HISTÓRIAS DO T

'Quer trocar a cobra por agrião e alface?'

'Quer trocar a cobra por agrião e alface?'

Por Claudinei Cabreira

Por Claudinei Cabreira

Publicada há 6 anos


Será que você ainda se lembra dos janeiros da sua infância? Particularmente, para mim, ele sempre foi o melhor dos meses nos meus primeiros anos de férias escolares, mesmo sendo o eterno mês da chuvarada, o principal mês da “Estação das Águas”, comodizia o povo de antigamente.

Apesar da chuvarada intermitente, junto com, meus irmãos e nossos amigos, sempre encontrávamos um jeito de garantir diversão, principalmente nas férias, quando o tempo para arrumar encrencas e fazer “artes”, era dobrado. Aliás, a gente fazia coisas do arco-da-velha, que deixariam os pais de hoje em dia, de cabelos em pé e as crianças de agora, com a boca aberta e incrédulas. Se a gente era arteiro?  Bota arteiro nisso!

Justiça seja feita: a gente sabia das coisas. Aprendia sempre quebrando a cara, destroncando dedões e ganhando cada “galo”, que dava gosto. Fora as raladas nos joelhos e nas canelas, que eram coisas normais. Nada que um bom “Mercúrio-Cromo”, não desse um jeito na encrenca. Claro, a gente era sapeca e levado da breca porque tomava Biotonico Fontoura, que dava um apetite de leão; Toddy e Emulsão Scott, que davam um “muque danado”.

Tomar banho de chuva, soltar barquinhos de papel e brincar na enxurrada, era a alegria da molecada e o desespero das nossas mães, até porque, a roupa ficava encardida, não tinha Rinso e Anil que dava jeito na sujeira. E a gente ficava marrom de barro, da cabeça aos pés. Quantas boas sovas e castigos não levamos por conta dessas traquinagens...

Até quando ficávamos presos dentro de casa, sem poder botar os pés na rua, por conta da chuva ou de algum castigo, a gente dava um jeito e arrumava diversão. Os meninos das famílias abastadas, tinham os caríssimos jogos de futebol de botão. Nós tínhamoso nosso jogo de “futebol de pregos”, que a gente mesmo fazia. Bastava arrumar uma tábua de uns 30x60cm, um martelo e uns cinqüenta pregos.

Primeiro a gente fazia a marcação do “campo” com lápis de carpinteiro, depois o alambrado, com pregos e cercado com barbante para a bola (de gude, revestida com um bico de chupeta) não sair, e aí era só pregar os 22 jogadores (pregos) distribuídos pelo campo, cada um na sua posição. E com uma pazinha de sorvete de casquinha, a gente tocava a bola. Pronto, a diversão estava garantida. As férias eram uma festa o dia todo, a semana inteira!

Levante a mão quem nunca brincou de salva-pegas, ricotrico, barra-manteiga, esconde-esconde, campeonato de cuspe à distância, de faroeste, de subir em árvores e imitar o Tarzã, de empurrar pneu ou rodar arquinho, de circo, de caçar vagalumes, de futebol com bola de meias, de jogar pião, de bater bétias, de luta livre ou bolinha de gude? Nunca brincou de gringalha? “Gringaia, Martim corta a paia, paia, paió, quem escapá é o mió!”

Também levante a mão, quem nunca teve uma coleção de gibis, de álbuns de figurinhas, de moedas, de selos, de marcas de cigarro, de bolinhas de gude e até de certos bilhetinhos secretos. Vai dizer que você também nunca tomou banho de rio escondido dos seus pais? A meninada do meu tempo era fogo-no-boné-do-guarda. Acredite, se puder, mas a gente descobriu - não me pergunte como -  que se depois do banho de rio, rolássemos  na areia, não ficariam marcas nos braços e nas pernas, quando nossas mães, mais que desconfiadas, passavam a unha na nossa pele; se ficasse um risco branco, pronto; a gente estava frito e torrado!

Lembro que um belo dia reunimos a turminha e inventamos de fazer nossa primeira pescaria. Todo mundo “catatau”, todo mundo marinheiro de primeira viagem. Pegamos “emprestadas” as varinhas de pesca de nossos pais e marchamos heroicamente, rumo à maior de todas nossas aventuras; pescar no Santa Rita! E lá fomos nós, passando pelo pasto da Fazenda Cáfaro, cheio de vacas, onde hoje é o Jardim Rio Grande, mais conhecido como bairro da Cesp.

Na baixada ficava o Santa Rita, então de águas cristalinas, cheio de lambaris. Do lado esquerdo ficava a grande horta da Família Nakazone e abaixo, na direção da antiga Avenida Sete, haviam alguns poços, dois deles rasos, mas bem largos, onde aprendemos nadas por conta própria dando nossas primeiras braçadas e mergulhos.

Nesse dia, justo na nossa primeira pescaria, um dos meninos da turma fisgou uma enorme enguia. Quando ele tirou aquela “cobra grandona” de dentro d’água, todo mundo saiu correndo, inclusive ele. Um dos membros da família Nakazone que passava pelo local, vendo a correria e a gritaria da molecada, resolveu conferir de perto o que estava acontecendo. E quando viu a tal cobra, rindo muito, fez uma proposta inusitada; “Quer trocar a cobra por agrião e alface?”

Incrédulos, aceitamos a proposta e chegamos em casa com maços e maços de agrião e alface. Complicado mesmo, foi explicar para nossas mães que a gente tinha “pescado uma cobra” e um japonês maluco, trocou ela por aquele monte de verduras. Claro que a gente ainda não sabia que enguia é um peixe, muito apreciado por sinal, para um bom e caprichado sashimi. Semana que vem a gente volta. Até lá.


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