Sérgio Piva

O Homem do Saco

O Homem do Saco

Sérgio Piva

Sérgio Piva

Publicada há 6 anos

Quando criança, para não sair sozinho por aí, era ameaçado com a história do homem do saco, um maltrapilho que andava pela cidade com um saco de estopa nas costas recolhendo as crianças que estivessem na rua desacompanhadas, segundo minha imaginação, alimentada pelo terrorismo dos adultos.Toda criança que conhecia tinha pavor do homem do saco.


As ameaças feitas pelos pais em geral não paravampor aí, havia outros personagens da cultura popular que eram usados para amedrontar as crianças: bicho papão, cuca, boi da cara preta, lobo mau, mulasemcabeça, o bicho do escuro e muitos outros que não me lembro no momento.


Em minha adolescência, outros medos povoavam o universo juvenil. Listado em ordem terrivelmente crescente, tínhamos os seguintes medos: dos pais, dos professores, dos mais velhos e fortes dos anos escolares subsequentes, da diretora da escola, de bandidos, da polícia, da loira do banheiro, de lobisomem e de personagens famosos dos filmes de terror.


A vida vai passando e outros medos vão tomando o lugar dos monstros de outrora. Cada um, de acordo com as experiências vividas, tem menos ou mais medo, coleciona poucos ou muitos monstros. Somente a própria pessoa, no seu íntimo, sabe qual ou quais as criaturas que mais assombram sua vida e, mesmo que seja no imaginário, o temor (e o tremor) é real.


Hoje, parece que não há mais tantos monstros assombrando as crianças. Não sei se quiseram poupar as crianças dos assombros fictícios, se quiseram mostrar-lhes a realidade mais cedo ou se acham injusto provocar medo. Seja qual for a resposta indicada, parece que atualmente não existe mais medo de tantas coisas.


Medo de professor já não existe faz tempo, da diretora talvez um pouco, dos pais quase nenhum, na maior parte das famílias. Medo de polícia então, nem mesmo os bandidos. Lembro-me que a polícia tinha um projeto, não sei se ainda existe, que levava estudantes, especialmente os mais jovens, para visitar o batalhão, mostravam as viaturas e as dependências do quartel com objetivo de amenizar esse medo que as crianças tinham de polícia.


Não sei se o medo é o melhor recurso para impedir as transgressões, nem acho que crianças e jovens devam ter medo dos professores ou da polícia. Apenas penso que nessa mudança de postura da sociedade o medo deveria ter sido substituídopor um valor maior: o respeito. O que, me parece, não aconteceu, pois deixaram de ter medo de muita coisa e respeito por quase nada.


Pode ser que o respeito seja um valor ainda em construção em nossa sociedade e que o medo seja visto por muitos como uma solução ultrapassada, apesar de ainda muito usado em diversos ambientes, especialmente pelas religiões.Longe de qualquer tipo de apologia,a sabedoria popular sempre disse que só morre afogado quem não tem medo de água.


Tenho esperança de que o respeito possa sereleito como valor principal do comportamento e interação entre as pessoas e o diálogo seja a ferramenta primordial a ser utilizada na solução das discordâncias, caso contrário, viva o homem do saco, ou melhor, cuidado com o homem do saco.

 

Sérgio Piva

s.piva@hotmail.com

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