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Dupla vocação: O médico que quer ser padre

Dupla vocação: O médico que quer ser padre

Dr. Washington é conhecido e respeitado pelo seu carisma profissional e sua aptidão sacerdotal

Dr. Washington é conhecido e respeitado pelo seu carisma profissional e sua aptidão sacerdotal

Publicada há 8 anos

 

"O segredo de uma boa vocação é colocar amor naquilo que fazemos"



Por Josanie Branco


Saber o que queremos fazer da vida é extremamente difícil. Escolher a carreira a seguir e afins não é fácil, especialmente se você não souber qual é a sua vocação. É somente conhecendo bem a si mesmo que você conseguirá descobri-la. Mas quando a vocação é dupla, os desafios para a escolha são ainda maiores e mais difíceis. Aos 27 anos, o fernandopolense Washington Henrique da Conceição é um grande exemplo de determinação que resolveu seguir o seu coração e o chamado de Deus, conciliando suas vocações. 


Médico formado, Washington trabalha na Prefeitura de Fernandópolis e concilia sua profissão com a faculdade de filosofia no Centro de Estudos Superiores Sagrado Coração de Jesus, em Rio Preto, e ainda faz estágio pastoral nas cidades de Santa Albertina e Paranapuã aos finais de semana, junto com o padre Giuliano, mesmo padre que o batizou quando criança. 


Em entrevista especial a este “O Extra.net”, Dr. Washington, como é carinhosamente conhecido em toda cidade, conta um pouco de sua história e de como concilia sua dupla vocação. 


EXTRA: Você é conhecido e respeitado como um excelente profissional. Como e quando despertou seu interesse pela profissão? 

WASHINGTON: Antes de tudo, obrigado pelo elogio. A primeira lembrança que tenho de querer ser médico foi com cinco anos, na escola. Eu me imaginava um cirurgião e pegava o grafite da lapiseira e enfiava na borracha. Depois, com o compasso e outros materiais escolares “operava” a borracha, lembro que a cola era meu “fio de sutura”. Era algo muito inocente, mas quando pude participar de uma cirurgia pela primeira vez tive essa recordação. Durante a adolescência, eu tinha contato com minhas tias que trabalhavam na Santa Casa de Fernandópolis, uma delas era cozinheira e nas festas de fim de ano que ela trabalhava nós íamos lá, à meia-noite, para desejar Feliz Natal.  Eu me imaginava andando por aqueles corredores de jaleco. Tenho um carinho muito grande pela Santa Casa de Fernandópolis, porque ela participou do meu despertar vocacional.  Observava também meu pai operando algum animal e sempre me perguntava se com as pessoas seria daquela mesma forma. Foram vários sinais que me deram essa certeza, todos eles me levaram a essa convicção de ser médico. 




EXTRA: A que você atribui tantas pessoas querendo receber o seu atendimento profissional. Tendo você como preferência nas unidades de saúde? 

WASHINGTON: Essa “preferência” me preocupa um pouco, primeiro porque infelizmente não posso atender todo mundo, depois porque eu sou um médico como tantos outros. Faço meu trabalho direito, cuido das pessoas com ética, com sabedoria e carinho, esse é o modelo de atendimento que aprendi na faculdade e todo mundo deveria ser atendido assim. Acredito que meus pacientes se sentem cuidados, gosto de pensar que o problema daquele paciente, a partir do momento que ele partilha comigo, é meu também e ele não é um aglomerado de órgãos ou doenças, mas uma pessoa que merece respeito e cuidado, busco então realizar um cuidado integral, partindo da queixa do paciente, mas tendo em mente toda sua biologia, seu contexto psicológico, social e religioso. Mas recebo muitas críticas também, a demora no atendimento é uma delas e alguns pacientes dizem que sou curioso. Tem gente que chega ao consultório e diz: “eu quero só um encaminhamento para o oftalmologista”, mas eu pergunto o porquê, vejo se não existe a possibilidade de fazer algo no nível primário de atendimento. Como clínico posso resolver 80% das doenças das pessoas, não é certo apenas encaminhar, sem saber as razões. Na faculdade recebi uma boa formação de saúde pública e acabo usando todos os conceitos em qualquer ambiente de atendimento seja no PSF, UBS, Pronto Socorro ou atendimento domiciliar. 




EXTRA: Qual seu maior desafio como médico? 

WASHINGTON: O cuidado integral de uma pessoa precisa muito mais do que um médico. Quando preciso de um exame ou do cuidado de outro profissional tenho muita dificuldade, às vezes é uma demora que não podemos esperar. Acho que esse é o maior desafio de todo médico, buscar a excelência em um ambiente que, às vezes, não é favorável pela falta de recursos. Não falta médico, faltam muitas outras coisas. 


EXTRA: Sua profissão é almejada por muitas pessoas, mas nem todos conseguem alcançá-la.  O que te faz buscar agora o sacerdócio? 

