ENTREVISTA ESPE

Noroeste paulista na rota do narcotráfico internacional

Noroeste paulista na rota do narcotráfico internacional

Jornalista investigativo, Allan de Abreu, explica a relevância das cidades da região no mecanismo do tráfico de drogas

Jornalista investigativo, Allan de Abreu, explica a relevância das cidades da região no mecanismo do tráfico de drogas

Publicada há 7 anos

Allan de Abreu é jornalista e autor do livro-reportagem “Cocaína – A Rota Caipira”



Por Livia Caldeira


O caminhoneiro que realiza o transporte da droga, o policial que se corrompe, o menor de idade que revende, os grandes barões do pó que lucram, empresários que lavam o dinheiro e políticos que financiam campanhas eleitorais... O mecanismo do tráfico de drogas pode-se dizer “democrático”, não faz distinção de classe social ou nível de escolaridade e envolve diferentes setores da sociedade. A partir do livro “Cocaína – A Rota Caipira”, do jornalista Allan de Abreu, é possível entender todas as engrenagens que envolvem o narcotráfico internacional. Durante quatro anos, ele entrevistou policiais, juízes, promotores, traficantes e cocaleiros no Brasil, Paraguai e Bolívia e reuniu milhares de documentos. Em entrevista concedida ao “O Extra.net” ele explica porque Fernandópolis, Jales, São José do Rio Preto e outras cidades do noroeste paulista fazem parte da principal rota do narcotráfico, revelando quem e o quê está por trás de tudo.  

O EXTRA: Quais são as principais e por que as cidades do Noroeste Paulista fazem parte da principal rota do narcotráfico?
ALLAN: O noroeste paulista é uma região estratégica para o narcotráfico por alguns fatores:
1) Está a meio caminho entre os países produtores de cocaína e maconha, sobretudo Bolívia e Paraguai, de um lado, e os grandes centros consumidores, como Rio, SP e Belo Horizonte, além do porto de Santos, por onde parte da cocaína é exportada à Europa;
2) Tem um relevo plano com tempo bom a maior parte do ano;
3) Conta com muitos canaviais, plantações que utilizam pulverização por aviões e, por isso, contêm muitas pistas improvisadas, perfeitas para a descida de aeronaves de pequeno porte abarrotadas com tabletes de pasta base;
4) Possui extensa malha viária, em geral pouco fiscalizada, o que favorece o transporte.
Entre as cidades, eu destacaria, de um lado, Rio Preto, por ser a maior delas, com maior diversidade econômica, perfeita para lavar dinheiro do narcotráfico, e também o eixo Jales-Fernandópolis, pela localização privilegiada para a logística dos traficantes: está no entroncamento entre dois estados importantes para as quadrilhas: Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.

O EXTRA: Você acha que o tráfico procura os políticos eleitos ou ocorre o movimento reverso? Eles também investem em épocas de eleições?
ALLAN: Não tenho dúvida de que o narcotráfico financia boa parte da política no Brasil, sobretudo em período eleitoral, por dois motivos muito simples: os traficantes movimentam muito dinheiro e, via de regra, os políticos necessitam de muita verba para custear suas campanhas.



Allan segura uma planta de coca no Chapare, departamento de Cochabamba, durante uma de suas viagens à Bolívia para a elaboração do livro




O EXTRA: No livro você cita o envolvimento de diversos políticos da região com o narcotráfico. Quais os principais e qual o nível de envolvimento?
ALLAN: Meu livro aborda um pouco essa relação entre o tráfico e a política, com diálogos suspeitos entre grandes traficantes libaneses radicados em São Paulo e o deputado estadual e ex-prefeito de Santa Fé do Sul Itamar Borges (PMDB), além de citações ao presidente Michel Temer (um descendente de libaneses, é bom lembrar). De todo modo, creio que são só uma pequena ponta do iceberg. Costumo dizer que o Brasil precisa de uma Lava Jato da narcopolítica.


O EXTRA: As desativações dos postos fiscais pelo governador Geraldo Alckmin, nas divisas paulistas com Minas Gerais e Mato Grosso do Sul podem ter facilitado o contrabando e o tráfico?
ALLAN: De certa forma sim, já que, ainda que esses postos não tenham função policial, colaboram na fiscalização de mercadorias desses Estados vizinho, e é no meio dessas cargas ilícitas que o tráfico costuma ocultar o entorpecente.

O EXTRA: Em seu livro você cita muitos crimes cometidos por traficantes da região. Alguns tentaram impedir o seu trabalho e dificultar as apurações? Após a publicação, você recebeu alguma ameaça?
ALLAN: Não tive dificuldade nesse sentido. Também não fui ameaçado em nenhum momento, ao menos até agora. Mesmo assim, tomo as minhas precauções (prefiro não revelá-las).

O EXTRA: Pesquisando a fundo sobre o assunto, o que mais te deixou surpreso em relação ao submundo do tráfico?
ALLAN: A ganância do ser humano, que não mede esforços em exercer a maldade para satisfazer seus interesses escusos. Animalizam jovens ao transformá-los em mulas, assassinam desafetos a sangue frio, promovem assaltos. Tão grave quanto a legião de viciados que a cocaína provoca é a maldade que ela dissemina na mente de um criminoso.

O EXTRA: Em seu livro você diz que os traficantes costumam comprar fazendas nesta região. Por quê?
ALLAN: Porque a compra de terras é um modo eficiente de lavar dinheiro, principalmente se vierem com algumas milhares cabeças de gado: a compra e venda das reses é intensa ao longo do ano, o que possibilidade injetar dinheiro sujo sem levantar suspeitas.

O EXTRA: Você chegou a pesquisar o investimento de narcotraficantes em "garagens" de revenda de veículos na região? Se sim, o que descobriu?
ALLAN: Garagens de veículos são uma forma clássica de lavagem de dinheiro do narcotráfico pelo alto giro financeiro. A Operação Desmonte, de 2004, descortinou uma rede de garagens de Rio Preto dominadas pelo PCC. Mais recentemente, em 2011, a Operação Colheita, da PF, chegou até garagens de Fernandópolis comandadas por traficantes.


O EXTRA: Quais as consequências dessa guerra imposta por organizações criminosas, como o PCC, para o Brasil?
ALLAN: O PCC tornou-se uma das organizações criminosas mais poderosas do mundo, capitalizada pelo narcotráfico. Não vai demorar para que a facção se infiltre de vez na política e, com o domínio da cadeia logística do tráfico desde o Paraguai e a Bolívia, torne-se um grande cartel das drogas, ao melhor estilo Pablo Escobar. O Estado brasileiro é frágil demais diante do atual poderio financeiro e organizacional do PCC.

O EXTRA: Ações repressivas na Cracolândia de São Paulo e a liberação da maconha em vários países alimentam o debate sobre a melhor política para reduzir os danos das drogas. Você é a favor da legalização de drogas leves?
ALLAN: Vejo a liberalização com algum temor, por basicamente dois motivos:
1) A liberalização é um problema de saúde pública, não de segurança pública. Comprovadamente a maconha causa malefícios à saúde, o que poderia levar a um aumento da demanda no SUS, que definitivamente não está preparado para isso - aliás, o Estado é muito omisso no tratamento da dependência química, o que possibilita a atuação de ONGs duvidosas;
2) Liberar a maconha não vai acabar com o tráfico da maconha, porque o traficante vai oferecer a droga a preços muito mais baixos, já que não paga impostos - mais ou menos o que ocorre hoje com o contrabando.

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