientais, por exemplo, não ganhou o destaque que merecia durante a campanha. Recentemente a Folha de S. Paulo (Cotidiano, 30/09) publicou uma matéria ótima alertando para o fato de que "mais da metade dos municípios não tem plano de resposta a desastres ambientais". Mira Estrela sendo um município turístico e com reserva ambiental, pergunto para o Marquim: pela tua experiência no campo, como vocês planejam desenvolver e tornar essas medidas fundamentais e efetivas nestes quatro anos de gestão?
R: É uma ótima pergunta. Pensando exatamente na prevenção é que queremos dar mais atenção e importância ao trabalho e estrutura da Defesa Civil, criando o Centro de Operações Integradas, onde uniremos os serviços como: segurança pública, trânsito, ambiental, enfim, integrar toda a rede de apoio, unindo tecnologia e informação, estruturando pessoas em conhecimento técnico, operacional e em equipamentos de trabalho.