WASHINGTON: Quando criança, ao mesmo tempo em que eu queria ser médico, também desejava ser padre. Desde pequeno essas duas vocações me perseguem. Digo às pessoas que não foi uma voz que ouvi, nem uma visão que tive, na verdade foram pequenos gestos do dia a dia que levaram a essa dúvida: “ser padre” surgiu no meu coração. Esse questionamento é algo inquietante, o que exigiu acompanhamento e discernimento. Após esse período tive a certeza que só seria totalmente feliz e realizado como pessoa no sacerdócio. Ser padre para mim é o caminho para me realizar como pessoa e cumprir aquilo que Deus planejou para mim. Nossa vocação é essa, cumprir a vontade de Deus. Vale lembrar que toda vocação é individual e não existem melhores ou piores, cada um tem a sua. Ser pai de família, político, pedreiro são desafios grandiosos e extremante necessários. 




EXTRA: Como você concilia ser médico e estar no seminário. Como é sua atual rotina? 

WASHINGTON: Essa conciliação exigiu muita reflexão dos meus formadores: bispo da diocese, reitor (padre responsável pelo seminário) e padres de pastoral (padres que aos finais de semana realizamos estágio pastoral) que permitiram essa conciliação. Tenho certeza que é Deus que chamou e cuidou para que tudo desse certo. Tenho dispensa de alguns períodos do seminário que me permitem atender como médico. Como é impossível separar o Washington seminarista do Washington médico, sempre que atendo algum paciente realizo minha vocação de médico, mas também minha vocação de seminarista. Faço aquilo que na formação chamamos de pastoral, ou seja, a conciliação acontece em todo tempo, não só em alguns períodos. Em cada doente vejo o próprio Cristo sofredor que vem me visitar e no cuidado vejo a possibilidade de tocar Deus e amar Ele no amor ao próximo, e também usar o saber científico da medicina. 


EXTRA: Você acredita que é possível ser um bom médico e um bom padre? WASHINGTON: O segredo de uma boa vocação é colocar amor naquilo que fazemos. Serei um bom padre se colocar amor no ser padre e serei um bom médico se colocar amor no ser médico. Esse amor que digo não é esse sentimentalista das novelas, mas o amor ensinado por Cristo, amor que é caridade, misericórdia e doação. Como não existirá uma distinção entre ser padre e ser médico, mas uma realidade em que as duas vocações vão viver de modo harmonioso, sendo um bom padre serei um bom médico. Ou melhor, serei um bom Washington. 


EXTRA: Se um dia for preciso fazer uma escolha, você sabe em que vai optar: medicina ou sacerdócio? 

WASHINGTON: Houve um momento em minha vida que fiz essa escolha. Quando entrei no seminário a conciliação não estava muito clara e era preciso viver essa realidade para que as decisões necessárias dessa conciliação fossem feitas.  Precisei deixar a medicina e escolher o sacerdócio. Foi um momento de muita angústia, porque apesar de ter fé as coisas eram muito incertas e temos as nossas limitações. Em uma semana todas as coisas deram certo, foi um teste de fé. O papa emérito Bento XVI diz que Deus não nos tira nada, gosto de pensar assim. Existe um por que, para essa vocação, que não é uma junção de duas coisas, mas uma só realidade. Deus sabe o que faz. Acima de tudo tenho fé e se for necessário outras escolhas Deus irá preparar tudo São Paulo na carta aos Romanos nos ensina que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, temos que ter fé. 


EXTRA: Como você vê a saúde pública hoje? 

WASHINGTON: Vivemos um momento complicado, não só na saúde, mas em todo o Estado, isso exigirá muito esforço e cuidado dos governantes. O SUS do papel é algo maravilhoso, agora temos que realmente implantar aquilo que foi almejado pela Constituição de 88. Vejo uma saúde pública doente que precisa otimizar aquilo que está dando certo e “tratar” aquilo que está “doente”. Temos que ter uma visão de continuidade nos programas de saúde, não podemos mudar tudo a cada nova gestão, e é necessário melhor controle dos investimentos, lutar contra a corrupção, esse grande mal que devasta nosso país, principalmente os mais pobres. Acredito na mudança, na possibilidade de melhorar e termos de fato um serviço público de saúde digno para as pessoas. 


EXTRA: Sua família te apoia em suas decisões? 

WASHINGTON: Todos os pais querem ver seus filhos felizes, os meus não são diferentes.  No início foi difícil, era algo muito novo, choramos muito, mas depois que entenderam onde estava minha felicidade nosso relacionamento se tornou mais harmonioso. Hoje tenho total apoio deles. Quando tenho a oportunidade de estar com eles, o que infelizmente é pouco, é comum consultar os vizinhos como médico e depois realizar algum momento celebrativo na capela. Estando em sintonia as duas vocações. 




EXTRA: Como será o padre Washington? 

WASHINGTON: Desejo ser o padre que as pessoas precisarem, um padre que possa transmitir Deus às pessoas, que seja essa ponte que uni o humano ao Divino. As pessoas carregam muitas cruzes, quero aliviar esses sofrimentos, ensinar que Deus é amor, não um juiz ou pai severo. 


EXTRA: Qual é o seu maior sonho? 

WASHINGTON: Ir para o céu e levar o máximo de pessoas que eu puder. Esse é meu maior sonho. E isso não é uma loucura da minha parte, somos criaturas de Deus e o céu é o nosso lugar. Para realizar esse sonho busco ser dócil ao agir de Deus, seguindo os  seus caminhos. 

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