De todos os mitomaníacos desfaçados da cidade, Horácio era o mais bem-sucedido. Mas tal sucesso consistia apenas em não ser demitido. E isso só era possível porque o chefe gostava de criatividade e, no fundo — embora não demonstrasse —, se divertia com o funcionário excêntrico. Era um mês de agosto que trouxera todos os seus ventos. E, com os ventos, a potencialização da imaginação do Horácio. Agosto. Aquele seria um mês que todos, inclusive o chefe, jamais esqueceriam.
Quando o Horácio chegou à empresa, o chefe já o aguardava. De pé. Na porta.
— Ontem foi o buraco que engoliu quase toda a rua e você precisou passar com o carro pela calçada quase raspando nos postes. E hoje?
— Foi a fatídica sucessão de vermelhos — disse ele, solene.
— Vermelhos, sei.
— É verdade, chefe! No caminho de volta do almoço, todos estavam vermelhos na minha vez. Todos! Saía de um, parava no seguinte.
— Horácio, no caminho mais curto da sua casa até aqui só tem UM semáforo. — Não, não, puseram vários.
— Horácio, eu conferi. Ontem.
— Então foi hoje cedo que instalaram...
— Volte para o trabalho, Horácio.
Era segunda, e segunda-feira era o dia estratégico. Pois o Horácio tivera o fim de semana inteiro para exercitar a criatividade. E acordar tarde. Já na empresa, tentou passar despercebido — pura estratégia —, mas o chefe, sem tirar os olhos dos papéis que analisava, o abordou.
— Horácio, você está atrasado.
— Chefe, você não vai acreditar....
— Não vou mesmo.
— Mas eu posso explicar.
— Melhor não.
— Deixa eu me justificar.
— Não. — Por favor.
— Não, Horácio. Volte para o trabalho. É que o Horácio odiava não aproveitar uma desculpa bem inventada.
Na semana seguinte, Horácio apareceu apenas na terça. Matara a segunda. E, ao que parecia, mais alguém.
— Por que você não veio ontem, Horácio?
— Não consegui telefonar, chefe — respondeu; e começou a chorar. O chefe sem esboçar qualquer reação, imóvel, aguardando qual seria a da vez. — Minha avó, a que eu mais amava, faleceu. Ai, meu Deus...
— Encheu os olhos de lágrimas.
— Qual delas?
— A mais velhinha.
— Quantas avós você tem, Horácio?
— Contando as de consideração? O chefe pôs a mão no rosto, virou-se e saiu.
Todos tomavam um cafezinho, lá pelas 10 horas, quando o Horácio chegou, de mão levantada — ele tinha uma ex- plicação, claro —, e foi em direção do chefe, que se antecipou. — Já sei: aquele mesmo caminhão da prefeitura, pintando a rua inteira, por doze quarteirões. — Não, não. — Ah, não? — Era outro caminhão.
Na entrada da empresa, o porteiro já foi falando: — Ih, Horácio... — O quê? — O chefe não está de bom humor. — Algum dia esteve? — alfinetou. Ao entrar, deu de cara com o chefe.
— Qual é a de hoje, Horácio?
— Entao, eu...
— Deixa eu adivinhar: foi o portão eletrônico?
— Exatamente, chefe!
— Não abria?
— Abrir, abriu. Não queria é fechar...
Na quinta, o chefe estava sentado na cadeira do Horácio quando este chegou. Batendo os dedos na mesa, um atrás do outro, comentou, sem olhar para o Horácio.
— Não vai adiantar nada, mas eu vou perguntar mesmo assim. Qual avó morreu de novo: a paterna ou a materna?
— A de criação.
Horácio chegou a pé, correndo, esbaforido. Era sexta-feira. Passou pela portaria; não havia ninguém. Alcançou o escritório no quarto andar pelas escadas. Pôs as mãos nos joelhos e procurava recobrar o fôlego. Estava diante do chefe, que quebrou o silêncio.
— Sim, Horácio, diga.
— Você não vai acreditar, chefe!
— Estou ouvindo — disse com sua característica voz monocórdia.
— Eu estava vindo para cá, quando um exército de alienígenas pousou no meio da rua e saiu atirando, desintegrando tudo e todos. Destruíram meu carro!
— Sei.
— Eu escapei por pouco! — gritou, os olhos arregalados.
— E de todos os lugares possíveis para se proteger, você escolheu aqui, o escritório, seu local de trabalho? — quis saber, sem mudar o tom de voz.
— Eu precisava avisar vocês!
— Acho que desta vez você exagerou, Horácio...
— É sério, chefe! Verdade, verdade! Enquanto ele insistia, as luzes se apagaram; tudo o que era elétrico se desligou.
— Com certeza essa queda de energia foi devido ao ataque dos ETs, certo, Horácio? — observou o chefe, de costas para a janela, incrédulo e com o mesmo semblante sem expressão. Ele nem viu os outros funcionários correndo por suas vidas. Atrás dele, a cidade era destruída por naves alienígenas atirando raios para todos os lados. O mundo ia acabar. Numa sexta.